Rev. Interam. Bibliot. Medellín (Colombia) Vol. 46, número 3/septiembre-diciembre 2023 e345683 ISSN 0120-0976 / ISSN (en línea) 2538-9866
https://doi.org/10.17533/udea.rib.v46n3e345683 1
Maria Cristina Piumbato InnocentiniMaria Cristina Piumbato Innocentini
HayashiHayashi
Doutora em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar).
Professora Titular em Ciência da
Informação do Departamento de Ciência da
Informação (DCI) da Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar) e pesquisadora
do CNPq (Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
Brasil.
dmch@ufscar.br
https://orcid.org/ 0000-0003-1250-3767
Alexandre Masson MaroldiAlexandre Masson Maroldi
Doutor em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Professor
Adjunto do Departamento Acadêmico
de Ciência da Informação (DACI) da
Universidade Federal de Rondônia (UNIR),
Brasil.
alexandre@unir.br
https://orcid.org/0000-0002-6592-7750
Carlos Roberto Massao HayashiCarlos Roberto Massao Hayashi
Doutor em Educação pela Universidade
Federal de São Carlos (UFSCar). Professor
Associado do Departamento de Ciência da
Informação (DCI), Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar), Brasil.
massao@ufscar.br
https://orcid.org/0000-0003-1481-5545
Cómo citar este artículo: Hayashi, Maria Cristina Piumbato Innocentini; Maroldi,
Alexandre Masson; Hayashi, Carlos Roberto Massao (2023). Peer-review post-
mortem: análise de obituários acadêmicos publicados na Revista Estudos Feministas.
Revista Interamericana de Bibliotecología, 46(3), e345683. https://doi.org/10.17533/udea.
rib.v46n3e345683
Recibido: 2021-22-03 / Aceptado: 2022-31-05
Resumo
Obituários acadêmicos são gêneros textuais pouco explorados na área de Ciência da
Informação. Essas publicações podem ser consideradas uma espécie de avaliação pos-
t-mortem de trajetórias acadêmicas realizada por pares acadêmicos. O objetivo desse
estudo é identificar e analisar como se caracterizam essas avaliações post-mortem con-
tidas em obituários acadêmicos publicados na Revista Estudos Feministas. A revista foi
escolhida por sua importância no campo dos estudos feministas e de gênero e pela
expertise dos autores em pesquisas sobre gênero e ciência. O corpus de análise foi com-
posto por obituários (n = 19) publicados entre 1996 e 2016 e o estudo foi ancorado no
referencial teórico da Sociologia da Ciência e da Ciência da Informação. A metodolo-
gia adotada utilizou um modelo de análise de obituários acadêmicos composto por
categorias teóricas e instrumentais baseadas em métodos de análise bibliométrica e de
conteúdo. Os resultados mostraram que as avaliações post-mortem de trajetórias acadê-
micas são compostas pelo perfil das obituariadas, obituaristas e obituários e por um
conjunto de valores e virtudes pessoais e acadêmicas das falecidas. Essas avaliações
post-mortem também incluem as contribuições e os impactos pessoais e acadêmicos
gerados por essas mortes..
Palavras-chave: Obituários acadêmicos; bibliometria; ciência da informação; sociolo-
gia da ciência; estudos feministas e de gênero; gênero na ciência.
Peer-reviewPeer-review post-mortempost-mortem: análise de obituários acadêmicos
publicados na Revista Estudos FeministasRevista Estudos Feministas*
© 2023 Universidad de Antioquia. Publicado por Universidad de Antioquia, Colombia.
* Este artigo é parte dos resultados obtidos na pesquisa “Evidências bibliométricas do
reconhecimento científico no campo dos estudos feministas e de gênero” que investigou
o reconhecimento científico expresso em resenhas, entrevistas, e obituários acadêmicos
publicados em periódicos do campo dos estudos feministas e de gênero.
2[Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi, Alexandre Masson Maroldi, Carlos Roberto Massao Hayashi] Rev. Interam. Bibliot. Medellín (Colombia) Vol. 46, número 3/septiembre-diciembre 2023 e345683 ISSN 0120-0976 / ISSN (en línea) 2538-9866
https://doi.org/10.17533/udea.rib.v46n3e345683
Peer-Review Post-MortemPost-Mortem
in Academic Obituaries in the
Revista Estudos FeministasRevista Estudos Feministas
Abstract
Academic obituaries are textual genres little explored
in the area of Information Science. These publications
can also be considered a kind of post-mortem evaluation of
academic trajectories made by academic peers. The purpose
of this study is to identify and analyze these post-mortem
assessments contained in the academic obituaries published
in the Revista Estudos Feministas. The magazine was chosen
for its importance in the field of feminist and gender studies
and for the authors' expertise in research on gender and
science. The analyzed corpus was composed of obituaries (n
= 19) published between 1996 and 2016 and the study was
anchored in the theoretical framework of the Sociology of
Science and Information Science. The adopted methodology
used a model of analysis of academic obituaries composed of
theoretical and instrumental categories based on methods of
bibliometric and content analysis. The results showed that
post-mortem evaluations of academic trajectories are composed
of the profile of obituaries, deceased and obituarists and a
set of personal and academic values and virtues. These post-
mortem evaluations also include the contributions of these
academic trajectories to their field of study, as well as the
personal and academic impacts generated by these deaths.
Keywords: Academic obituaries; bibliometrics; sociology
of science; information science; feminist and gender studies;
gender and sciences.
Peer-Review post-mortem:Peer-Review post-mortem: análisis
de obituarios académicos
publicados en la RevistaRevista
Estudos FeministasEstudos Feministas
Resumen
Los obituarios académicos son géneros textuales poco
explorados en el campo de las ciencias de la información.
Esas publicaciones pueden considerarse una especie de
evaluación post mortem de trayectorias académicas que
realizan pares académicos. El propósito de este estudio es
identificar y analizar cómo se caracterizan estas evaluaciones
post mortem contenidas en los obituarios académicos
publicados en la Revista Estudos Feministas. La revista fue
elegida por su importancia en el campo de los estudios
feministas y de género y por la experiencia de los autores en
investigaciones sobre género y ciencia. El corpus de análisis
estuvo compuesto por obituarios (n = 19) publicados entre
1996 y 2016 y el estudio se ancló en los marcos teóricos de
la sociología de la ciencia y de la ciencia de información.
La metodología adoptada utilizó un modelo de análisis de
obituarios académicos compuesto por categorías teóricas e
instrumentales basado en métodos de análisis bibliométrico y
de contenido. Los resultados mostraron que las evaluaciones
post mortem de trayectorias académicas están compuestas
por el perfil de las obituariadas, obituaristas y obituarios y
por un conjunto de valores y virtudes personales y académicas
de las fallecidas. Estas evaluaciones post mortem también
incluyen las contribuciones y los impactos personales y
académicos generados por estas muertes.
Palabras clave: obituarios académicos; bibliometría;
sociología de la ciencia, ciencias de la información; estudios
feministas y de género; género y ciencia.
