ENFOQUE SOCIOLÓGICO EN EL DEPORTE: UN CASO EN LA INICIACIÓN AL FÚTBOL SALA/FÚTBOL DE UN CLUB BRASILEÑO

10.17533/udea.efyd.v35n1a07

URL DOI: http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v35n1a07

Artículos de investigación

 

ABORDAGEM SOCIOLÓGICA NO ESPORTE: UM CASO NA INICIAÇÃO AO FUTSAL/FUTEBOL DE UM CLUBE BRASILEIRO

ENFOQUE SOCIOLÓGICO EN EL DEPORTE: UN CASO EN LA INICIACIÓN AL FÚTBOL SALA/FÚTBOL DE UN CLUB BRASILEÑO

SOCIOLOGICAL APPROACH IN SPORT: A CASE IN THE INITIATION TO FUTSAL/SOCCER OF A BRAZILIAN CLUB

 

 

André Felipe Caregnato2

Carlos Eduardo Gonçalves3

José Roulien de Andrade-Junior4

Camile Luciane Silva5

Fernando Renato Cavichiolli6

1 Projeto de pesquisa: Adesão, aderência e abandono no cenário da iniciação esportiva: comparação entre o futsal escolar e o clubístico, CAAE: 01510312.3.0000.0102, Universidade Federal do Paraná.

2 Aluno de Pós Graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (Brasil).  Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS) da Universidade Federal do Paraná (Paraná - Brasil). andre.caregnato@hotmail.com

3 Doutorado pela Universidade de Coimbra (Portugal). Professor Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física,  Universidade de Coimbra (Coimbra - Portugal). carlosgoncalves@fcdef.uc.pt

4 Doutoranda pela Universidade Federal do Paraná (Brasil).  Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS) da Universidade Federal do Paraná (Paraná - Brasil). camileufpr@yahoo.com.br

5 Aluno de Pós Graduação em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná (Brasil).  Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS) da Universidade Federal do Paraná (Paraná - Brasil). roulien@gmail.com

6 Pós-Doutorado pela Universidade de Coimbra (Portugal), Doutorado em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba (Brasil).  Professor do Programa de Pós Graduação e Pesquisador Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade (CEPELS) em Universidade Federal do Paraná (Curitiba - Brasil). cavicca@hotmail.com

 

Caregnato, A. F., Gonçalves, C. E., Andrade-Junior, J. R., Silva, C. L., Cavichiolli, F. R.(2016). Abordagem sociológica no esporte: um caso na iniciação ao futsal/futebol de um clube brasileiro.  Educación Física y Deporte, 35 (1), 177-212, Ene-Jun. http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v35n1a07

 

RESUMO

Objetivo: analisar o contexto da iniciação esportiva em jovens atletas do gênero masculino em uma equipe de futsal/futebol de um clube da Curitiba (Brasil), e como ocorrem as relações entre os indivíduos desta configuração. Método: procedeu-se a uma análise indutiva através das categorías: configuração; formação das equipes; grupo de pais; a competição; o técnico; relação entre os individuos, e conjuntamente, uma discussão dos dados obtidos sob a ótica de autores da sociologia. Os dados foram coletados em seis meses de observação nos locais de treinos e jogos do clube e através de entrevistas semiestruturadas para 9 sujeitos. A análise dos dados se deu por meio dos procedimentos da análise de conteúdo de Bardin. Resultado: identificou-se que a permanência na equipe de futsal é um habitus incorporado na configuração estudada e se dá sobretudo pela expectativa do jovem atleta se tornar jogador profissional de futebol de campo.

PALAVRAS CHAVE: Esporte, Juventude, Configurações.

 

ABSTRACT

Aims: To analyze the context of sports initiation in young male athletes in a team of a Curitiba’s (Brazil) five-a-side soccer/football club and how the relations take place between individuals of this setting. Method: An inductive analysis was performed through the categories: configuration; shaping of the teams; group of parents; the competition; the technical; relationship between individuals, parallel to a discussion of the data obtained from the perspective of sociology authors. Data were collected throughout six months of observation at their training settings and during the games. Semi-structured interviews of 9 subjects were also conducted. Data were analyzed following the procedures of Bardin’s content analysis. Results: It was identified that the permanency whithin the team is an incorporated habitus on the studied configuration, mainly caused by the young athlete's expectations to become professional soccer player. 

KEY WORDS: Sport, Youth, Settings.

 

RESUMEN

Objetivo: analizar el contexto de la iniciación deportiva en los atletas jóvenes de sexo masculino en un equipo de fútbol sala/fútbol, de un club de Curitiba (Brasil), y cómo las relaciones tienen lugar entre los individuos. Método: se llevó a cabo un análisis inductivo a través de las categorías: configuración; formación de los equipos; grupo de padres; la competición; lo técnico; relación entre los individuos, en paralelo con la discusión de los datos obtenidos a partir del punto de vista de los autores de la sociología. Los datos fueron recolectados en seis meses de observación en lugares de entrenamiento y los juegos del club y a través de entrevistas semiestructuradas a 9 sujetos. El análisis de datos fue siguiendo los procedimientos de análisis de contenido de Bardin. Resultado: se identificó que la permanencia con el equipo es un habitus incorporado en la configuración estudiada y es causada principalmente por las expectativas del joven atleta de convertirse en jugador de fútbol profesional.

PALABRAS CLAVE: Deporte, Juventud, Configuración.

