DOI: 10.17533/udea.efyd.v33n1a06

URL DOI: http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v33n1a06

A PRODUÇÃO DE UMA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA:  EXPERIÊNCIA COM O CINEMA E O ESQUECIMENTO

 

LA PRODUCCIÓN DE UNA EDUCACIÓN CONTEMPORÁNEA: LA EXPERIENCIA CON EL CINE Y EL OLVIDO

 

THE PRODUCTION OF A CONTEMPORARY EDUCATION: THE EXPERIENCE WITH FILMS AND THE FORGETFULNESS

 

Donald Hugh de Barros Kerr Junior

Doctor en Educación por la Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Profesor del Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense, investigador del Grupo Educação e contemporaneidade: Experimentações com arte e filosofía EXPERIMENTA (Brasil).

goy@pelotas.ifsul.edu.br

 

Kerr Junior, D. H. B. (2014).  A produção de uma educação contemporânea:  experiência com o cinema e o esquecimento.  Revista Educación Física y Deporte, n.33 (1), 93-105, Ene-Jul 2014

 

 

RESUMO

Uma vez que já se sabe dos tantos métodos para “formar” um professor que, em sua maioria, privilegiam a memória, o pensamento racional, o retorno ao mesmo e a identidade, a partir de algumas relações entre experiência com cinema e esquecimento. Pergunta-se: por onde andar? Como trabalhar a “formação” docente buscando encontrar o que não se sabe? Como permitir um encontro quando se quer apostar no esquecimento? Neste artigo, aproximam-se as imagens do cinema, segundo Gilles Deleuze, e o conceito de esquecimento, a partir de Jean-Louis Chrétien, desejando trabalhar outra ideia de “formação” de professores. Junto a esta aproximação, também se considera o texto do artigo em suas rupturas e reflexões, modo necessário para se pensar em educação como criação e invenção.

PALAVRAS-CHAVE: esquecimento; cinema; educação contemporânea; formação de professores.

 

RESUMEN

Una vez que ya se sabe de tantos métodos para “formar” un profesor que, en su mayoría privilegian la memoria, el pensamiento racional, el retorno al mismo y la identidad, a partir de algunas relaciones entre experiencias con el cine y el olvido. ¿Se pregunta por donde va? ¿Cómo trabajar una “formación” docente buscando encontrar lo que no se sabe? ¿Cómo permitir un encuentro cuando se quiere apostar a olvido? En este artículo se aproximan las imágenes del cine, según Gilles Deleuze, y el concepto de olvido, a partir de Jean – Louis Chréhen, deseando trabajar otra idea de “formación” de profesores. Junto a esta aproximación, también se considera el texto del artículo en sus rupturas y reflexiones, modo necesario para pensar en educación como creación e invención.

PALABRAS CLAVE: olvido, cine, educación contemporánea, formación de profesores.

 

SUMMARY

It is known a lot of methods to train professors, who most of them work with rational thinking, memory, old ways of educational structures, and identity trough some experiences between cinema and forgetfulness. The question is ¿where I’m going? How to work training professors looking for something unknown? How to allow an encounter when the forgetfulness is the aim? This article does an approximation between movie and images according Gilles Deleuze, and the Jean-Louis Chréhen’s “forgetfulness” concept wishing to work another idea to train professors. In addition, it is necessary to consider the text breakdowns, and reflections to think the education as a way of creation and invention.

KEY-WORDS: forgetfulness, cinema, contemporary education, training professors, cinema, forgetfulness.

 

 

El miedo a olvidar no es el miedo a perder lo que poseemos y

 guardamos, sino el miedo a perder lo que ya se ha perdido.

 Jean-Louis Chrétien, Lo inovidable y lo inesperado, 2002

 

Começar pelo esquecimento, como nos escreve Chrétien, pode nos indicar outro caminho para pensarmos em formação/deformação/transformação de professores. Uma vez que já se sabe dos tantos métodos que, em sua maioria, privilegiam a memória, o pensamento racional, o retorno ao mesmo e a identidade, pergunto: por onde andar? Como encontrar o que não se sabe? Como permitir um encontro quando se quer apostar no esquecimento? 