1. Introdução
Obituários também são sobre indivíduos, cujas vidas e
identidades eles registram - e para muitas pessoas, eles re-
presentam uma instância única em que sua história de vida é
contada por um terceiro.
(Taussig, 2017, p. 459)
Obituários são atos de memorialização representados
em tentativas de homenagear aqueles que faleceram
mediante um modo particular de lembrar e esquecer.
Também podem ser considerados uma forma de gestão
de identidades dos falecidos, ao destacar suas imagens
positivas e diminuir as negativas.
Como referem Árnason et al.(2003) os obituários são
construídos como um processo seletivo, no qual de-
terminados aspectos sobre a vida do falecido são
enfatizados e outros ignorados. Desse modo, a identi-
dade do falecido é privatizada, pois sua construção é
restrita ao seu relacionamento com o obituarista, isto
é, aquele que redigiu o obituário, conforme foi notado
por Lawuyi (1991). Essa construção, baseada na aspira-
ção e não na verdadeira identidade da pessoa retratada
no obituário faz com que este também funcione como
como uma propaganda socialmente legitimada de pes-
soas falecidas e enlutadas, conforme destacado por
Williams (1997), Bonsu (2007) e Phillips (2007).
3[Peer-review post-mortem: análise de obituários acadêmicos publicados na Revista Estudos Feministas]
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Os obituários também têm sido estudados como indi-
cadores de organização social. Ao comprovarem como
as pessoas são desiguais na vida e na morte, e alocar
prestígio post-mortem os obituários promovem e criam
discursivamente a existência de uma sociedade estra-
tificada. Fowler (2004), amparada em uma perspectiva
teórica bourdieusiana comenta que os obituários não
devem ser vistos meramente como uma homenagem a
indivíduos, mas como parte de um jogo mais amplo de
poder simbólico.
Por sua vez, os obituários acadêmicos podem ser en-
tendidos como micronarrativas biográficas, e desse
ponto de vista são uma expressão do reconhecimento
científico àqueles que contribuíram para ampliar o co-
nhecimento em suas áreas de atuação e podem revelar
um tipo de avaliação post-mortem realizada pelos pares
científicos, nos termos já postos por Merton (1973),
Bourdieu (1988) e Hamann (2016).
Como pode ser observado, os estudos de análises de
obituários adotam diferentes perspectivas teóricas,
entre elas a sociológica, histórica, literária, linguística.
Entretanto, a análise de obituários acadêmicos ain-
da é escassa na literatura científica, principalmente
na área de Ciência da Informação, embora esses gêne-
ros textuais estejam presentes em diversos periódicos
científicos.
Desse modo e visando contribuir para o alargamen-
to dos estudos na área de Ciência da Informação esse
artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que
foi orientada pela seguinte questão: quais são as ca-
racterísticas de avaliações post-mortem de trajetórias
acadêmicas realizadas pelos pares em obituários acadê-
micos publicados em um periódico científico do campo
dos estudos feministas e de gênero? Para obter respos-
tas para essa questão foram estabelecidos os seguintes
objetivos: identificar e analisar as avaliações post-mortem
contidas nos obituários acadêmicos publicados na Re-
vista Estudos Feministas (REF).
A escolha desse campo de estudos e do periódico REF
deve-se aos seguintes fatores: pela representatividade da
REF no campo de estudos feministas e de gênero, pois é
publicada desde 1992 e está classificada no estrato mais
alto (A1) do sistema de avaliação de periódicos científicos
denominado Qualis/CAPES mantido pela Coordena-
ção de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) do Brasil referente ao período 2016-2020.
Além disso, os autores desse artigo já realizaram pes-
quisas sobre gênero e ciência (Camargo & Hayashi,
2017; Hayashi et al., 2018), o que confere segurança teó-
rica e metodológica para escolha da REF.
A fundamentação teórica e metodológica do estudo
advém dos campos da Ciência da Informação e da So-
ciologia da Ciência uma vez que essas áreas permitem
compreender como os obituários acadêmicos podem
ser considerados um tipo de avaliação post-mortem de
trajetórias acadêmicas e revelar aspectos singulares
da trajetória de cientistas e intelectuais de diferentes
áreas de conhecimento. Cabe ressaltar ainda que vários
estudos abordaram a questão de obituário acadêmicos
com as mais variadas metodologias e enfoques teoricos,
contudo o presente estudo inova em relação aos demais
ao utilizar um modelo de análise de obituários baseado
em indicadores quantitativos advindos da Bibliometria
e qualitativos baseados no referencial da Sociologia
da Ciência. Diante disso, ao eleger os obituários aca-
dêmicos como objeto de estudo a pesquisa contribui
para alargar a produção de conhecimento no campo da
Ciência da Informação. A próxima seção apresenta uma
breve síntese da literatura científica que fundamentou
a pesquisa sobre obituários acadêmicos.
2. Um esboço da literatura científica
sobre obituários acadêmicos
Os obituários permitem que você veja os princípios de re-
lacionamento com colegas e alunos, pontos de vista sobre
a profissão, a missão de um cientista, a avaliação de suas
qualidades morais e profissionais e outros componentes da
cultura corporativa
(Kuzoro, 2017, p. 46)
Ao elegeram os obituários acadêmicos e homena-
gens póstumas como objeto de estudo a pesquisa de
Kinnier et al., (1994) analisaram os obituários publi-
cados na revista The American Psychologist no período
de 1979 a 1990, visando criar um perfil demográfico
dos psicólogos falecidos e classificar os valores com
os quais eles eram associados. O estudo revelou que
praticamente todos psicólogos obituariados eram
acadêmicos e pesquiadores altamente produtivos e en-
4[Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi, Alexandre Masson Maroldi, Carlos Roberto Massao Hayashi] Rev. Interam. Bibliot. Medellín (Colombia) Vol. 46, número 3/septiembre-diciembre 2023 e345683 ISSN 0120-0976 / ISSN (en línea) 2538-9866
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volvidos ativamente em outras áreas profissionais, tais
como administração e serviços.
Posteriormente, Radtke et al. (2000) também focaliza-
ram os obituários do The American Psychologist ampliando
o recorte temporal até 1997. Por meio da análise do
discurso verificaram que a imagem predominante do
psicólogo bem-sucedido continua sendo a do cientis-
ta homem e a imagem dominante da Psicologia como
disciplina continua sendo a versão neopositivista da
ciência. Como consequência, as contribuições das mu-
lheres para a disciplina são marginalizadas em relação
às dos homens, e as controvérsias epistemológicas e
teóricas que podem muito bem levar a mudanças sig-
nificativas nas práticas disciplinares são suavizadas e
ignoradas.
A profissão bibliotecária retratada nos obituários do
New York Times foi estudada por Dilevko e Gottlieb
(2004). Os resultados mostraram que embora a Bi-
blioteconomia seja uma profissão majoritariamente
feminina, 63,4 % dos obituários narravam a vida de bi-
bliotecários homens.
