10.17533/udea.efyd.v36n1a07
URL DOI: http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v36n1a07

 

 

A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE TREINADORES DESPORTIVOS NA INTERNET: ESTUDO DE CASO EM UM SITE DE NOTÍCIAS ESPORTIVAS

 

THE CONSTRUCTION OF THE SPORTS COACH’S IMAGE IN THE INTERNET: A CASE STUDY IN A SPORTS NEWS WEBSITE

 

LA CONSTRUCCIÓN DE LA IMAGEN DE LOS ENTRENADORES EN INTERNET: UN ESTUDIO DE CASO EN UN SITIO DE NOTICIAS DEPORTIVAS

 

Antonio Carlos Tavares Junior1

Luiz Henrique da Silva2

Roberto Nascimento Braga da Silva3

Guilherme Augusto Talamoni4

Thiago Farias da Fonseca Pimenta5

Alexandre Janotta Drigo6

 

1 Mestre em Ciências da Motricidade, Unesp. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade, Unesp, Bauru, SP, Brasil; Centro Universitário Anhanguera Leme, SP, Brasil. Laboratório de Fisiologia Aplicada ao Treinamento Esportivo (FITES), Unesp, Bauru, SP, Brasil. E-mail: professorjuniortavares@hotmail.com

2 Doutor em Ciências da Motricidade, Unesp, Rio Claro, SP, Brasil. Departamento de Ciências da Saúde – Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) – Ilhéus – Bahia – Brasil. E-mail: lhsilva@uesc.br

3 Mestre em Ciências da Motricidade, Unesp, Rio Claro, SP, Brasil. Ferroviária Futebol AS, Araraquara – SP. E-mail: rob-braga@hotmail.com

4 Mestre em Ciências da Motricidade, Unesp, Rio Claro, SP, Brasil. E.mail: gtalamoni@gmail.com

5 Doutor em ciências da motricidade, Unesp, Rio Claro, SP, Brasil. Departamento de educação física Centro universitário do Brasil - UniBrasil; departamento de educação física Universidade positivo. Curitiba/Pr. E-mail: fonsecapi@yahoo.com.br

6 Doutor em Ciências do Esporte, Unicamp, Campinas, SP, Brasil. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Motricidade, Unesp, Rio Claro, SP, Brasil. E-mail: alexandredrigo@hotmail.com

 


Cómo citar este artículo: Tavares Junior, A. C.; da Silva, L. H.; Braga da Silva, R. N.; Talamoni, G. A.; da Fonseca Pimenta, T. F. & Janotta Drigo, A. (2017). A construção da imagem de treinadores desportivos na internet: estudo de caso em um site de notícias esportivas. Educación Física y Deporte, 36(1), XX-XX. DOI: http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v36n1a07


 

RESUMO:

RESUMO: Objetivo: verificar como se constrói a imagem dos treinadores esportivos, através da análise de um site de notícias esportivas de grande acesso. Metodologia:  os dados se obtiveram a partir da coleta de todas as notícias relativas aos treinadores durante um mês (de 15 de agosto a 15 de setembro de 2011). As notícias se classificaram por modalidade e, a partir da leitura na íntegra das mesmas, elaboraram-se categorias que representassem o modo pelo qual essa mídia transmitia a imagem dos treinadores. De todas as notícias sobre esporte (total de 7894) foram selecionadas 1048 notícias alusivas aos treinadores. Dessas, 987 se relacionavam a treinadores de futebol masculino de grandes clubes e apenas 62 sobre treinadores de outras modalidades. Resultados: os jornalistas da mídia analisada se caracterizam por produzir notícias que tratam os técnicos esportivos como competentes ou incompetentes.

Palavras-chaves: esportes; treinadores esportivos; imagem; internet.

 

ABSTRACT:

Objective: To check  how the sports coaches’ image is built  through the analyses of a sports news website of major access. Method: The data were  obtained from the compilation of all news  regarding coaches for a month (from 15th August to 15th September 2011). The news were classified by modality; and from its reading, categories that represent the way in which this media broadcast sports  coaches’ image were elaborated. From a total of all these sports news (7894), 1048 about sports coaches were selected to be analyzed. Out of these news, 987 were about  male soccer coaches of important clubs, and only 62 news were about coaches of other sports modalities. Results: The main priority of journalists of the analyzed media is producing news that qualify sports coaches as competent or incompetent.