Neste momento de minhas investigações, encontro-me em um “estado de duplicidade”, o qual chamo “sujeito menino-professor”, vozes plurais, que surgem de um menino, de um professor e do autor do presente artigo.  Dois modos de existir que se chocam, se debatem, se interligam, se opõem, se negam e que vem, então, problematizar esta abordagem acerca de formação docente e esquecimento. Será que é o caso das faces deste estado de duplicidade menino-professor, processar em um esquecimento entre si? Dar vez a outras faces? Ou encontrar dialeticamente um terceiro duplo que viria a resolver o problema desta dicotomia?

Por um lado, há um “sujeito-professor”, que busca incessantemente escapar de uma condição de aprisionamento e controle, querendo romper com as normas, com a representação, com a interpretação, com o julgamento, com os padrões estabelecidos por sistemas que dizem quais caminhos são os corretos e os verdadeiros, seja no trabalho, na vida profissional, nos pequenos detalhes. Por outro lado, há um “sujeito-menino”, face obsessiva por controle, por cumprimento de normas, que tenta atender suas responsabilidades seguindo os esquemas estabelecidos pela sociedade, aceitos por ele e reafirmados ao longo de sua vida. Um sujeito que está, na maioria das vezes, sempre capturado por horários – para comer, para fazer ginástica, para estudar, enfim, organizar aquilo que compõe a rotina de um dia, porém de uma maneira quase esquizofrênica.

O menino como identificador de um controle funciona por aprisionamento, por repetição do status quo. Ele não consegue potencializar rupturas, pelo contrário, repete modelos. Vive em um mundo sufocado por sua timidez, por isso, menino e educação se associam a ideia de norma, de repetição, de memória e de transmissão de informações. Para esta face “menino” deste corpo duplo, “aprender não seria outra coisa que recordar” (Chrétien, 2002, p.15), procedimento de muitas práticas educativas hegemônicas nas quais o que se valoriza como aprendizagem é a capacidade de memorização e resposta direta para o que é perguntado, o que, na maioria das vezes, revela problemas desinteressantes, que não fazem pensar, pedindo um exercício de memória. Ao problematizar este exercitar da memorização, seguimos com o exemplo de uma prática educativa que tem sentido em apenas um modelo: o desenvolvimento de um conteúdo, como o corpo humano, do 6º ano escolar, disciplina de Ciências.

Preocupados em identificar um tipo de corpo, o corpo orgânico, alunos passam horas memorizando os componentes do sangue ou do tecido, mas em momento algum se pergunta, ou se faz perceber, que este corpo memorizado, idealizado, não é um corpo qualquer. O corpo que estuda, que investiga e é investigado, não se pergunta sobre o seu próprio funcionamento e sensações. É como se este corpo fosse tomado pelo discurso metafísico no qual “não se pode ensinar nada cuja ideia não tenhamos já na mente” (Chrétien, 2002, p.17). Este discurso pertence a um outro sistema de pensamento, discurso da teoria Sócio-Histórica, tendo em Vygotsky um de seus pensadores. Segundo este autor, há uma diferença entre os conceitos espontâneos e os conceitos científicos. Os primeiros formam-se a partir das experiências do ser humano com o mundo mediado pelas situações de interação social. Durante este processo, a orientação consciente do sujeito está voltada em direção aos objetos e ele não tem consciência dos conceitos que está adquirindo. A manipulação dos objetos ocorre de maneira não-intencional e não há reflexão sobre as possíveis relações entre sujeito e objeto. Os conceitos espontâneos são, então, não-conscientes e assistemáticos. Por outro lado, na formação dos conceitos científicos há uma atividade mental consciente na pessoa. Sua consciência dirige-se aos próprios conceitos que está tentando adquirir.

Imerso neste contexto, pergunto: como fazer este “duplo”, menino e professor, que falam entre si, se despedaçar, se dispersar, acabando por se espalhar até desaparecer em um espaço vazio, espaço nu, como escreve Foucault (2009) em o Pensamento do Exterior? Como aproveitar a tensão existente entre os dois modelos, dimensões que não param de perturbar um corpo “duplo”?