O estudo de Mumford et al. (2005) analisou obituá-
rios de cientistas de várias áreas de conhecimento. Ao
comparar os cientistas de alto e baixo desempenho em
relação a eventos criativos nas suas carreiras, os autores
verificaram que a realização científica e a criatividade
eram fortemente influenciadas por um conjunto de ca-
racterísticas que foram denominadas de disposicionais,
pois dependiam de um ato próprio do sujeito e que
incluíam inteligência, pensamento crítico e flexível,
abertura, curiosidade e motivação para conquistas.
Por sua vez, Tight (2008) analisou os obituários de
uma centena de acadêmicos publicados na imprensa
britânica no ano de 2007 para observar o que diziam
sobre a natureza mutável do trabalho acadêmico con-
temporâneo e como este era apresentado nesse gênero
específico de escrita. O autor concluiu que o domínio
masculino e a influência da Oxbridge, isto é, das uni-
versidades de Oxford e Cambridge, do Reino Unido, e
do sistema de ensino superior americano permanecem
fortes nos níveis mais altos da vida acadêmica que che-
gam às páginas do obituário. Outra conclusão foi que
os obituários também ilustram o impacto de eventos e
tendências globais, como a guerra mundial e a mobilida-
de internacional de mão-de-obra altamente qualificada,
na academia. No nível individual, os obituários apre-
sentaram uma imagem de conquistas quase míticas,
trazidas à terra por relatos de carinho e excentricidade
essencial.
Ao partir do entendimento de que os obituários forne-
cem um último julgamento valioso e subutilizado sobre
lideranças intelectuais Macfarlane e Chan (2014) ana-
lisaram obituários acadêmicos publicados entre 2008
e 2010 no periódico Times Higher Education, e sugeriram
quatro elementos de liderança intelectual, vinculados
aos obituários acadêmicos: paixão pela transformação,
equilíbrio de virtudes pessoais, compromisso com o
serviço e superação de adversidades. O estudo permitiu
identificar a importância das características pessoais e
das realizações acadêmicas na formação da reputação
acadêmica.
Fernández (2015) analisou um corpus de obituários
publicados no Journal of Philosophy, Culture, Science and
Education visando detectar quais são os assuntos que
merecem esse tipo de homenagem póstuma dirigida ge-
ralmente para cientistas e educadores, bem como sua
relação com a concepção de cultura moderna que é do-
minante nesta publicação. O estudo conclui que figuras
femininas são exceção e masculinas são majoritárias
nesses obituários, os quais são destinados a intelectuais
sintonizados com a orientação ideológica da publica-
ção, isto é, cientistas, educadores, filósofos, jornalistas e
políticos que colaboraram com o avanço da ciência e da
educação. Para a autora, os obituários produzem uma
“apropriação simbólica de certas figuras mediante o uso
seletivo de dados sobre sua trajetória de vida que levam
a resgatar determinadas facetas por razões de afinida-
de intelectual e proximidade ideológica” (Fernández,
2015, p. 203).
Para Hamann (2015) os obituários acadêmicos publi-
cados em revistas acadêmicas expõem um sistema de
valores e geralmente são de autoria de um porta-voz
da comunidade devidamente designado para fazer o
julgamento final de um membro falecido. Na visão do
autor, como geralmente pesquisadores de mérito é que
são reconhecidos em um obituário, esse gênero textual
permite compreender até que ponto o trabalho biográ-
fico reconhecido não é apenas honrado, mas também
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avaliado no contexto de um sistema compartilhado de
virtudes acadêmicas.
Posteriormente Hamann (2016) reconstruiu as caracte-
rísticas básicas das avaliações de acadêmicos por meio
de uma análise qualitativa de obituários publicados em
periódicos científicos. Os resultados obtidos nessas
pesquisas demonstraram como os obituários categori-
zam assuntos acadêmicos posicionando-os dentro de
esferas de conhecimento acadêmico e cargos insti-
tucionais, e também legitimam sujeitos acadêmicos
aplicando narrativas biográficas de talento e mérito.
Boccio e Macari (2017) argumentam que ao serem vis-
tos como documentos históricos os obituários oferecem
grande valor nas salas aula de Psicologia. Os autores
advogam que os obituários de psicólogos proeminen-
tes possuem vantagens distintas sobre as abordagens
instrucionais tradicionais, pois incluem histórias que
geralmente não são abordadas em livros de Psicologia
típicos, apresentam informações biográficas que têm o
potencial de aumentar a relevância pessoal para os alu-
nos e capitalizar sobre o próprio efeito de referência e
refletem o zeitgeist do campo e da sociedade em que fo-
ram escritos.
Uma análise textual de obituários publicados nas re-
vistas Journal of Neurosurgery e Neorusurgery, e ainda
no jornal The New York Times no período entre 1960 e
2018 foi realizada por Kelly et al. (2019) com o objeti-
vo de elucidar os respectivos julgamentos de valor da
comunidade neurocirúrgica e identificar as caracte-
rísticas do legado de um neurocirurgião que são mais
emblemáticas da profissão. Os resultados apontaram
que tanto os periódicos neurocirúrgicos quanto os
artigos de imprensa leiga baseavam-se em narrativas
lineares, com maior ênfase na liderança profissional e
treinamento de residência em revistas da área de Neuro-
cirurgia e, proporcionalmente, maior menção à família na
imprensa leiga.
Os obituários oferecem uma janela única para os va-
lores e as dimensões sociais da vida acadêmica. Dessa
perspectiva Murray et al. (2020) analisaram obituários
publicados entre 1850 e 2019 no The Lancet que é uma das
mais antigas revistas médicas do mundo com revisão
por pares publicada semanalmente. Os autores verifi-
caram que a representação relativa dos assuntos dos
obituários mudou ao longo do tempo, e que os detalhes
da família e dos falecidos estavam super-representados
até 1920. Após a Primeira Guerra Mundial a erudição
acadêmica e a personalidade tornaram-se mais comuns.
Recentemente, a carreira científica e as conquistas aca-
dêmicas estão ressurgindo nesses textos. Em conclusão,
os autores consideram que obituários científicos refle-
tem a importância dos eventos mundiais, da carreira
profissional e personalidade, mas o gênero evolui.
No Brasil dois estudos abordaram os obituários aca-
dêmicos sob as perspectivas teóricas da sociologia da
ciência e da memória e da história, conforme expostos
a seguir.
Fetz (2016) argumenta que a análise da função e do
papel social da dinâmica da morte no campo científico
tem recebido pouca atenção dos pesquisadores e por
essa razão investigou dois obituários publicados no pe-
riódico luso-brasileiro A Illustração publicado em Paris
entre 1884 e 1892. Em sua visão, os obituários reforçam
o ethos social da comunidade científica ao preservar e
fortificar a lógica interna de funcionamento do cam-
po acadêmico, uma vez que a morte é cientificamente
aproveitada como mecanismo de consolidação do pres-
tígio social atribuído a determinados agentes sociais
que demonstraram aptidão para sobreviver.