Keywords: Sports, sports coach, image, internet.

 

RESUMEN: Objetivo: comprobar cómo se construye la imagen de los entrenadores, a través del análisis de un sitio de noticias deportivas de gran acceso. Método: los datos se obtuvieron a partir de la recopilación de todas las noticias relativas a los entrenadores, durante un mes (15 de agosto a 15 de septiembre de 2011). Las noticias fueron clasificadas por modalidad, y de la lectura de la totalidad de la misma, se elaboraron las categorías que representan el modo en que este medio transmite la imagen de los entrenadores. De todas las noticias sobre el deporte (un total de 7894) fueron seleccionadas 1048 noticias alusivas a los entrenadores. De estos, 987 se referían a entrenadores de fútbol masculino de los clubes grandes, y sólo 62 a entrenadores de otras modalidades. Resultados: los periodistas del medio analizado tienen prioridad en producir noticias que tratan a los técnicos deportivos como competentes o incompetentes.

Palabras clave: deportes, entrenadores deportivos, imagen, internet.

 

 

Introdução

 

O esporte moderno retrata fielmente a concorrência econômica e industrial, sendo suas mercadorias compostas de campeões, espetáculos, competições e recordes e concebidas através de um processo de produção esportiva que visa atender aos anseios e necessidades consumistas da sociedade moderna (Brohm, 1982). Em função desta intrínseca relação entre o mundo esportivo e o mercado consumidor é impossível, atualmente, analisar esse fenômeno sem levar em consideração os veículos de comunicação de massa (Betti, 1998). Segundo pesquisa do Ibope (2013), mais de 100 milhões de brasileiros têm acesso à rede mundial de computadores, sendo o quinto país mais conectado do mundo, o que a faz um dos principais meios de comunicação de massa no Brasil.

Indiscutivelmente o esporte é uma fonte inesgotável de matéria prima para a imprensa falada, escrita ou televisiva (Bianchi & Hatdje, 2006). Tornou-se ao longo dos anos, espetáculo, entretenimento e um produto rentável que, em função do interesse de grandes redes de comunicação, marcas de material esportivo, patrocinadores, entre outros, movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano no mundo (Setyon, 2012). No Brasil, movimenta em torno de 20 bilhões de reais por ano, sendo classificada como a quarta indústria nacional (Janones, 2009). Nesse sentido, como entretenimento, o esporte tem a característica de ter uma estreita relação com as mídias (Batista & Betti, 2005).

Dessa maneira, cabe às ciências humanas, no intuito de contribuir para os estudos do esporte, preocupar-se em analisar seus elementos mais notórios, como espetacularização e consumo, além de promover o debate sobre a estereotipação dos agentes participantes dessa indústria, no sentido de analisar a violência simbólica e a sua importância como elemento facilmente aceito pelos sujeitos consumidores. No caso específico desse trabalho, analisamos os treinadores esportivos. O papel do treinador esportivo alcançou grande evidência nesta complexa relação entre mercado consumidor, mídia e esporte, elementos que constituem a base da indústria esportiva, sendo considerado uma figura central nesse fenômeno e, portanto, um dos responsáveis pela sua dinâmica (Duarte, 2014).

Além de um amplo conhecimento esportivo e científico aliados com vasta experiência profissional, o atual contexto do esporte de alto rendimento exige do treinador, mais uma tarefa, a capacidade de lidar com a mídia (Machado, 2010). Por conta disso, o cargo de técnico esportivo é uma atividade instável, já que sua continuidade não depende exclusivamente de sua competência ou conhecimentos profissionais, mas também da influência da imagem de seu trabalho que a mídia constrói para o grande público e que pode impactar na visão de torcedores, dirigentes e patrocinadores, por exemplo. Essa imagem forma-se não só no trato com a imprensa e na obtenção do êxito esportivo, mas, sobretudo pelas derrotas, uma vez que o treinador é via de regra considerado o principal responsável pelo insucesso competitivo de uma equipe ou atleta (Marques, 2005). Para Bourdieu (1997) os jornalistas têm um conhecimento parcial da área que atuam, pois sua principal formação é na área do jornalismo, ou seja, na produção de notícias, o que poderia gerar uma análise equivocada do trabalho do treinador esportivo.