Todas as questões que me trazem até aqui ganham força, principalmente, quando questiono minha vida docente, mais especificamente, quando interrogo sobre os conceitos que vêm ditar os modos de ser e de formar um “bom professor” ou de realizar uma “boa aula”. A quais ideias estes conceitos estão subordinados? O quanto elas dizem a meu respeito, à minha vida de professor? Na tentativa de encontrar uma solução para o meu estado de duplicidade, busco um modo de operar que permite dispersar os “dois” que me habitam, corpo duplo que venho chamando de “sujeito menino-professor”. Desejo aproximar conceitos, como os de apagar e esquecer, para poder pensar experiências que cruzam os modos de funcionamento deste sujeito menino-professor, talvez “nem do já dito, nem do ainda nunca dito, mas entre eles, esse lugar em sua imobilidade” (Foucault, 2009, pp.226-227). Buscar um caminho entre o duplo, entre os dois: eis um grande desafio.

Seria o esquecimento um dos caminhos para construir um outro sujeito na vida e no trabalho? Como fazer para não recuperarmos ou reencontrarmos o re-presentado, o que se faz novamente presente? Seria o desejo do saber e a tensão de buscar novamente capazes de produzir outras intensidades (corpo duplo, menino-professor)? O inesperado desperta a dúvida e isso me parece bom para a produção de outros modos de fazer e pensar a educação e os sujeitos na contemporaneidade. O inesperado e a dúvida fazem parte da construção da vida profissional de meu corpo duplo que se encontra aberto às rupturas. No entanto, vive muito forte a face que não consegue desfrutar das experiências que surgem, lado que aguarda o esperado e conta com as certezas. E não há uma luta, pois nem isso acontece, cada lado vive, aparentemente, em seu mundo.

Há sempre um começo quando o esquecimento é a origem de todas as perdas? É possível, pensando em “formação” de professores, aproximar essa ideia de “perda da origem”? Existe “formação” de professores sem a ideia de rememorar? Não cessamos de pensar em rejuvenescer, tanto o corpo quanto os pensamentos, mas não para chegar a ser mais jovens do que éramos, se não para permanecer com os mesmos modos de operar, permanecer sempre o mesmo. Não seria esse um dos métodos utilizados pela pedagogia para garantir o sucesso do processo de aprender?

Recuperar uma verdade não seria recuperá-la novamente, como da primeira vez, senão buscar uma forma completamente nova, ressignificando o conceito de verdade. Talvez aí resida o desafio: estar sempre atento a algo, de olhos abertos, com as percepções à flor da pele, como canta Zeca Baleiro: Ando tão à flor da pele/ Que qualquer beijo de novela me faz chorar/ Ando tão à flor da pele.

Poderíamos buscar uma presença imemorial, de um outro tempo, um respeito a todas as repetições. Repetir o diferente e não o igual. Seria como a busca por uma estratégia de retirada, mas retirada não como ausência, senão como um excesso de presença, que normalmente não nos cabe.

Agindo como inventor de possibilidades em educação, procuro não recuperar ideias, conceitos, copiar modelos, pois esta ação seria o centro do pensamento em sua interpretação temporal, justo o que pretendo refutar. Proponho uma quebra nas falsas evidências que reinam sobre si, pois, segundo Chrétien (2002, p.23) “o conhecimento familiar, oikeia episteme, que recuperamos em uma recordação não poderia ser algo que se acrescenta a um si e cuja possessão o deixam intacto”. Neste sentido, proponho-me a pensar em um esquecimento de si, que poderia de algum modo alterar o próprio si, ou, como Foucault disse, um modo no qual o indivíduo atua sobre si mesmo.

Tecnologías del yo, que permiten a los individuos efectuar, por cuenta propia o con la ayuda de otros, cierto número de operaciones sobre su cuerpo y su alma, pensamientos, conducta, o cualquer forma de ser, obteniendo así una transformación de si mismo con el fin de alcanzar cierto estado de felicidad, pureza, sabiduría o inmortalidad. (Foucault, 1990, p.48).