Por sua vez, Silva (2019) analisou obituários, entrevis-
tas póstumas e homenagens fúnebres publicados na
Revista Estudos Feministas com o objetivo de abordar esse
material com base em sua dimensão biográfica por meio
da mediação da situação de luto e de relações intelec-
tuais e institucionais de uma publicação acadêmica. O
referencial teórico adotado para essa empreitada adveio
da narrativa biográfica que apresenta histórias de vida
acionadas pela morte presentes em discursos retóricos
laudatórios como epitáfios, obituários e memoriais. A
análise revelou que os obituários representam concomi-
tantemente a externalização da dor da ruptura surgida
da trajetória e das vivências dos obituariados e também
de uma espécie de noblesse oblige de reverenciar aqueles
que se vinculam aos valores e ideais do grupo.
6[Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi, Alexandre Masson Maroldi, Carlos Roberto Massao Hayashi] Rev. Interam. Bibliot. Medellín (Colombia) Vol. 46, número 3/septiembre-diciembre 2023 e345683 ISSN 0120-0976 / ISSN (en línea) 2538-9866
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3. Percurso metodológico
Contar a história de uma pessoa morta - seja no funeral,
obituário, registro, inquérito ou sessão espírita - é um tipo
particular de trabalho que precisa ser compreendido e valo-
rizado por si só
(Walter, 2005, p. 409)
O estudo realizado pode ser caracterizado como uma
pesquisa exploratória e descritiva de cunho bibliográ-
fico e documental, haja vista que as unidades de análise
selecionadas – obituários acadêmicos publicados em
um periódico científico específico – ainda não haviam
sido analisados do ponto de vista das metodologias das
análises bibliométrica e de conteúdo. Esses métodos
permitem mapear e conhecer como se configura um
campo de conhecimento, e extrair informações de forma
objetiva e sistemática visando realizar inferências sobre
conhecimentos relativos às condições de produção e re-
cepção dos textos (Silva et al., 2011; Bardin, 2011).
A fonte de dados foram obituários acadêmicos (n = 19)
publicados no período entre 1996 e 2016 na REF. Foram
Quadro 1. Modelo de análise dos obituários acadêmicos da REF
Categorias Indicadores
Informações pessoais e atributos acadêmicos
dos obituariados*
Nome e gênero, país de nascimento, datas de nascimento e morte,
idade no óbito, causa mortis, Alma mater, formação acadêmica
inicial, área de atuação, destaques da produção científica,
orientação científica; prêmios e honrarias acadêmicas.
Informações acadêmicas dos obituaristas** Nome e gênero, área de conhecimento; vinculação institucional,
relações pessoais e acadêmicas com o falecido
Informações bibliográficas dos obituários
Ano de publicação, seção do periódico, extensão do obituário,
fotografia do falecido, tipo de autoria (individual ou coautoria),
obituarista mais frequente, obituarista que depois foi obituariado
Virtudes e valores pessoais e acadêmicos do
obituariado
Bom humor, humildade, paciência, seriedade, pioneirismo,
rigor teórico, liderança intelectual e inspiracional, propensão
ao diálogo; referência na área, reconhecimento pelos pares,
interlocutor valioso; capacidade de construir equipes; dedicação
à formação de pesquisadores
Reconhecimento pelos pares Lembranças da convivência acadêmica; contribuições científicas
para a área, impacto pessoal e acadêmico post-mortem
(*) Obituariadas são as acadêmicas falecidas. (**) Obituaristas são aquelas(es) que redigiram o obituário.
Fonte: elaborado pelos autores.
excluídas desse corpus as homenagens póstumas, pois
embora apresentem semelhanças com os obituários há
diferenças conceituais sutis entre esses dois gêneros
textuais. Os obituários geralmente apresentam uma
seleção de fatos e episódios marcantes da vida e trajetó-
ria acadêmica dos falecidos considerados importantes
por aqueles que o redigem. Por sua vez, as homenagens
póstumas assumem a forma de artigos publicados em
edições especiais de periódicos organizadas para ho-
menagear um membro ou figura-chave da comunidade
científica recém-falecido ou por ocasião de aniversários
de falecimentos.
A coleta dos dados foi realizada no site oficial da REF
desde o primeiro volume publicado em 1992 até o volu-
me atual (REF, 2021).
Em seguida, mediante a leitura integral dos textos dos
obituários publicados na REF foi elaborado um mo-
delo de análise dos obituários acadêmicos (Quadro 1)
contendo as categorias e os indicadores que permi-
tem identificar as avaliações post-mortem presentes nos
obituários.
7[Peer-review post-mortem: análise de obituários acadêmicos publicados na Revista Estudos Feministas]
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Com base nesse modelo de análise os dados coletados
dos obituários foram registrados em uma planilha Ex-
cel. Vale observar que essa etapa de coleta e registro de
dados foi bastante lenta, pois os textos dos obituários
nem sempre traziam todas as informações referentes
às categorias de análise adotadas, tais como datas de
nascimento e morte, área de conhecimento, alma mater
e fotografia das obituariadas. Isso exigiu uma pesqui-
sa complementar em sites institucionais, Plataforma
Lattes, Wikipedia, plataformas acadêmicas como Re-
searchgate e Google Scholar e Google Imagens. Na
etapa seguinte os dados foram descritos mediante a
elaboração de gráficos, tabelas e quadros. A análise
e discussão dos resultados foi realizada por meio do
referencial teórico da Ciência da Informação e Socio-
logia da Ciência.
4. Resultados e análises
A Tabela 1 apresenta a distribuição temporal dos obituá-
rios publicados na REF.
Observa-se que no período entre 1992 e 2016 o total anual
de obituários se manteve estável, com um e no máximo
dois obituários publicados por ano, e algumas variações
ocorridas em 2008 e 2013, anos em que foram registrados
os escores mais altos (n = 3).
Para apresentar as obituariadas e foi elaborado um painel
imagético (Figura 1) com fotografias extraídas dos obi-
tuários ou de sites na internet.
Ao mesmo tempo que essas fotografias funcionam
como uma forma de lembrança para quem conheceu e/
ou compartilhou trajetórias acadêmicas e de militância,
também dão oportunidade para identificação visual de
algumas das principais lideranças intelectuais aos re-
cém-chegados ao campo dos estudos feministas e de
gênero.
Como a REF é um periódico dedicado aos estudos
feministas e de gênero não causa estranheza que os obi-
tuários (n = 19) publicados sejam de mulheres militantes
Tablea 1. Distribuição temporal dos obituários publicados na REF
1992 1996 2004 2006 2008 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 Total
1 1 1 1 3 1 2 1 2 3 1 2 19
Fonte: elaborado pelos autores.
Figura 1. Mulheres obituariadas na REF.
Fonte: elaborado pelos autores.