O contexto apresentado sobre o técnico esportivo é mais evidente nos esportes coletivos, e no caso do Brasil, no futebol, esporte considerado uma paixão nacional (Melo & Alvito, 2006). Essa concepção já era notada por Da Matta (1982) quem afirma que o mesmo, ao lado do carnaval e das “religiões afro-brasileiras” compõe uma identidade nacional. Sendo assim, não é de admirar que a “falação” esportiva e a transmissão ao vivo de eventos têm como foco principal esse esporte, criando uma monocultura esportiva, pois muitas empresas descobriram nessa modalidade um melhor retorno ao investimento em publicidade em função da sua profunda relação com a identidade do povo brasileiro (Batista & Betti, 2005). Os treinadores de futebol são questionados a todo o momento pela mídia sobre o seu trabalho, as decisões tomadas, o seu relacionamento com jogadores, dirigentes e torcida, bem como seu rendimento profissional. Ele se torna uma pessoa pública sendo avaliado constantemente pela mídia, o que acaba por definir o reconhecimento social, a sua competência e a atribuição de prestígio (Marques, 2005).

Mediante o exposto e a importância da internet como meio de veiculação de informações esportivas, a presente pesquisa teve por objetivo fazer uma análise da incidência e conteúdo de notícias esportivas a respeito de treinadores esportivos no meio eletrônico virtual. Em específico, pretende-se comparar a incidência dessas notícias considerando os treinadores de futebol e treinadores de outras modalidades, analisando o conteúdo das notícias publicadas, categorizando-as e expondo de qual maneira a imagem do treinador esportivo foi reportada.

 

Metodologia

A presente pesquisa teve uma abordagem qualitativa, sendo classificada como um estudo de caso que utilizou como técnica de coleta de dados a análise documental. Apesar de utilizar-se de dados quantitativos, considera-se que a utilização de dados numéricos não irá alterar o caráter qualitativo da pesquisa (André, 1995). Nesta pesquisa qualitativa, a seleção dos participantes foi proposital, o que, em essência, significa que escolhemos a amostra a partir da qual podemos extrair mais informações (Thomas, Nelson & Silverman, 2007). Levando em consideração o objetivo do estudo foi selecionado um site que possui grande visitação diária e uma sessão dedicada exclusivamente às notícias esportivas do Brasil e do mundo.

Os dados foram obtidos a partir da coleta de todas as notícias esportivas publicadas no site selecionado no período de um mês (15 de agosto a 15 de setembro de 2011), determinado de forma aleatória, não levando em consideração as competições esportivas que ocorriam no momento. Porém, destacamos que durante o tempo de coleta não acontecia fase aguda de nenhum campeonato nacional ou internacional de futebol. Também não se tratava de ano olímpico o que foi importante para não contaminar a amostra. Em relação aos eventos que poderiam alterar a amostra destacamos o UFC Rio I que foi realizado no dia 27 de agosto e os Jogos Pan-americanos de Guadalajara que se iniciaria em 14 de outubro.

Após a coleta de dados, as notícias foram classificadas conforme a modalidade esportiva que se reportava. Em seguida foram selecionadas as que faziam menção a figura do treinador. A partir da leitura na íntegra de todas as notícias sobre os treinadores foram criadas categorias que interpretassem o modo pelo qual a imprensa estava classificando a imagem destes treinadores. Essas categorias foram criadas de acordo com a compreensão da Análise de Conteúdo Temático (Richardson, 1999), instrumento que permite a descrição, a análise, a compreensão e a classificação dos processos vivenciados. Os autores classificaram o perfil pessoal, profissional ou condutas, de acordo com o contexto das notícias publicadas, ou seja, as categorias não foram definidas a priori, pois a própria análise dos dados é quem indicou a necessidade da criação de uma ou outra categoria. Este procedimento metodológico confere ao pesquisador a responsabilidade de vivenciar um longo contato com o objeto de estudo (Alves & Gewandsnadjer, 1998).