Esta transformação de si mesmo pode ser afetada pelo conceito de esquecimento em Chrétien, e dispersar um corpo duplo tão polarizado, tão dividido entre a vida do menino e o trabalho do professor. Um estranhamento de si, aproveitando que o esquecimento divide o tempo entre o que somos e o que não somos, abrindo um futuro e não rememorando um passado.

O imemoriável de um saber que é preciso recuperar arrancando-o do esquecimento é aquele que nos dá o futuro, o que abre um futuro e o que reencontrar não é repetir, em que a segunda vez da recordação não reproduz em nada a primeira vez pré-natal. (Chrétien, 2002, p.25).

Uma parte do corpo duplo, o sujeito-professor, busca em suas práticas educativas não repetir modelos ou regras, tentando aproximar-se de saberes que antecipam estratégias e ações. Não se trata de recordar qualquer coisa do passado, nem de recordar o que foi vivido anteriormente. Este é um caminho que começa por um vazio e por um despossuir, e não pelo acúmulo de saberes, ordens, recordações reencontradas e reconquistadas, como optam algumas práticas e teorias quando sustentam um receituário, um modelo de educação do qual durante minha trajetória profissional busquei me distanciar.

Pensar no esquecimento como caminho para a formação/deformação/ transformação de professores, potencializa um conhecimento que “seria produzido por uma atividade espontânea da consciência, que só vive e renova-se por si mesma” (Chrétien, 2002, p.20). Todo saber possui uma temporalidade, mas poderíamos incluir um atemporal no saber. Ao pensar na forma atemporal do saber, paramos de voltar ao passado para recuperarmos saberes, copiá-los para ressignificá-los, abrimo-nos para um tempo em potência, como que uma aproximação ao futuro, para buscar aquilo que ainda não se sabe e não trabalhar com o acúmulo de saberes. 

“O que se opõe ao esquecimento primeiro não é a memória como capacidade de retenção, senão o que Heidegger chama de repetição” (Chrétien, 2002, p.46). Seria um futuro que não reproduziria em nada o passado, não o imita, o renova recordando suas possibilidades. Trata-se de possibilidades e não de certezas ou verdades cristalizadas. O esquecimento não pode ser descuidado, pelo contrário, ele busca uma vida atribulada, repleta, como uma ideia de cuidado de si. O esquecimento e o cuidado são inseparáveis. A ignorância mais atroz é ficar em um aprisionamento por excelência, o que impede a busca de outras verdades e paralisa o desejo.

Pensar a educação perpassada pelo esquecimento é dizer que ainda não pensamos fora de um modelo “maior”. Seria necessário buscar o impensado do pensamento. Como fazer isso? Segundo Artaud, “pensar o impensado é fazê-lo encontrar-se com forças que lhe são exteriores, com um de-fora do próprio pensamento” (Artaud apud Vasconcellos, 2006, p.165). É como se, por dentro do processo de “formação”, permitíssemos um esquecimento das reações aos estímulos sensório-motores e nos deixássemos levar pelos acontecimentos. Rupturas com as figuras de linguagem importadas do discurso literário, como a metáfora. É pensar em apresentar e não fazer como. É colocar-se em choque, uma vez que o choque produz pensamentos segundo Deleuze. O pensamento só pensa sob força em presença daquilo que dá a pensar.

Porém, como pensar de outra forma, se pensar a partir de estímulos sensório-motores é mais fácil, rápido e seguro? Como esquecer-se de si mesmo e produzir um novo que se abre para o futuro? Isso é possível em educação? Acredito que embriagar-se de imagens que não automatizam respostas, de experiências estéticas com uma imagem do “entre”, entre duas imagens, para libertar-se de uma concepção totalizante e redutora, direcionando-se a uma imagem-devir, ou ao que Deleuze chamou de imagem-cristal, em seu livro sobre O cinema-tempo, seria uma possibilidade para se pensar a educação e a formação/deformação/transformação de professores como esquecimento.