8[Maria Cristina Piumbato Innocentini Hayashi, Alexandre Masson Maroldi, Carlos Roberto Massao Hayashi] Rev. Interam. Bibliot. Medellín (Colombia) Vol. 46, número 3/septiembre-diciembre 2023 e345683 ISSN 0120-0976 / ISSN (en línea) 2538-9866
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e intelectuais com expressiva representatividade no
movimento feminista brasileiro e internacional. Con-
tudo, observou-se que ao longo dos 24 anos em que os
obituários foram publicados não figuraram nas páginas
da REF obituários de homens e pessoas transgênero
inseridas no campo de estudos feministas e de gênero.
Seria porque nesse período tais mortes não ocorreram,
ou caso tenham ocorrido, não foram consideradas me-
recedoras de serem registradas e lembradas em um
obituário da revista?
4.1 Perfil das obituariadas, das obituaristas e dos
obituários
Trajetórias biográficas dão vida a sujeitos acadêmicos ao
descrever de onde vêm os pesquisadores, quais são seus
campos de especialização, quem são seus amigos e inimigos
e o que eles alcançaram.
(Hamann, 2016, p. 2)
O modelo de análise de obituários acadêmicos permi-
tiu identificar um conjunto de características sobre o
perfil das obituariadas, obituaristas e dos obituários
(Quadro 2).
Em relação ao país de nascimento das obituariadas
observa-se que a maioria (n = 15) nasceu no Brasil. As
exceções são Betty Friedan e Gloria Evangelina An-
zaldúa, nascidas nos EUA, Nara Araújo, em Cuba e
Nicole-Claude Mathieu em França. Esses resultados
sugerem que são privilegiados na REF os obituários de
mulheres que contribuíram para o fortalecimento do
campo dos estudos feministas e de gênero no Brasil.
Contudo, considerando que o período abrangido pela
pesquisa cobre 24 anos, isto é, de 1992 até 2016, fica
em aberto se, e porquê, outras feministas do Brasil, da
América Latina e do Caribe, e dos Estados Unidos e
Europa falecidas nesse período não foram obituariadas,
como por exemplo Lélia Gonzales (1935-1996), Rosa
Parks (1913-2005) e Zuleika Alembert (1922-2012). As
duas primeiras foram ativistas do movimento negro
cujas atuações possuem interseções com o feminismo
e a terceira foi uma das primeiras mulheres a ocupar
uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo e
a primeira mulher a participar do Comitê Central do
Partido Comunista Brasileiro (PCB), destacando-se na
luta pelo protagonismo feminino na sociedade brasilei-
ra. Lélia Gonzalez foi intelectual do movimento negro
brasileiro, cuja trajetória foi marcada por colocar em
destaque a situação e a importância da organização das
mulheres negras. E Rosa Parks, foi uma notável ativista
do movimento dos direitos civis nos EUA, considerada
por Davis (2016) como epítome da condição da mulher
negra. Essas e outras ausências poderiam sugerir que há
um lugar privilegiado a ser ocupado nas memórias he-
gemônicas construídas nos obituários publicados pela
REF?
Outro aspecto a ser destacado no Quadro 1 advém do
cruzamento dos dados relativos à data de nascimento,
idade das obituariadas ao falecer e causa mortis. Pode-
-se observar que há um contingente representado por
42,8 % (n = 8) de mulheres mais longevas nascidas en-
tre as décadas de 1920 e 1930 e a primeira metade dos
anos 1940 e falecidas com idades entre 85 e 72 anos. Em
seguida, comparecem as mulheres que faleceram com
idades entre 47 e 63 anos totalizando 47,3 % (n = 9) do
total nascidas entre 1943 até 1953. Vale observar que
apenas 10,5 % (n = 2) das mulheres faleceram antes de
completarem cinquenta anos: Elisabeth Lobo, com 47
anos e Noemi Castilhos com 48 anos de idade. Tais re-
sultados sugerem a ocorrência da intergeracionalidade
acadêmica ao revelar a convivência entre diferentes
gerações de pesquisadores que compartilham e/ou con-
frontam paradigmas teóricos e metodológicos por meio
de um intercâmbio de ideias e práticas de pesquisa que
fazem avançar o conhecimento científico da área.
Observou-se que o câncer foi a maioria (n = 9) da causa
mortis dessas mulheres que faleceram com idades de 62
(n = 2), 63 (n = 3), 67 (n = 1), 67 (n = 1), 72 (n = 1), 76 (n = 1)
e 83 (n = 1) anos. Dados do Instituto Nacional do Câncer
(INCA, 2023) apontam que a morte por câncer é um
dos principais problemas de saúde pública no mundo
e já está entre as quatro principais causas de morte
prematura, antes dos 70 anos de idade, na maioria dos
países. Doenças cardiovasculares (n = 3), complicações
de doenças como diabetes e outra não especificada
(n = 2) e acidentes automobilísticos (n = 2) foram as de-
mais razões dessas mortes. Não foi possível obter nos
obituários e em pesquisa complementar na internet
três causa mortis.
Esses resultados mostram que os obituários acadê-
micos são um meio de se estudar uma ampla gama de
tópicos, entre eles o envelhecimento, a expectativa de
9[Peer-review post-mortem: análise de obituários acadêmicos publicados na Revista Estudos Feministas]
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Quadro 2. Perfil das obituariadas, obituaristas e obituários
1 País de nascimento: EUA (Betty; Gloria); Cuba (Nara); França (Nicole-Claude); Brasil (Ana Alice, Cristina,
Elisabeth, Fulvia, Gabriela, Heleieth, Heloneida, Karin, Luzia, Maria Isabel, Maria Lúcia, Miriam, Noemi, Rose
Marie, Zahidé)
2 Ano de nascimento: Betty (1921), Miriam (1926), Rose Marie (1930), Heloneida (1932); Heleieth (1934); Nicole-
Claude (1937); Zahidé (1939), Fúlvia e Glória (1942), Elisabeth (1943); Cristina e Nara (1945), Noemi e Maria
Isabel (1947); Karin e Maria Lúcia (1948), Ana Alice e Gabriela (1951), Luiza (1953)
3 Idade ao falecer: Miriam (86), Betty (85), Rose Marie (83); Heleieth, Nicole-Claude e Zahidé (76); Heloneida
(75), Fulvia (72), Cristina (67); Ana Alice, Karin, Luiza, Nara (63), Gabriela e Maria Lúcia (62); Glória e Maria
Isabel (61), Noemi (48), Elisabeth (47)
4 Causa mortis: Câncer (Ana Alice, Cristina, Fulvia, Gabriela, Karin, Luzia, Maria Lúcia, Nicole, Rose); problemas
cardiovasculares (Betty, Heleieth, Heloneida); acidentes automobilísticos (Elisabeth e Maria Isabel) complicações de
doenças (Glória e Nara); sem identificação (Noemi, Miriam, Zahidé)
6 Almas Maters: USP (Fúlvia, Gabriela, Heleieth, Maria Lúcia, Miriam); UFRGS (Elisabeth, Luiza, Noemi); UFRJ
(Heloneida Rose Marie); Escola de Sociologia e Política-SP (Cristina); PUC-RS (Zahidé); PUC-SP (Maria Isabel); UFBA