O procedimento metodológico coaduna com a abordagem multi-método proposta, pois tanto análises quantitativas quanto qualitativas foram utilizadas com o objetivo de ampliar as possibilidades de discussão dos dados, ou seja, a partir das análises quantitativas realizou-se uma análise descritiva da realidade social do fenômeno em questão (Polit, Beck & Hungler, 2004). A análise quantitativa permitiu, por meio da estatística descritiva, em percentuais, verificar a incidência de publicação das notícias sobre treinadores, possibilitando a comparação entre as diferentes modalidades e sua incidência nas diferentes categorias de análise.

 

Resultados e Discussão

            O processo de coleta de dados resultou em um total de 7894 notícias esportivas, das quais 1048 tratavam especificamente sobre treinadores. Na Tabela 1 apresentam-se a frequência absoluta e relativa (%) da incidência das notícias esportivas em função da modalidade para um panorama geral do estudo. Nessa tabela são apresentadas apenas as modalidades esportivas que tiveram pelo menos 10 aparições e por este motivo o total de notícias da tabela é menor do que o número total coletado.

 

           Tabela 1. Incidência das notícias por modalidade esportiva.

Colocação

Modalidades Esportivas

Frequência Absoluta

Frequência Relativa (%)

Futebol Masculino

4580

58,0

 

Tênis

1179

14,9

 

Automobilismo

727

9,2

 

Lutas

384

4,9

 

Basquete

313

4,0

 

Atletismo

213

2,7

 

Ciclismo

123

1,6

 

Vôlei

92

1,2

 

Natação

46

0,6

 

10º

Vela

36

0,5

 

11º

Jogos Olímpicos

34

0,4

 

12º

Surf

28

0,4

 

13º

Rúgbi

21

0,3

 

14º

Derivados do futebol*

19

0,2

 

15º

Jogos Pan-americanos

12

0,2

 

 

TOTAL

7807

98,9

 

   *Derivados do Futebol = futsal, futebol de areia, futevôlei e futebol feminino.

 

Como já abordado, 1048 notícias faziam referência aos técnicos esportivos e estas foram selecionadas para análise. A distribuição destas notícias em função das modalidades esportivas é ainda mais discrepante no que se refere ao futebol. Foram encontradas 987 notícias relacionadas aos técnicos de futebol masculino e apenas 62 sobre treinadores de outras modalidades. Em função desta diferença numérica optou-se em dividir e analisar os dados dos técnicos do futebol masculino e de outras modalidades separadamente. Portanto, a Tabela 2 apresenta as categorias identificadas pelos autores a partir da análise das notícias, assim como a frequência absoluta e relativa (%) da incidência nas notícias relacionadas ao técnico de futebol masculino.

 

        Tabela 2. Incidência das notícias sobre treinadores de futebol nas categorias de classificação.

Colocação

Categorias

Frequência Absoluta

Frequência Relativa (%)

Articulador Tático/Técnico

185

18,9

Incompetente

113

11,6

Competente

83

8,5

Formador de Opinião

80

8,1

Disciplinador/Exigente

51

5,2

Outros

49

5,0

Protetor/Incentivador

39

4,0

Crítico

34

3,4

 

Conservador/Retranqueiro/Cauteloso

34

3,4

Negociador

28

2,8

10º

Líder

27

2,7

11º

Fomentador de Fair Play

28

2,8

12º

Supersticioso/Pré-destinado

24

2,4

13º

Conivente

22

2,2

 

Ousado

22

2,2

14º

Fomentador de Rivalidade

19

1,9

15º

Desgastado

18

1,8

 

Preparador Físico

18

1,8

16º

Experiente

17

1,7

17º

Polêmico

16

1,6

18º

Inseguro

12

1,2

 

Modesto/Humilde

12

1,2

19º

Violento/Irritado

10

1,0

20º

Arrogante

9

0,9

 

Realista/Seguro

9

0,9

 

Observador/Investigador

9

0,9

21º

Pressionado/Perseguido/Visado

7

0,7

22º

Irreverente

5

0,5

23º

Apaziguador

3

0,3

24º

Preocupado

2

0,2

 

Torcedor/Jogador

2

0,2

 

TOTAL

987

100

 

