URL DOI: http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v33n1a06
A PRODUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA: EXPERIÊNCIA COM O CINEMA E
O ESQUECIMENTO
LA PRODUCCIÓN DE
UNA EDUCACIÓN CONTEMPORÁNEA: LA EXPERIENCIA CON EL
CINE Y EL
OLVIDO
THE PRODUCTION OF A CONTEMPORARY
EDUCATION: THE EXPERIENCE WITH FILMS AND THE FORGETFULNESS
Donald Hugh de Barros Kerr Junior
Doctor en Educación por la Universidade do Vale do Rio dos
Sinos
Profesor del Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia
Sul-rio-grandense, investigador del Grupo Educação e
contemporaneidade:
Experimentações com arte e filosofía EXPERIMENTA (Brasil).
Kerr Junior, D. H. B. (2014).
A produção de uma educação contemporânea:
experiência com o cinema e o
esquecimento. Revista Educación Física y Deporte, n.33 (1), 93-105, Ene-Jul 2014
RESUMO
Uma
vez que já se sabe dos tantos métodos para “formar” um professor que,
em sua
maioria, privilegiam a memória, o pensamento racional, o retorno ao
mesmo e a
identidade, a partir de algumas relações entre experiência com cinema e esquecimento. Pergunta-se: por onde
andar? Como
trabalhar a “formação” docente buscando encontrar o que não
se sabe?
Como permitir um encontro quando se quer apostar no esquecimento? Neste artigo, aproximam-se as imagens do cinema,
segundo Gilles Deleuze, e o conceito de esquecimento,
a partir de Jean-Louis Chrétien, desejando trabalhar outra ideia de
“formação”
de professores. Junto a esta aproximação, também se considera o texto
do artigo
em suas rupturas e reflexões, modo necessário para se pensar em
educação como
criação e invenção.
PALAVRAS-CHAVE:
esquecimento;
cinema; educação contemporânea; formação de professores.
RESUMEN
Una vez que ya se sabe
de tantos métodos para “formar” un profesor que, en su mayoría
privilegian la
memoria, el pensamiento racional, el retorno al mismo y la identidad,
a partir
de algunas relaciones entre experiencias con el cine y el olvido. ¿Se
pregunta
por donde va? ¿Cómo trabajar una “formación” docente buscando
encontrar lo que
no se sabe? ¿Cómo permitir un encuentro cuando se quiere apostar a
olvido? En
este artículo se aproximan las imágenes del cine, según Gilles
Deleuze, y el
concepto de olvido, a partir de Jean – Louis Chréhen, deseando
trabajar otra
idea de “formación” de profesores. Junto a esta aproximación, también
se
considera el texto del artículo en sus rupturas y reflexiones, modo
necesario
para pensar en educación como creación e invención.
PALABRAS CLAVE: olvido,
cine, educación contemporánea, formación de profesores.
SUMMARY
It
is known a lot of methods to train professors, who most of them work
with
rational thinking, memory, old ways of educational structures, and
identity trough
some experiences between cinema and forgetfulness. The question is
¿where I’m
going? How to work training professors looking for something unknown?
How to
allow an encounter when the forgetfulness is the aim? This article
does an
approximation between movie and images according Gilles Deleuze, and
the
Jean-Louis Chréhen’s “forgetfulness” concept wishing to work another
idea to
train professors. In addition, it is necessary to consider the text
breakdowns,
and reflections to think the education as a way of creation and
invention.
KEY-WORDS:
forgetfulness,
cinema, contemporary education, training professors, cinema,
forgetfulness.
El miedo a olvidar no es el miedo a perder lo
que
poseemos y
guardamos,
sino el miedo a perder lo que ya se ha perdido.
Jean-Louis
Chrétien, Lo inovidable y lo inesperado, 2002
Começar
pelo
esquecimento, como nos escreve Chrétien, pode nos indicar outro
caminho
para pensarmos
em
formação/deformação/transformação de professores. Uma vez que já se
sabe dos
tantos métodos que, em sua maioria, privilegiam a memória, o
pensamento
racional, o retorno ao mesmo e a identidade, pergunto: por onde andar?
Como
encontrar o que não se sabe? Como permitir um encontro quando se quer
apostar
no esquecimento?