(Ana Alice); UFMG (Karin); EHESS-Paris (Nicole-Claude); Pan American University/EUA (Glória); Smith College/EUA
(Betty); Universidade Estatal de Moscou Lonomossov (Nara)
7 Área de formação inicial: Ciências Sociais (Ana Alice, Gabriela/não concluído; Heloneida, Maria Isabel); Psicologia
(Betty, Fulvia, Karin); Letras e Literatura (Elisabeth, Glória, Nara, Zahidé); Sociologia (Cristina, Heleieth); História
(Maria Lúcia, Miriam); Administração (Luiza); Antropologia (Noemi, Nicole-Claude); Física (Rose Marie)
8 Seções da REF que publicaram os obituários: In Memoriam (n = 12); Nota de Falecimento (n = 3); Homenagem
(n = 3); Artigo (n = 1)
9 Extensão dos obituários: Entre 1 e 3 páginas (n = 13); Entre 5 e 8 páginas (n = 6)
10 Obituários com e sem fotografias: Com (n = 4); Sem (n = 15)
11 Tipos de autorias do obituário: Coordenação editorial (n = 5); individual feminina (n = 10); dupla feminina (n
= 2); individual masculina (n = 1); dupla masculina (n = 1)
12 Nome e gênero dos(as) obituaristas: Mulheres (Ana Rita Fonteles Duarte; Carmen Susana Tornquist; Cecília
Cunha; Cecília Sardenberg; Francirosy Barbosa Ferreira; Heleieth Saffioti; Letícia Cardoso Barreto; Luciana
Zucco; Luzinete Simões Minella; Mara Coelho de Sousa Lago; Tânia Regina de Oliveira Ramos; Teresa Kleba
Lisbôa); Homens (Benedito Medrado; Jorge Lyra; Vinícius Ferreira)
13 Instituições de vinculação dos obituaristas: UFSC (n = 11); UFPE (n = 2); UFBA (n = 1); UNESP (n = 1); FFCL/
USP-Ribeirão Preto (n = 1)
14 Obituarista que foi obituariada: Heleieth Saffioti
15 Obituarista que contribuiu com mais obituários: Luzinete Simões Minella (n = 3)
Fonte: elaborado pelos autores.
vida e a longevidade dos membros de uma comunida-
de científica, embora esses aspectos ainda não tenham
sido estudados na literatura científica que aborda esse
gênero textual.
O cruzamento dos dados sobre a alma mater, isto é, a
instituição em que a pessoa se graduou e forneceu sub-
sídios intelectuais para a formação de seus egressos,
com as áreas de formação inicial das obituariadas per-
mitiram observar os seguintes aspectos da trajetória
acadêmica das falecidas:
A maioria das obituariadas brasileiras são egressas
de curso de graduação realizados na USP (n = 5);
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UFRGS (n = 3) e UFRJ (n = 2), e a Escola de Sociolo-
gia e Política de São Paulo, a PUC-SP e PUC-RS, a
UFBA e a UFMG foram as instituições com menor
incidência; no exterior duas instituições dos EUA,
uma da França e outra da Rússia figuram como alma
mater das obituariadas.
Predominou na formação inicial realizada nessas
instituições a área de Ciências Sociais, Sociologia
e Antropologia (n = 6) seguida pelas áreas de Psi-
cologia (n = 3), Letras e Literatura (n = 3) e com
menor incidência a História (n = 2), a Administra-
ção (n = 1) e a Física (n = 1) sendo esta a única no
campo das Ciências Exatas. Vale observar, contu-
do, que algumas obituariadas realizaram mais de
uma graduação em diferentes instituições.
Em relação ao perfil dos obituários os resultados apon-
taram que a maioria foi publicada na seção da REF
denominada “In Memoriam” (n = 12). Os demais foram
publicados nas “Nota de Falecimento” (n = 3), “Home-
nagem” (n = 3) e apenas um na seção “Artigo”.
A extensão desses obituários também variou entre uma
e três páginas (n = 13) e os mais extensos tinham entre
cinco até oito páginas (n = 6). Aqueles mais curtos se-
guem, de certa forma, a estrutura e o estilo da maioria
dos obituários jornalísticos, isto é, são micronarrati-
vas que iniciam com uma breve síntese biográfica da
pessoa falecida enfatizando suas realizações e os sig-
nificados que agora as suas ausências implicarão para
aqueles que sobreviveram a essa perda. Por sua vez, os
obituários mais longos, além de conter esses enfoques,
também se debruçam mais detalhadamente a analisar
a vida e a obra das pessoas que faleceram, geralmente
fazendo um contraponto com a oportunidade de terem
compartilhado vivências acadêmicas e relações de ami-
zade que se revelaram importantes para rememorar as
suas trajetórias e as do falecido.
Verificou-se também que a maioria (n = 15) dos obituá-
rios da REF não possuíam uma fotografia da pessoa
falecida, ou seja, apenas 21 % do total (n = 4) estampa-
ram uma imagem. Para além de um registro histórico
e de cumprir o papel de colocar em destaque aspectos
fisionômicos dos retratados, as fotografias nos obituá-
rios dão um rosto a identidades acadêmicas e pessoais
para que essas não sejam esquecidas, e conhecidas por
aqueles que não conviveram com as falecidas.
Ao analisar os tipos de autorias dos obituários verificou-
-se que prevaleceram as autorias individuais femininas
(n = 12) e as coautorias duplas femininas (n = 2). Essas
mesmas tipologias totalizaram duas quando se referiu
aos homens como autores e coautores. Ou seja, os dois
únicos obituários realizados por homens foram os de
Fulvia Rosemberg, escrito por Jorge Lira e Benedito
Medrado que tinham sido seus alunos, e o de Nicole-
-Claude Mathieu elaborado por Vinícius Kauê Ferreira.
Cinco obituários são de autoria da coordenação edito-
rial da REF.
Em relação gênero dos obituaristas (n = 18) que con-
tribuíram como autores e coautores, a maioria eram
mulheres (n = 15) sendo os demais (n = 3) homens.
Verificou-se ainda que a maioria das instituições de
vinculação dos obituaristas foi a Universidade Fe-
deral de Santa Catarina (n = 11) denotando que essa
é um celeiro de colaboradores da REF para a ela-
boração de obituários. Em seguida comparecem os
obituaristas vinculados à Universidade Federal de Per-
nambuco (n = 2), Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho” (n = 1) e Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Ribeirão Preto/Universidade de São
Paulo (n = 1).
Outros dois aspectos chamaram atenção em relação aos
obituaristas da REF. A autora Luzinete Simões Minella
contribuiu com mais de um obituário, a saber, dos fale-
cimentos de Cristina Bruschini, Maria Isabel Baltar da
Rocha Rodrigues e Luiza Helena Barros. Observou-se
também que Heleieth Saffioti, autora do obituário de
Elisabeth de Souza Lobo, o primeiro a ser publicado na
REF, posteriormente foi obituariada pela editoria da
revista na seção “Nota de falecimento”.