Atualmente, o esporte de alto rendimento exige muitas qualidades de um técnico esportivo, dentre os quais podemos destacar a capacidade para conduzir a preparação técnica e tática de sua equipe (Platonov, 2008).  Ao realizarmos uma análise mais detalhada dos dados da Tabela 2, nota-se que, apesar desta temática aparecer como o assunto mais abordado nas reportagens (18,8%), essa mídia produziu um maior número de notícias na qual tratou o técnico do futebol masculino no âmbito da competência ou incompetência (29,6%). Tal observação tem base na soma da incidência de todas as notícias que possuem características atreladas à incompetência (inseguro, desgastado, pressionados/perseguidos/visados, preocupado e conivente) e competência (seguro e líder). A competência de um treinador desportivo pode ser entendida com o conjunto de valores integrados e ligados aos conhecimentos teóricos e práticos, capacidades, habilidades e atitudes (Harre, 1998; Forteza, 2009) e não pode ser expressa simplesmente pelo binômio vitória/derrota. Cabe lembrar que essas opiniões são tratadas, segundo Bourdieu (1997), por agentes sociais originários do “campo jornalístico”, não propriamente com domínio do assunto em pauta, mas sim capacitado a produzir notícias e focado na necessidade de transformá-las em capital cultural ou específico para trocas simbólicas dentro do campo de sua especificidade, ou seja, o jornalismo.

Devido a esse fator que, a preparação física, que é primordial dentro da preparação para o alto rendimento (Matveev, 1986; Forteza, 2006; Platonov, 2008), foi destaque em apenas 1,8% das inserções, demonstrando que os jornalistas não se preocupam efetivamente com os aspectos técnicos da profissão de treinador, motivo que leva Bourdieu (1997) a ressaltar que “os jornalistas têm óculos especiais”.

            Os dados apontam para a falta de contexto dos fatores externos que são determinantes nas vitórias e derrotas: a estrutura, a arrecadação financeira (inclusive de direitos de imagem e transmissão de jogos) e os talentos individuais. Fatores esses que dividem os grandes times do futebol brasileiro, pois possuem uma grande capacidade de gerar receita e alocar recursos para investimento. Também deve-se apontar que não são abordadas às questões técnicas do ofício de treinador, como o tempo para estabelecer uma metodologia de treinamento, um padrão tático de jogo e a relação com os princípios metodológicos e científicos da preparação desportiva. Consequentemente o treinador passa, então, a ser o principal responsável pelas derrotas de seus times, assim como ser considerado um bom coadjuvante, quando o time vence.

            Outro fator a ser abordado é a incidência para inserções que remetem ao técnico de futebol a condição de formadores de opinião (8,1%). Para Bourdieu (1990) o sentimento de identificação é diretamente proporcional ao espaço que o sujeito (treinador, atleta ou modalidade) dispõe nos meios de comunicação. Neste sentido o maior destaque adquirido pelos treinadores nas últimas décadas permite que eles estejam constantemente em foco, reforçando o papel de formadores de opinião.  Nessa lógica, “nossos comentaristas esportivos tornaram-se pequenos diretores de consciência, atuando como os porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno-burguesa, que dizem o que se deve pensar’” (Bourdieu, 1997, p.65).

            O percentual de notícias que retratam o treinador de futebol como Exigente/Disciplinador é de 5,1%. Neste ponto a mídia costuma ser contraditória, característica da “falação esportiva”, observado por Betti (1998), onde a contradição faz parte do script midiático. O discurso é favorável à exigência de comprometimento do jogador com a equipe e seu trabalho, porém também há uma “apologia” ao descompromisso do jogador com seu trabalho em sua vida pessoal, ou seja, o processo de recuperação que faz parte de qualquer teoria ou metodologia de treinamento desportivo (Matveev, 1986; Forteza, 2006; Platonov, 2008) é visto de forma supérflua. Isto reforça a observação de Bourdieu (1997) que incide aos jornalistas uma formação focada em produzir notícias e que muitas vezes desconhecem a especificidade de seu trabalho, como no caso o processo de recuperação do organismo humano após altas cargas de treinamento, como as que os jogadores são submetidos. As opiniões pessoais são mais frequentes nos esportes do que em outros segmentos como política ou economia, assim o conteúdo fica acessível ao “senso comum” (Bourdieu, 1997; Betti, 2001; Bianchi & Hatdje, 2006), fazendo com que frequentemente os comentaristas recorram ao jargão “fora do campo ninguém tem nada a ver com a vida do jogador”.