Neste
momento
de minhas investigações, encontro-me em um “estado de duplicidade”, o
qual chamo “sujeito menino-professor”, vozes plurais, que surgem de um
menino,
de um professor e do
autor do presente artigo. Dois
modos de
existir que se chocam, se debatem, se interligam, se opõem, se negam e
que vem,
então, problematizar esta abordagem acerca de formação docente e
esquecimento.
Será que é o caso das faces deste estado de duplicidade
menino-professor,
processar em um esquecimento entre si? Dar vez a outras faces? Ou
encontrar
dialeticamente um terceiro duplo que viria a resolver o problema desta
dicotomia?
Por
um
lado, há um “sujeito-professor”, que busca incessantemente escapar de
uma
condição de aprisionamento e controle, querendo
romper
com as normas, com a representação, com a interpretação, com o
julgamento, com
os padrões estabelecidos por sistemas que dizem quais caminhos são os
corretos
e os verdadeiros, seja no trabalho, na vida profissional, nos pequenos
detalhes. Por outro lado, há um “sujeito-menino”, face obsessiva por
controle,
por cumprimento de normas, que tenta atender suas responsabilidades
seguindo os
esquemas estabelecidos pela sociedade, aceitos por ele e reafirmados ao longo de sua vida. Um sujeito que está, na maioria
das vezes, sempre capturado por horários – para comer, para fazer
ginástica,
para estudar, enfim, organizar aquilo que compõe a rotina de um dia,
porém de
uma maneira quase esquizofrênica.
O
menino
como identificador de um controle funciona por aprisionamento, por
repetição do
status quo. Ele não consegue
potencializar rupturas, pelo contrário, repete modelos. Vive em um
mundo
sufocado por sua timidez, por isso, menino e educação se associam a
ideia de
norma, de repetição, de memória e de transmissão de informações. Para
esta face “menino” deste corpo duplo,
“aprender não seria
outra coisa que recordar” (Chrétien, 2002, p.15), procedimento de
muitas
práticas educativas hegemônicas nas quais o que se valoriza como
aprendizagem é
a capacidade de memorização e resposta direta para o que é perguntado,
o que,
na maioria das vezes, revela problemas desinteressantes, que não fazem
pensar,
pedindo um exercício de memória. Ao problematizar este exercitar da
memorização, seguimos com o exemplo de uma prática educativa que tem
sentido em
apenas um modelo: o desenvolvimento de um conteúdo, como o corpo
humano, do 6º
ano escolar, disciplina de Ciências.
Preocupados
em
identificar um tipo de corpo, o corpo orgânico, alunos passam horas
memorizando os componentes do sangue ou do tecido, mas em momento
algum se
pergunta, ou se faz perceber, que este corpo memorizado, idealizado,
não é um
corpo qualquer. O corpo que estuda, que investiga e é investigado, não
se
pergunta sobre o seu próprio funcionamento e sensações. É como se este
corpo
fosse tomado pelo discurso metafísico no qual “não se pode ensinar
nada cuja
ideia não tenhamos já na mente” (Chrétien, 2002, p.17). Este discurso
pertence
a um outro sistema de pensamento, discurso da teoria Sócio-Histórica,
tendo em
Vygotsky um de seus pensadores. Segundo este autor, há uma diferença
entre os
conceitos espontâneos e os conceitos científicos. Os primeiros
formam-se a
partir das experiências do ser humano com o mundo mediado pelas
situações de
interação social. Durante este processo, a orientação consciente do
sujeito está
voltada em direção aos objetos e ele não tem consciência dos conceitos
que está
adquirindo. A manipulação dos objetos ocorre de maneira
não-intencional e não
há reflexão sobre as possíveis relações entre sujeito e objeto. Os
conceitos
espontâneos são, então, não-conscientes e assistemáticos. Por outro
lado, na
formação dos conceitos científicos há uma atividade mental consciente
na
pessoa. Sua consciência dirige-se aos próprios conceitos que está
tentando
adquirir.
Imerso
neste
contexto, pergunto: como fazer este “duplo”, menino e professor, que
falam entre si, se despedaçar, se dispersar, acabando por se espalhar
até
desaparecer em um espaço vazio, espaço nu, como escreve Foucault
(2009) em o Pensamento do
Exterior? Como aproveitar
a tensão existente entre os dois modelos, dimensões que não param de
perturbar
um corpo “duplo”?