4.3 O que dizem os obituários da REF?
Os filósofos enfatizaram que podemos determinar o que
conta como uma virtude para um determinado tipo de pes-
soa em um determinado contexto cultural, analisando o que
as pessoas dizem sobre os mortos.
(Alfano et al., 2018, p. 59)
Tendo como diretriz o modelo de análise de obituários
acadêmicos, o Quadro 3 apresenta um conjunto de ca-
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Quadro 3. Virtudes e valores acadêmicos e pessoais das obituariadas
Virtudes e valores acadêmicos
Ana Alice – Inspiradora e articuladora.
Beth - Munida de rigor teórico, detinha esta qualidade da paciência de observar este fazer-se entrelaçado da classe
e do gênero, intervindo, com competência e ao lado de outros agentes sociais, neste processo.
Cristina - Compartilhou a autoria tanto com parceiras de geração quanto com novas gerações de pesquisadoras.
Gabriela - Gostava de diálogos que aconteciam em clima informal. Sempre mantinha uma postura combativa e
segura dos seus ideais.
Karin - Feminista convicta, auxiliou na formação de várias gerações de militantes e pesquisadores, deixando sua
marca de delicadeza e cuidado para com o outro em tudo que realizava
Maria Isabel - Capacidade de intenso diálogo. Habilidade de ouvir vários argumentos para articulá-los de modo
produtivo. Soube colocar inúmeros estudantes nas trilhas das investigações sobre suas áreas de interesse.
Maria Lúcia - Refinada e detalhista. Cuidado em textos primorosos, baseados sempre em farta e minuciosa pesquisa
historiográfica. Notável dedicação e seriedade nas pesquisas que fazia.
Miriam - O trabalho de documentação bibliográfica coloca em relevo o seu trabalho historiográfico e detido.
Nara - Competência intelectual
Nicole-Claude – Grande potencial de mobilização, de inspiração.
Noemi - Respeitada como figura-chave entre estudantes e colegas. Incansável pesquisadora. Dedicada ao ensino
com um zelo incomum. Apesar de estar aposentada e com saúde comprometida demonstrou um extraordinário
vigor em promover pesquisas
Rose Marie - Popularizou seu pensamento de modo contestador, corajoso e inovador. Intelectual apaixonada pelas
letras.
Virtudes e valores pessoais
Ana Alice - Coragem, garra, bom humor, sorriso largo, solidariedade. Doçura e aspereza, capacidade de ser amiga.
Exemplo de luta e coragem.
Gabriela - Pessoa simples e muito afetuosa.
Karin - Exemplo de coragem, dignidade e lealdade que caracterizou sua vida pessoal e suas atividades profissionais.
Maria Isabel - Dinamismo. Por trás da sua trajetória brilhante, havia uma pessoa simples.
Maria Lúcia - Zelo e cuidado.
Nara - Entusiasmo e amor à vida.
Nicole-Claude - Pensamento vívido e sagaz
Noemi - Amiga solidária e companheira de farra a conhecemos também como filha atenta e mãe coruja
Rose Marie - Personalidade marcante e sensível.
Fonte: elaborado pelos autores.
tegorias que revelam as virtudes e valores pessoais e
acadêmicos atribuído às obituariadas e que foram ex-
traídas dos textos completos dos obituários publicados
na REF.
O Quadro 3 mostra que a maneira específica pela qual
os obituários avaliam as biografias de pesquisa é de-
terminada por lembranças pessoais, uma vez que os
autores são agentes das regras costumeiras que devem
ser seguidas em atos de avaliação, conforme explica
Hamann (2016). Além disso, é possível observar que
a norma social de apenas falar bem dos mortos foi se-
guida nesses obituários, de tal forma que as avaliações
post-mortem realçam as principais virtudes do falecido.
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Quadro 4. Contribuições das obituariadas para seus campos de estudo
Ana Alice - Deixa um legado de grande importância para as lutas das mulheres, pela igualdade de gênero, para o
feminismo no Brasil.
Betty - Seu livro, a Mística Feminina, tornou-se um dos principais desencadeadores da segunda onda do feminismo.
Cristina - referência na área das Ciências Sociais, em particular para diferentes gerações de feministas. Atuou, de
modo significativo, na constituição do campo dos estudos feministas e de gênero.
Elisabeth - Mas Elisabeth Lobo, sem dúvida, com sua insistência em jamais perder de vista, quer no pensar, quer
no viver, as relações sociais, colocou vários grãos de sal nesta nova maneira de conceber o mundo e de construir o
objeto do conhecimento. Sua contribuição, portanto, não se situa somente no terreno das observações e inferências
substantivas; ontológica e epistemologicamente, sua obra representa um avanço considerável para a área.
Fúlvia – Foram muitas as contribuições para o movimento feminista, para o campo da defesa das crianças e para as
políticas de promoção de igualdade racial.
Gabriela – Destacou-se pela sua forte militância no movimento das prostitutas, tornando-se uma importante
liderança.
Glória - Desempenhou um papel vital no movimento feminista de inclusão.
Heleieth - Nome de destaque nos estudos sobre mulheres no Brasil, tendo produzido tese pioneira sobre o tema.
Suas contribuições teóricas são um importante legado para gerações de estudiosas/os de gênero e feminismo.
Karin - Destacou-se na militância do movimento feminista brasileiro, em Minas Gerais, em plena época da ditadura
militar no país.
Luiza - Liderança dos movimentos negros e feministas se destacou pela persistência e competência na definição de
ações e de estratégias de resistência.
Maria Isabel - Bel desenvolveu pesquisas sobre política de população, saúde reprodutiva e saúde da mulher
trabalhadora, destacando a análise dos aspectos políticos, sempre na interface com a demografia.
Maria Lúcia - Deixa trabalhos fundamentais nos estudos de gênero, neste campo espinhoso e tenso que são as
reflexões e pesquisas sobre maternidade e feminismo.
Miriam - Contribuiu significativamente para o não esquecimento desses diários escritos por mulheres viajantes, tão
importantes para nossa compreensão sobre o ser mulher com o passar dos tempos.
Nara - Generoso empenho para fortalecer essa área de estudos [feministas] que apenas se iniciava entre nós.
Nicole-Claude - Seu texto clássico sobre a noção de “dominação” marcou gerações. [Suas obras] representam uma
contribuição essencial ao feminismo e à antropologia.
Noemi - Excelente profissional que em muito contribuiu para a Antropologia e os estudos de gênero no Brasil.
Rose Marie- Seu legado político e teórico no campo feminista contribuiu para a construção de novos ideais
feministas e de direitos sociais, materializados nos seus feitos e no reconhecimento social conquistado.
Zahidé - Reescreveu uma nova história da literatura brasileira, dando visibilidade às escritas de mulheres do século
XIX e à crítica e à teoria feminista dos séculos XX e XXI.
Fonte: elaborado pelos autores.