Como mencionado anteriormente, em função da grande discrepância da incidência das notícias relacionadas ao técnico do futebol masculino, os resultados da análise das outras modalidades esportivas serão apresentados separadamente. Sendo assim, a Tabela 3 apresenta as categorias identificadas pelos autores a partir da análise destas notícias, assim como a frequência absoluta e relativa (%) da incidência das 62 notícias analisadas.

Tabela 3. Incidência das notícias sobre treinadores de outras modalidades esportivas nas categorias de classificação.

Colocação

Categorias

Frequência Absoluta

Frequência Relativa (%)

Competente

13

20,9

Disciplinador/Exigente

6

9,8

 

Articulador Técnico/Tático

6

9,8

 

Preparador Físico

6

9,8

Experiente

5

8,1

Formador de Opinião

4

6,4

Protetor/Incentivador

3

4,8

Conivente

2

3,2

 

Fomentador de Fair Play

2

3,2

 

Líder

2

3,2

 

Negociador

2

3,2

 

Seguro

2

3,2

Arrogante

1

1,6

 

Desgastado

1

1,6

 

Fomentador de Rivalidade

1

1,6

 

Incompetente

1

1,6

 

Inseguro

1

1,6

 

Investigador/Observador

1

1,6

 

Ousado

1

1,6

 

Outros

1

1,6

 

Preocupado

1

1,6


TOTAL

62

100

 

Para outras modalidades esportivas, conforme apresentado na Tabela 3, o treinador foi classificado como competente em 20,9% das notícias e as características negativas incidem em apenas 01 reportagem por classificação (04 no total), levando em conta que a categoria conivente foi considerada neutra pela análise feita. Outras categorias com conotações positivas são: Seguro (3,2%) e Líder (3,2%).

 De imediato percebe-se que as críticas ao treinador são atenuadas e poucas inferências negativas lhes são atribuídas. Isto, somado ao pequeno número de notícias, possibilita o entendimento de que os jornalistas não sentem-se confortáveis para opinar sobre outras modalidades esportivas. Além de que, sendo o futebol algo incorporado à cultura nacional (Da Matta, 1982), os agentes da mídia, como todo o povo brasileiro, sentem-se seguros para emitir opiniões. O julgamento daquilo que não “conhecem” inibem as opiniões, fato que pode ser observado no enfoque muito grande dado a vitória e sucessos para outras modalidades esportivas, diferindo do futebol que recebe destaque igual tanto nos sucessos, quanto nos fracassos. E é nos fracassos que a falação (Betti, 1998) adquire maior força e possibilita maior atenção dos consumidores.

            Para os jornalistas desse veículo de comunicação, a preparação física também é tratada de maneira diferente entre o futebol e outras modalidades. Para as outras modalidades esportivas 9,8% das notícias correlacionam técnico e preparação física, igualando em relevância com a preparação técnica/tática (9,8%). Essa mídia passa a ideia de que para as outras modalidades estar bem fisicamente é fundamental para que o resultado seja alcançado. Para o futebol a lógica não é a mesma. Nessa modalidade questões como o “dom” nato do brasileiro ou do craque que “nasce com a bola nos pés” supera a atenção dada à preparação individual e coletiva comandada pelo processo de treino (Silva, Costa & Paoli, 2011).

            A experiência para treinadores de outras modalidades esportivas também apareceu com destaque na pesquisa. Classificada em 8% das inserções denota que diferentemente do futebol (1,7%) o Know-how adquirido ao longo do tempo merece destaque, conferindo credibilidade a esses profissionais. Para Woodman (1993) a experiência, o domínio das ciências esportivas e a intuição são características de treinadores de sucesso. Do ponto de vista pedagógico, a experiência proporciona o domínio da matéria, tornando o processo de preparação seguro, válido e significativo (Ramos, Graça & Nascimento, 2008).