A imagem-devir seria uma imagem falsificadora, falsificadora porque mostra a crise da verdade, passa-se de narrações verídicas para falsificadoras. Estaria ai uma vontade de potência, como escreve Nietzsche, ou seja, um poder de afetar e de ser afetado, uma relação de forças. Deixar-se capturar por forças que não julgam ou interpretam, pois operando desta forma, estaríamos, segundo Deleuze, não sucumbindo ao pensamento por representação, mas que potencializam a construção de mundos, nos restando senão criar, inventar um outro mundo para a educação.

Para desenhar uma nova imagem de formação/deformação/transformação de professores como esquecimento/cuidado de si e do próprio pensamento, o corpo duplo busca em Deleuze tratar de escrever sobre as possibilidades de pensar, de produzir pensamentos com imagens do cinema. Assim ele vai até o cinema contemporâneo, para estudar, se tais proposições podem ser deslocadas, criadas ou inventadas para a transformação de si como um sujeito que ocupa um certo “corpo”.

Uma vez que, para Deleuze, um filme não é uma mera associação de imagens, mas passa a ser o pensamento tornando-se imanente a imagem, buscou-se tais pensamentos a partir da sobreposição de narrativas por encadeamento de telas e de roteiros de filmes realizados por mídias interativas. Nessa perspectiva, busca-se alguns conceitos do cinema interativo e as novas mídias interessam para serem pensadas segundo uma ideia de não-linearidade das narrativas presente em suas formas de construção de imagens. Segundo Gosciola (2003, p.124): “na linguagem do cinema, a condução narrativa audiovisual não linear, ou a condução audiovisual multilinear, também se apresenta através do mecanismo de narrativa simultânea pelo encadeamento de telas em projeção simultânea”.

A experiência realizada com o filme Timecode[1] tem muito a dizer para quem estuda roteiros de hipermídia, uma vez que o filme tem sua história contada a partir de quatro pontos de vista diferentes, mas que são simultâneos e apresentados em uma mesma tela, dividida em quatro campos de visão, durante todo o tempo que se passa o filme.

Segundo Gosciola (2003, p.125), “na tela dividida em quatro do Timecode, o espectador fica atento para apenas uma das partes, deslocando o seu olhar para cada parte de acordo com o seu interesse ou na medida em que o sinal de áudio de uma das partes se faz mais alto”. Fazer assim não é ter uma resposta ao esquema sensório-motor, ao qual Deleuze tanto se reporta ao pensar em imagem e pensamento?

Outro filme a destacar é o curta About Time 2, de Mike Figgis, que integra a produção alemã Ten Minutes Older: the Cello, de 2002, que agrupou oito cineastas os quais tinham como preocupação recriar a ideia de tempo em episódios de 10 minutos.

A experiência com About Time 2 pode ser um ponto de contato ou efeito de superfície, como se refere Deleuze em Lógica da Sensação. Abordar sobre como se deu este encontro pode mostrar quais funcionamentos foram operados, remetendo assim à ideia de formação/deformação/transformação de professores ao esquecimento.

Na obra O que é filosofia? Deleuze desenvolve a tripartição filosofia-arte-ciência, sendo a filosofia a atividade que consiste em criar conceitos; a ciência funções; a pintura bloco de cores/linhas.

Acrescento o pensamento deleuziano quando ele afirma que o cinema é a atividade que consiste em criar imagem-tempo, que são blocos de movimento (Deleuze, 2007). Para Deleuze, se alguém quiser compreender o que é o pensamento, não deve coletar exemplos na vida cotidiana e extrair conclusões: deve observar o pensamento em suas formas mais extremas, que segundo ele são a arte, a filosofia, a besteira, a loucura ou a má vontade.

Estes conceitos de cinema e de arte parecem estar em desacordo com as experiências ordinárias de espectadores/as, pois nelas predomina um modelo de arte e de cinema que segue a representação e a opinião, que busca um consenso. Enfatiza-se a arte como comunicação e informação.