Todas
as
questões que me trazem até aqui ganham força, principalmente, quando
questiono
minha vida docente, mais especificamente, quando interrogo sobre os
conceitos
que vêm ditar os modos de ser e de formar um “bom professor” ou de
realizar uma
“boa aula”. A quais ideias estes conceitos estão subordinados? O
quanto elas
dizem a meu respeito, à minha vida de professor? Na tentativa de
encontrar uma
solução para o meu estado de duplicidade, busco um modo de operar que
permite
dispersar os “dois” que me habitam, corpo duplo que venho chamando de
“sujeito menino-professor”. Desejo
aproximar conceitos, como
os de apagar e esquecer, para poder pensar experiências que cruzam os
modos de
funcionamento deste sujeito menino-professor, talvez “nem do já dito,
nem do
ainda nunca dito, mas entre eles, esse lugar em sua imobilidade”
(Foucault,
2009, pp.226-227). Buscar um caminho entre o duplo, entre os dois: eis
um
grande desafio.
Seria
o
esquecimento um dos caminhos para construir um outro sujeito na vida e
no
trabalho? Como fazer para não recuperarmos ou reencontrarmos o re-presentado,
o que se faz novamente
presente? Seria o desejo do saber e a tensão de buscar novamente
capazes de
produzir outras intensidades (corpo duplo, menino-professor)? O
inesperado
desperta a dúvida e isso me parece bom para a produção de outros modos
de fazer
e pensar a educação e os sujeitos na contemporaneidade. O inesperado e
a dúvida
fazem parte da construção da vida profissional de meu corpo duplo que se encontra aberto às rupturas. No
entanto, vive
muito forte a face que não consegue desfrutar das experiências que
surgem, lado
que aguarda o esperado e conta com as certezas. E não
há
uma luta, pois nem isso acontece, cada lado vive, aparentemente, em
seu mundo.
Há
sempre
um começo quando o esquecimento é a origem de todas as perdas?
É possível, pensando em “formação” de professores,
aproximar essa ideia de “perda da origem”? Existe “formação” de
professores sem
a ideia de rememorar? Não cessamos de pensar em rejuvenescer, tanto o
corpo
quanto os pensamentos, mas não para chegar a ser mais jovens do que
éramos, se
não para permanecer com os mesmos modos de operar, permanecer sempre o
mesmo.
Não seria esse um dos métodos utilizados pela pedagogia para garantir
o sucesso
do processo de aprender?
Recuperar
uma
verdade não seria recuperá-la novamente, como da primeira vez, senão
buscar
uma forma completamente nova, ressignificando o conceito de verdade.
Talvez aí
resida o desafio: estar sempre atento a algo, de olhos abertos, com as
percepções à flor da pele, como canta Zeca Baleiro: Ando tão à flor da pele/ Que qualquer beijo de novela me faz chorar/
Ando tão à flor da pele.
Poderíamos
buscar
uma presença imemorial, de um outro tempo, um respeito a todas as
repetições. Repetir o diferente e não o igual. Seria como a busca por
uma
estratégia de retirada, mas retirada não como ausência, senão como um
excesso
de presença, que normalmente não nos cabe.
Agindo
como
inventor de possibilidades em educação, procuro não recuperar ideias,
conceitos, copiar modelos, pois esta ação seria o centro do pensamento
em sua
interpretação temporal, justo o que pretendo refutar. Proponho uma
quebra nas
falsas evidências que reinam sobre si, pois, segundo Chrétien (2002,
p.23) “o
conhecimento familiar, oikeia
episteme,
que recuperamos em uma recordação não poderia ser algo que se
acrescenta a um
si e cuja possessão o deixam intacto”. Neste sentido, proponho-me a
pensar em
um esquecimento de si, que poderia de algum modo alterar o próprio si,
ou, como
Foucault disse, um modo no qual o indivíduo atua sobre si mesmo.
Tecnologías del yo, que permiten a los individuos
efectuar, por cuenta
propia o con la ayuda de otros, cierto número de operaciones sobre su
cuerpo y
su alma, pensamientos, conducta, o cualquer forma de ser, obteniendo
así una
transformación de si mismo con el fin de alcanzar cierto estado de
felicidad,
pureza, sabiduría o inmortalidad. (Foucault, 1990, p.48).