De maneira geral, percebemos que evidencia-se de forma pertinente tal relação entre o treinador e o espectador que enxerga esse agente esportivo como detentor de apenas alguns valores, além das qualidades necessárias para a realização de seu trabalho. Este “poder carismático” transmitido pelo treinador e, aparentemente manipulado pela imprensa, advém das manifestações do poder simbólico exercido e mantido pelos agentes no topo da hierarquia burocrática do campo esportivo e jornalístico (Bonnewitz, 2003). As opiniões relevantes sobre a ciência do esporte não chegam ao seio da população em geral e esse espaço é inevitavelmente ocupado pelos jornalistas que, por julgarem-se “entendidos” de tudo, que reverberam suas opiniões que passam a ser concebidas como verdades, como Bourdieu aponta:

De um lado existem pessoas que conhecem muito bem o esporte na forma prática, mas que não sabem falar dele, e, de outro, pessoas que conhecem muito mal o esporte na prática e que poderiam falar dele, mas não se dignam a fazê-lo, ou o fazem a torto e a direito (1997, p.207).

Reconhecendo-se a força coerciva do poder simbólico –desempenhado de cima para baixo e utilizado pelos agentes do campo esportivo– é possível afirmar que ele exerce a função de linha norteadora para o conhecimento imediato, ou para um conformismo lógico (Bourdieu, 2004).  É o exercício deste poder simbólico que faz com que os seres sociais, não dotados de capital cultural necessário, absorvam facilmente as manifestações de dominação impostas através do exercício de violência simbólica, inclusive sobre os treinadores.

           

Considerações Finais

Os principais resultados apresentaram uma incidência de notícias relacionadas aos técnicos de futebol muito superiores aos técnicos de outras modalidades esportivas. Esse aspecto leva a crer que o futebol é a principal modalidade esportiva brasileira, por ser um produto de grande consumo e ligado intimamente com a cultura nacional. Já os treinadores de outras modalidades receberam pequeno destaque. Essa polarização observada em torno do futebol contribui para a inibição de uma policultura esportiva, pois o público não é incentivado a conhecer e atribuir importância a outras modalidades esportivas. A mídia é capaz de influenciar as ações dos espectadores mediante o uso da linguagem, gerando uma nova hierarquia de valores, determinando em grande medida a atitude do consumidor e afetando na prática do esporte em si (Betti, 2001). Por isso, faz-se necessário uma postura crítica com relação as informações recebidas, sob risco de nos transformarmos em simples consumidores do esporte ou de uma “realidade fabricada” da massificação da cultura (Bianchi & Hatdje, 2006). Para Bourdieu (2004) esta espécie de poder exercido pelas formas de divulgação midiática tem a função de conduzir os padrões de senso comum para a consecução de um objetivo: a manutenção do status qüo, impondo ou legitimando aos interesses vigentes, no caso da indústria esportiva.

Chama à atenção, mesmo com a discrepância de incidências de notícias (987 para treinadores de futebol e 62 para treinadores de outras modalidades) a maneira como essa mídia tratou os técnicos de maneira distinta. Os ligados ao futebol tiveram dados similares quando eram enfatizados os quesitos competência e incompetência, sempre de maneira pouco aprofundada, sem levar em conta que quesitos como financeiros, estruturais e fenômenos intrínsecos ao esporte, como o talento individual podem decidir partidas e competições. Entretanto, os treinadores de outros esportes foram classificados em sua grande maioria como competentes, possivelmente porque os jornalistas não sentem-se capazes de opinar sobre modalidades que não pertencem ao arcabouço cultural brasileiro. De qualquer forma o binômio vitória/derrota é o balizador da maioria das análises, portanto, para outros esportes apenas o sucesso competitivo é um precursor de notícias para treinadores, ao contrário do futebol.

Os resultados apresentados neste estudo são referentes a um meio de comunicação contemporâneo cujo o dimensionamento é cada vez maior como meio de divulgação de informações de todos os tipos: políticas, acadêmicas, culturais e sobre o cotidiano. Portanto, a internet também se configura como um importante meio de veiculação esportiva, contribuindo para a construção da imagem de treinadores e repercutindo na grande comunidade que acessa os sites especializados em esportes. Todavia, são necessárias mais pesquisas sobre o tema, uma vez que, apesar da conexão existente entre mídia, esporte e treinadores, a literatura sobre essa relação é escassa.   