A análise dos obituários revelou as contribuições que as
obituariadas fizeram ao campo dos estudos feministas e
de gênero (Quadro 4), conforme mostram os seguintes
excertos dos obituários.
É possível observar nesses extratos, conforme explica
Hamann (2016), como os obituários localizam os faleci-
dos nas esferas do conhecimento acadêmico, definindo
sua relevância acadêmica, seus campos de especializa-
ção, as comunidades às quais pertenciam e, geralmente,
sua disciplina de origem. Não sendo, obviamente, um
relato em primeira pessoa, esses exertos dos obituários
podem servir como representações concisas dos aspec-
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tos mais importantes das obituariadas, além de revelar
suas redes sociais e acadêmicas.
Finalmente, a abertura ou fechamento do texto dos
obituários são espaços nos quais os obituaristas tentam
exprimir suas lembranças de convivência com a falecida
e impressões sobre o impacto da perda e o significa-
do que a ausência da pessoa falecida terá nos âmbitos
pessoal e acadêmico. Ao mesmo tempo, também fun-
cionam como uma espécie de avaliação post-mortem das
Quadro 5. Lembranças pessoais e impactos acadêmicos post-mortem
Ana Alice – Muita gente que a amou e admirou e que jamais poderá esquecê-la. Lembranças de momentos felizes
e de alegria que ela nos proporcionou. Por tudo isso, fará muita falta. Para nós que a conhecemos de perto ficará
para sempre uma imensa saudade.
Betty – a militância feminista de Betty Friedan a marcou para a vida inteira.
Cristina – A lacuna de sua perda soma-se àquela representada pelo falecimento das sociólogas Maria Isabel Rocha
Baltar (2008) e Heleieth Saffioti (2010), da psicóloga Karin Ellen von Smigay e da historiadora Maria Lúcia Mott
(2011).
Elisabeth – Guardo de Beth, ao lado de seus ensinamentos, lembranças muito agradáveis.
Fúlvia - Memórias e momentos de aprendizagem são tantos e tão intensos quanto a saudade.
Gabriela - Essa enorme perda nos deixa a certeza de que ainda há muito a ser feito pelos direitos das prostitutas e
que a luta continua.
Glória - Sentimos tristeza pelo falecimento fora do tempo de Anzaldúa.
Heleieth – Sua perda nos deixa de luto.
Heloneida - Foi considerada uma das 100 brasileiras mais importantes do século XX e cotada entre 1.000 mulheres
para concorrer ao Prêmio Nobel da Paz
Karin – Deixa sua marca de delicadeza e cuidado para com o outro em tudo que realizava.
Luiza - Seu combate persistente às formas de intolerância, servirão como fonte de inspiração constante para nossa
geração e para as futuras. AXÉ, Luiza!
Maria Isabel – Ao lamentar profundamente esta perda irreparável todas/os que a conhecemos continuaremos a
sentir muitas saudades.
Maria Lúcia - Sua perda foi sentida de forma coletiva.
Miriam –Estou ainda sob o efeito da perda, ausência-presença desta que marcou minha vida acadêmica.
Nara – Seu entusiasmo e amor à vida e à amizade não serão esquecidos.
Noemi – Feminina e engajada trouxe suas pesquisas para dentro da vida deixando um saldo imenso de carinho.
Rose Marie - Descrever suas realizações em poucas linhas é impossível. Esta homenagem uma pequena expressão
de agradecimento pelo seu pioneirismo nas lutas por oportunidades para todas as mulheres brasileiras.
Zahidé - Como ela sonhou. Como ela acreditou.
Fonte: elaborado pelos autores.
obituariadas. Servem de exemplo os seguintes excertos
(Quadro 5) extraídos dos obituários da REF.
Esses exemplos mostram como as falecidas são evo-
cadas pelos obituaristas, e ao mesmo tempo sugerem
à comunidade acadêmica como essas vidas devem ser
lembradas. Entretanto, como refere Hamann (2016),
quando ocorre o falecimento pode haver casos em que
“ex-alunos ou colegas podem não ter a oportunidade de
transferir para a memória pública sua visão sobre o co-
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lega ou professor falecido e, portanto, ter que conviver
com o julgamento final feito pelo autor do obituário.”
(p. 11).
5. Discussão
Para ser reconhecida como tal pela comunidade, a avaliação
de uma biografia de pesquisa deve seguir as regras habituais
de consagração que determinam como falar com respeito
dos mortos, o que enfatizar e o que omitir.
(Hamann, 2016, p. 11)
Conforme a orientação teórico-metodológica da Socio-
logia da Ciência e da Ciência da Informação adotada
nessa pesquisa a análise dos obituários publicados na
REF permitiu traçar um perfil quantitativo e qualitativo
das principais categorias que compõem os obituários.
Dentre os achados da pesquisa destacam-se a preva-
lência de obituários de feministas brasileiras nascidas
entre as décadas de 1920 e 1950 e falecidas entre 1992 e
2016 com idades que variaram entre 47 e 86 anos, sen-
do o câncer a causa mortis mais frequente. A maioria das
obituárias tinham como alma mater a Universidade de
São Paulo (USP) sendo que a área de Ciências Sociais
– incluindo Sociologia e Antropologia – predominou
nas suas formações iniciais. Verificou-se ainda que a
maioria dos obituários não possuíam fotografias das
obituariadas.
Em relação às autorias e coautorias dos obituários foi
observado que a maioria foi escrita por mulheres com
vinculação institucional à Universidade Federal de
Santa Catarina, instituição sede da REF. Os achados
também revelaram que uma autora contribuiu com três
obituários e uma obituarista falecida posteriormente
foi obituariada.
A análise qualitativa dos obituários revelou um con-
junto de virtudes e valores pessoais e acadêmicos das
falecidas atribuídos pelas(os) obituaristas. As princi-
pais contribuições das obituariadas para o campo dos
estudos feministas e de gênero também foram des-
tacadas nos textos dos obituários, juntamente com
lembranças de vivências compartilhadas entre as fale-
cidas e obituaristas, bem como as repercussões dessas
perdas nos âmbitos pessoal e acadêmico. O conjunto
de resultados obtidos demonstraram que a avaliação
post-mortem das trajetórias acadêmicas das obituariadas
realizadas pelos seus pares é marcada por narrativas de
cunho memorialístico que ressaltam suas qualidades
pessoais e acadêmicas representadas por um conjunto
de virtudes e valores atribuídos pelas(os) obituaristas.
Por último, é importante destacar que dado o tamanho
da amostra analisada e por se referir a obituários pu-
blicados em um único periódico dos estudos feministas
e de gênero, os resultados obtidos não podem ser ge-
neralizados. Contudo, futuros estudos podem suprir
essas limitações de modo a permitir a comparação de
resultados.
Agradecimentos:
A primeira autora agradece ao CNPq pela conces-
são da bolsa de produtividade em pesquisa (Proc.
11003/2017-6) que possibilitou a realização desse
estudo.
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