Esta transformação de
si mesmo pode ser afetada pelo conceito de esquecimento em Chrétien, e
dispersar um corpo duplo tão polarizado, tão dividido entre a vida do
menino e
o trabalho do professor. Um estranhamento de si, aproveitando que o
esquecimento divide o tempo entre o que somos e o que não somos,
abrindo um
futuro e não rememorando um passado.
O imemoriável de um saber que é preciso recuperar
arrancando-o do
esquecimento é aquele que nos dá o futuro, o que abre um futuro e o
que reencontrar
não é repetir, em que a segunda vez da recordação não reproduz em nada
a
primeira vez pré-natal. (Chrétien, 2002, p.25).
Uma
parte
do corpo duplo, o sujeito-professor, busca
em suas
práticas educativas não repetir modelos ou regras, tentando
aproximar-se de
saberes que antecipam estratégias e ações. Não se trata de recordar
qualquer
coisa do passado, nem de recordar o que foi vivido anteriormente. Este
é um
caminho que começa por um vazio e por um despossuir, e não pelo
acúmulo de
saberes, ordens, recordações reencontradas e reconquistadas, como
optam algumas
práticas e teorias quando sustentam um receituário, um modelo de
educação do
qual durante minha trajetória profissional busquei me distanciar.
Pensar
no
esquecimento como caminho para a formação/deformação/ transformação de
professores, potencializa um conhecimento que “seria produzido por uma
atividade espontânea da consciência, que só vive e renova-se por si
mesma”
(Chrétien, 2002, p.20). Todo saber possui uma temporalidade, mas
poderíamos
incluir um atemporal no saber. Ao pensar na forma atemporal do saber,
paramos
de voltar ao passado para recuperarmos saberes, copiá-los para
ressignificá-los, abrimo-nos para um tempo em potência, como que uma
aproximação ao futuro, para buscar aquilo que ainda não se sabe e não
trabalhar
com o acúmulo de saberes.
“O
que se
opõe ao esquecimento primeiro não é a memória como capacidade de
retenção,
senão o que Heidegger chama de repetição” (Chrétien, 2002, p.46).
Seria um
futuro que não reproduziria em nada o passado, não o imita, o renova
recordando
suas possibilidades. Trata-se de possibilidades e não de certezas ou
verdades
cristalizadas. O esquecimento não pode ser descuidado, pelo contrário,
ele
busca uma vida atribulada, repleta, como uma ideia de cuidado de si. O
esquecimento e o cuidado são inseparáveis. A ignorância mais atroz é
ficar em
um aprisionamento por excelência, o que impede a busca de outras
verdades e
paralisa o desejo.
Pensar
a
educação perpassada pelo
esquecimento é dizer que ainda não pensamos fora de um modelo “maior”.
Seria
necessário buscar o impensado do pensamento. Como fazer isso? Segundo
Artaud,
“pensar o impensado é fazê-lo encontrar-se com forças que lhe são
exteriores,
com um de-fora do próprio
pensamento”
(Artaud apud Vasconcellos, 2006, p.165). É como se, por dentro do
processo de
“formação”, permitíssemos um esquecimento das reações aos estímulos
sensório-motores e nos deixássemos levar pelos acontecimentos.
Rupturas com as
figuras de linguagem importadas do discurso literário, como a
metáfora. É
pensar em apresentar e não
fazer como. É colocar-se em
choque, uma
vez que o choque produz pensamentos segundo Deleuze. O pensamento só
pensa sob
força em presença daquilo que dá a pensar.
Porém,
como
pensar de outra forma, se pensar a partir de estímulos
sensório-motores é
mais fácil, rápido e seguro? Como esquecer-se de si mesmo e produzir
um novo
que se abre para o futuro? Isso é possível em educação? Acredito que
embriagar-se
de imagens que não automatizam respostas, de experiências estéticas
com uma
imagem do “entre”, entre duas imagens, para libertar-se de uma
concepção
totalizante e redutora, direcionando-se a uma imagem-devir, ou ao que
Deleuze
chamou de imagem-cristal,
em seu
livro sobre O cinema-tempo,
seria uma
possibilidade para se pensar a educação e a
formação/deformação/transformação
de professores como esquecimento.