Deleuze (2007) encara o desafio de escrever sobre os conceitos do cinema, não porque ele tem, como muitos autores, idéias sobre cinema, mas para recuperar, agregar, à sua maneira, o campo do cinema. Deleuze relaciona filosofia e cinema a partir de um olhar vivo. Há, por outro lado, uma invenção de conceitos, referências ao campo da filosofia, mas também um pensar o cinema na medida em que o cinema, como em todas as artes, pode ser pensado através dos cineastas. É preciso inventar outra relação do cinema enquanto arte. Um cinema que opere por imagens falsificadoras.

Buscaríamos uma ação das imagens do cinema, assim como escrevia Deleuze, que inventa possibilidades, que afaste a narrativa do cotidiano, e a afastá-lo, possibilita outros entendimentos sobre si e sobre o mundo. Aproxima-se imagens que produzem rupturas com um modo de pensar a educação, abrindo-a para o inesperado através de rupturas com o esquema sensório-motor. Trazer para a experiência com a educação um modo ordinário, ou outros modos de se pensar em educação. Pensar o não pensado, pois o não pensado é a abertura para o esquecimento, para a experiência estética, e pensar o pensado é repetir modelos.

Aproximar a arte da vida, o cinema da vida, forçar um pensamento que, assim como com as imagens dos signos do cinema, inventa outra educação, faz do impensado a própria potência do pensamento, como diz Deleuze: “Com o cinema moderno é possível acreditar nesse liame como no impensável que precisa ser pensado – crença que faz do impensado a potência própria do pensamento; é possível servir-se da impotência do pensamento para acreditar na vida e encontrar a identidade do pensamento e da vida” (Machado, 2009, p.288).

Se aposta no trabalho com formação/deformação/transformação de professores como esquecimento, a partir de imagens e signos do cinema contemporâneo como potencializadores de transformações de si e por reverberação. Experiências com cinema aberto para um futuro, que não prendem a reminiscências do passado; experiências que tendem a “arrancar-me a mim mesmo, a impedir-me de ser o mesmo”, como disse Foucault sobre seus livros (Castro apud Machado, 2009, p. 161).

Quando penso em “formar” outro, transformo o sujeito-professor que pertence ao duplo, e quem sabe assim. Acabo, por efeito de contaminação, transformando também a outra face, o menino. Produzir diferença em mim mesmo ou nós mesmos, pois até aqui nos acompanhou um duplo, talvez alguns outros em devires.

 Pensar em processos que contaminem e que se aproximem do esquecimento e do falso, mais que da verdade e da memória. Não se deixar ser capturado pelo clichê da imagem e do pensamento. Buscar outras formas de perceber e de pensar o mundo e a si mesmo, que não somente através da representação. Permitir um pensamento do entre, que não seja somente menino ou somente professor, mas que atue no espaço nu entre eles, o que até este momento não aconteceu!

 

REFERÊNCIAS

1.      Chrétien, J-L. (2002). Lo inovidable y lo inesperado. Salamanca: Sígueme.

2.      Deleuze, G. (2007). A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense.

3.      Deleuze, G., & Guattari, F. (1994). O que é a filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34.

4.      Foucault, M. (1990). Tecnologías del Yo. Barcelona: Paidós.

5.      Foucault, M. (2009). Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária.

6.      Gosciola, V. (2003). Roteiro para as novas mídias. Do cinema as mídias interativas. São Paulo: SENAC.

7.      Kerr, Jr. D. (2000). Prazer em conhecê-la história... da vida, da arte. (Dissertação de mestrado). Pelotas, Rio Grande Do Sul: Universidade Federal de Pelotas - Mestrado em Educação.

8.      Machado, R. (2009). Deleuze a arte e a filosofia. Rio de Janeiro: Zahar.

9.      Vasconcellos, J. (2006). Deleuze e o cinema. Rio de Janeiro: Ciência Moderna.

 

Recepción: 20-01-2013

Aprobación: 05-03-2014

 



[1] Timecode. EUA, 2000, 93 min. Mike Figgis (rot., dir., prod., fot.)