 

Referências

1.       Alves, A., & Gewandsznajder, F. (1998).  O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira.

2.       André, M. (1995). A etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus.

3.       Batista, S., & Betti, M. (2005). A televisão e o ensino da Educação Física na escola. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 26(2),135-148.

4.       Betti, M. (1998). A janela de vidro: Esporte, televisão e educação física. Campinas: Papirus.

5.       Betti, M. (2001). Esporte na Mídia ou esporte da Mídia? Motrivivência, 17(1), 107-111.

6.       Bianchi, P., & Hatdje, M. (2006). Mídia e esporte: Os valores-notícia e suas repercussões na sociedade contemporânea. Motrivivência, 27(1),165-178.

7.       Bonnewitz, P. (2003). Primeiras lições sobre a sociologia de Pierre Bourdieu. Petrópolis: Vozes.

8.      Bourdieu, P. (1990). Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense.

9.      Bourdieu, P. (1997). Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

10.  Bourdieu, P. (2004). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil.

11.  Brohm, J. (1982). Sociología política del deporte. México: Fondo de Cultura Económica.

12.  Da Matta, R. (1982). O universo do futebol: Futebol e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Pinakotek.

13.  Duarte, D. (2014). O sucesso e a eficacia do treinador de futebol: Uma análise centrada na percepção de atletas e treinadores de diferentes contextos (Tese de Doutorado). Faculdade de Desporto da Universidade do Porto: Porto.

14.  Forteza, A. (2006). Direções de treinamento: novas concepções metodológicas. Rio de Janeiro: Phorte.

15.  Forteza, A. (2009). Treinamento desportivo: carga, estrutura e planejamento. São Paulo: Phorte.

16.  Harre, D. (1998). Teoría del entrenamiento deportivo. La Habana: Editorial Científico Técnica.

17.  Ibope (10 de julho de 2013). Número de pessoas com acesso à internet passa de 100 milhões. Recuperado de <http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/numero-de-pessoas-com-acesso-a-internet-passa-de-100-milhoes.aspx>.

18.  Janones, F. (2009). Gestão de patrocínios esportivos: Estudo de caso LUPO (Dissertação de mestrado profissional). Faculdades Integradas de Pedro Leopoldo: Pedro Leopoldo.

19.  Machado, A. (2010). A imagem dos treinadores de futebol na perspectiva dos jornalistas. Pulsar, 2(2), 28-36.

20.  Marques, A. (2005). As profissões do corpo: O treinador. Revista Treinamento Desportivo, 5(1), 4-8.

21.  Matveev, L. (1986). Fundamentos do treino desportivo. Lisboa: Livros Horizonte.

22.  Melo, V., & Alvito, M. (2006). Futebol por todo o mundo: Diálogos com o cinema. Rio de Janeiro: FGV.

23.  Platonov, V. (2008). Tratado geral de treinamento desportivo. São Paulo: Phorte.

24.  Polit, D., Beck, C., & Hungler, B. (2004). Fundamentos de pesquisa em enfermagem: Métodos, avaliação e atualização. Porto Alegre: Artes Médicas.

25.  Ramos, V., Graça, A., & Nascimento, J. (2008). O conhecimento pedagógico do conteúdo: estrutura e implicações à formação em educação física. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 22(2), 161-171.

26.  Richardson, R. (1999). Pesquisa social: Métodos e técnicas. São Paulo: Atlas.

27.  Setyon, C. (12 de março de 2012). Indústria do esporte movimenta US$ 1 trilhão no mundo. AMCHAM BRASIL, Caderno Tendências e Negócios. Recuperado em <http://www.amcham.com.br/regionais/amcham-sao-paulo/noticias/2012/industria-do-esporte-movimenta-us-1-trilhao-no-mundo>.

28.  Silva, F., Costa, F., & Paoli, P. (2011). O calendário de competições e a periodização do treinamento físico no futebol profissional brasileiro. EFDeportes, 15(152).

29.  Thomas, J., Nelson, J., & Silverman, S. (2007). Métodos de pesquisa em atividade física. Porto Alegre: Artmed.

30.  Woodman, L. (1993). A science, an art, an emerging profession. Sport Science Review, 2(2), 1-13.