A
imagem-devir seria uma imagem falsificadora, falsificadora porque
mostra a
crise da verdade, passa-se de narrações verídicas para falsificadoras.
Estaria
ai uma vontade de potência, como escreve Nietzsche, ou seja, um poder
de afetar
e de ser afetado, uma relação de forças. Deixar-se capturar por forças
que não
julgam ou interpretam, pois operando desta forma, estaríamos, segundo
Deleuze,
não sucumbindo ao pensamento por representação, mas que potencializam
a
construção de mundos, nos restando senão criar, inventar um outro
mundo para a
educação.
Para
desenhar
uma nova imagem de formação/deformação/transformação de professores
como esquecimento/cuidado de si e do próprio pensamento, o corpo duplo
busca em
Deleuze tratar de escrever sobre as possibilidades de pensar, de
produzir
pensamentos com imagens do cinema. Assim ele vai até o cinema
contemporâneo,
para estudar, se tais proposições podem ser deslocadas, criadas ou
inventadas
para a transformação de si como um sujeito que ocupa um certo “corpo”.
Uma
vez
que, para Deleuze, um filme não é uma mera associação de imagens, mas
passa a
ser o pensamento tornando-se imanente a imagem, buscou-se tais
pensamentos a
partir da sobreposição de narrativas por encadeamento de telas e de
roteiros de
filmes realizados por mídias interativas. Nessa perspectiva, busca-se
alguns
conceitos do cinema interativo e as novas mídias interessam para serem
pensadas
segundo uma ideia de não-linearidade das narrativas presente em suas
formas de
construção de imagens. Segundo Gosciola (2003, p.124): “na linguagem
do cinema,
a condução narrativa audiovisual não linear, ou a condução audiovisual
multilinear, também se apresenta através do mecanismo de narrativa
simultânea
pelo encadeamento de telas em projeção simultânea”.
A
experiência realizada com o filme Timecode[1]
tem
muito a dizer para quem estuda roteiros de hipermídia, uma vez que o
filme tem
sua história contada a partir de quatro pontos de vista diferentes,
mas que são
simultâneos e apresentados em uma mesma tela, dividida em quatro
campos de visão,
durante todo o tempo que se passa o filme.
Segundo
Gosciola
(2003, p.125), “na tela dividida em quatro do Timecode, o espectador
fica atento para apenas uma das partes, deslocando o seu olhar para
cada parte
de acordo com o seu interesse ou na medida em que o sinal de áudio de
uma das
partes se faz mais alto”. Fazer assim não é ter uma resposta ao
esquema
sensório-motor, ao qual Deleuze tanto se reporta ao pensar em imagem e
pensamento?
Outro filme a destacar
é o curta About Time 2, de Mike Figgis, que integra a produção alemã Ten Minutes Older: the Cello,
de 2002,
que agrupou oito cineastas os quais tinham como preocupação recriar a
ideia de
tempo em episódios de 10 minutos.
A
experiência com About Time 2 pode ser um ponto de contato ou efeito de
superfície,
como se refere Deleuze em Lógica
da
Sensação. Abordar sobre como se deu este encontro pode mostrar
quais
funcionamentos foram operados, remetendo assim à ideia de
formação/deformação/transformação de professores ao esquecimento.
Na obra O que é
filosofia? Deleuze desenvolve a
tripartição filosofia-arte-ciência, sendo a filosofia a atividade que
consiste
em criar conceitos; a ciência funções; a pintura bloco de
cores/linhas.
Acrescento
o
pensamento deleuziano quando ele afirma que o cinema é a atividade que
consiste em criar imagem-tempo, que são blocos de movimento (Deleuze,
2007).
Para Deleuze, se alguém quiser compreender o que é o pensamento, não
deve
coletar exemplos na vida cotidiana e extrair conclusões: deve observar
o
pensamento em suas formas mais extremas, que segundo ele são a arte, a
filosofia, a besteira, a loucura ou a má vontade.
Estes
conceitos
de cinema e de arte parecem estar em desacordo com as experiências
ordinárias de espectadores/as, pois nelas predomina um modelo de arte
e de cinema
que segue a representação e a opinião, que busca um consenso.
Enfatiza-se a
arte como comunicação e informação.
Deleuze
(2007)
encara o desafio de escrever sobre os conceitos do cinema, não porque
ele tem, como muitos autores, idéias sobre
cinema, mas para recuperar, agregar, à sua maneira, o campo do cinema.
Deleuze
relaciona filosofia e cinema a partir de um olhar vivo. Há, por outro
lado, uma
invenção de conceitos, referências ao campo da filosofia, mas também
um pensar
o cinema na medida em que o cinema, como em todas as artes, pode ser
pensado
através dos cineastas. É preciso inventar outra relação do cinema
enquanto
arte. Um cinema que opere por imagens falsificadoras.
Buscaríamos
uma
ação das imagens do cinema, assim como escrevia Deleuze, que inventa
possibilidades, que afaste a narrativa do cotidiano, e a afastá-lo,
possibilita
outros entendimentos sobre si e sobre o mundo. Aproxima-se imagens que
produzem
rupturas com um modo de pensar a educação, abrindo-a para o inesperado
através
de rupturas com o esquema sensório-motor. Trazer para a experiência
com a
educação um modo ordinário, ou outros modos de se pensar em educação.
Pensar o
não pensado, pois o não pensado é a abertura para o esquecimento, para
a
experiência estética, e pensar o pensado é repetir modelos.
Aproximar
a
arte da vida, o cinema da vida, forçar um pensamento que, assim como
com as
imagens dos signos do cinema, inventa outra educação, faz do impensado
a
própria potência do pensamento, como diz Deleuze: “Com o cinema moderno é possível acreditar nesse liame como no
impensável que precisa ser pensado – crença que faz do impensado a
potência
própria do pensamento; é possível servir-se da impotência do
pensamento para
acreditar na vida e encontrar a identidade do pensamento e da vida”
(Machado,
2009, p.288).
Se
aposta
no trabalho com formação/deformação/transformação de professores como
esquecimento, a partir de imagens e signos do cinema contemporâneo
como
potencializadores de transformações de si e por reverberação.
Experiências com
cinema aberto para um futuro, que não prendem a reminiscências do
passado;
experiências que tendem a “arrancar-me a mim mesmo, a impedir-me de
ser o
mesmo”, como disse Foucault sobre seus livros (Castro apud Machado,
2009, p.
161).
Quando
penso
em “formar” outro, transformo o sujeito-professor que pertence ao
duplo,
e quem sabe assim. Acabo, por efeito de contaminação, transformando
também a
outra face, o menino. Produzir diferença em mim mesmo ou nós mesmos,
pois até
aqui nos acompanhou um duplo, talvez alguns outros em devires.
Pensar em processos que
contaminem e que se
aproximem do esquecimento e do falso, mais que da verdade e da
memória. Não se
deixar ser capturado pelo clichê da imagem e do pensamento. Buscar
outras
formas de perceber e de pensar o mundo e a si mesmo, que não somente
através da
representação. Permitir um pensamento do entre, que não seja somente
menino ou
somente professor, mas que atue no espaço nu entre eles, o que até
este momento
não aconteceu!
REFERÊNCIAS
1.
Chrétien, J-L. (2002). Lo
inovidable
y lo inesperado. Salamanca: Sígueme.
2.
Deleuze, G. (2007). A
imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense.
3.
Deleuze, G., & Guattari, F. (1994). O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34.
4.
Foucault, M. (1990). Tecnologías
del
Yo. Barcelona: Paidós.
5.
Foucault, M. (2009). Estética:
literatura
e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense
Universitária.
6.
Gosciola, V. (2003). Roteiro
para
as novas mídias. Do cinema as mídias interativas. São Paulo:
SENAC.
7.
Kerr, Jr. D. (2000). Prazer
em
conhecê-la história... da vida, da arte. (Dissertação de
mestrado).
Pelotas, Rio Grande Do Sul: Universidade Federal de Pelotas - Mestrado
em
Educação.
8.
Machado, R. (2009). Deleuze
a
arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Zahar.
9.
Vasconcellos, J. (2006). Deleuze
e
o cinema. Rio de Janeiro: Ciência Moderna.
Recepción: 20-01-2013
Aprobación: 05-03-2014