 

 INTRODUÇÃO

O início da experiência em uma determinada modalidade esportiva se deve muitas vezes pela vontade da família (Gould, 2009), e em decorrência disso a sociabilidade não se restringe aos atletas, acaba envolvendo a relação entre pais, técnicos e dirigentes (Rial, 2009; Rodrigues, 2003), formando uma rede de relações (Elias, 2008). O futsal –modalidade foco deste estudo– é um dos esportes coletivos mais praticados no Brasil (Santana, 1996). Competições muitas vezes iniciam já na faixa etária dos seis anos de idade (FPFS, 2012) e envolve não apenas os jovens atletas, mas os responsáveis diretos por essa prática, como por exemplo, os familiares (Matos & Cruz, 1997; Santana, 1996). No Brasil, o futsal pode ser considerado um derivado do futebol de campo, sendo isso um dos motivos da grande participação dos jovens na primeira modalidade (Daolio, 2003).

Diante dos fatores apresentados, a problemática para o presente estudo é: como ocorre a iniciação esportiva em uma equipe de futsal categoria sub-13 de um clube tradicional da cidade de Curitiba, Brasil, a partir do entendimento de pais, atletas, técnico e dirigente, pertencentes deste contexto?

Estudos semelhantes ao nosso problema já foram realizados na área do esporte (Damo, 2005), isto é, as relações entre os indivíduos, entre entidades esportivas, formação esportiva, apoio familiar. Santana et al. (2007) estudaram o perfil de jogadores de futsal do Paraná, mas com um foco na categoria juvenil, a qual possui idade mais elevada que a do presente estudo. Outros estudos tratam diferentes esportes por meio de uma abordagem sociológica, sobretudo no esporte profissional, como no futebol (Rodrigues, 2003), no vôlei (Marchi, 2004) e no basquete (Ferreira, 2008). O presente estudo aborda a iniciação esportiva e se utiliza de embasamentos sociológicos de diversos autores, como por exemplo Norbert Elias, Pierre Bourdieu, Erving Goffman, Alfred Schultz, como ferramentas importantes na analogia com os dados levantados.

Tal analogia é realizada dentro das categorias definidas para o estudo, a saber: configuração; formação das equipes; grupo de pais; a competição; o técnico; relação entre os indivíduos. Essas categorias foram pensadas como interligadas e que somadas, permite-se compreender o cenário pesquisado.

A formação da equipe e a inclusão de novos atletas na configuração esportiva, são discussões levantadas em um primeiro momento juntamente com o desejo de jovens e pais na transição do futsal para o futebol de campo. Durante as competições, são explicitados os pontos positivos e negativos originados a partir dela, com certa influência do técnico desportivo e por fim a relação entre os indivíduos é analisada revelando como se dá o cotidiano nesse esporte, concluindo com a apresentação dos principais fatores determinantes na participação desses jovens esportivas no futsal/futebol.

A partir deste cenário, o objetivo geral desse estudo é analisar o contexto da iniciação esportiva em jovens atletas do gênero masculino em uma equipe de futsal categoria sub-13 de um clube tradicional da cidade de Curitiba (Brasil) que também possui o futebol de campo profissional e as relações que se estabelecem entre pais, atletas, técnico e dirigente, pertencentes ao contexto esportivo estudado.

 

MÉTODO

O estudo foi realizado na cidade de Curitiba, em um clube com orientação profissional, reconhecido por formar jogadores para o futebol de campo nacional. Foram realizadas um semestre de observações das aulas de futsal na categoria sub-13 (alunos entre 11 e 13 anos). As atividades de futsal aconteceram duas vezes por semana nessa instituição. Eram 16 atletas na equipe que treinavam no período da tarde (15h às 17), de diferentes classes socioeconômicas e não necessariamente eram sócios do clube, porque representavam o mesmo, em campeonatos organizados pela Federação Paranaense de Futsal.

Dentre os atletas participantes, foram selecionados para entrevista quatro atletas e três pais/responsáveis, pois um dos indivíduos era responsável por dois atletas entrevistados; o diretor esportivo e o técnico do clube. Ao todo, 9 sujeitos foram entrevistados. Os atletas foram selecionados de acordo com os seguintes critérios: maior tempo de prática, maior tempo no clube e consentimento para participar no estudo.

Assim, a pesquisa foi qualitativa de cunho descritivo e exploratório e teve como foco principal a perspectiva dos indivíduos. Foram utilizados os instrumentos de coleta de dados: entrevistas e observações participantes. Optou-se pela entrevista semiestruturada, pois oferece um amplo campo de interrogações, frutos das hipóteses que surgem na medida que se recebem as respostas dos informantes (Gil, 1995). As mesmas foram adaptadas a partir do estudo de Matos & Cruz (1997), o qual investigou razões pelas quais os jovens buscam diferentes esportes. Foram criadas em média 5 perguntas para cada categoria inicial e posteriormente foram definidas categorias maiores para esse estudo (ver análise dos dados). Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas e o tempo médio de realização das mesmas foi de 30 minutos.

As observações foram realizadas em média duas vezes por semana, por seis meses, nos locais dos treinos, jogos e registradas em um diário de campo. O tempo de permanência em cada uma das observações foi em média de duas horas. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal do Paraná (CAAE: 01510312.3.0000.0102). Nos resultados deste estudo, constam nomes fictícios e as falas foram detalhadas por siglas. A: atleta; T: técnico; D: diretor, P: pai e/ou responsável. Os números servem para mostrar a ordem das entrevistas. Assim, “P3”: refere-se ao terceiro pai entrevistado.

Além da observação nos dias de jogos e treinos a inserção aos locais onde ocorriam encontros como: churrascos, festas de aniversários, confraternizações, foi fundamental para o aprofundamento estudo. A partir de uma análise inicial já foi possível constatar que no ambiente construído por conta da prática esportiva entre os jovens, pode-se identificar categorias.

A análise de conteúdo foi utilizada como procedimento para organizar e codificar as entrevistas. A análise iniciou-se codificando as frases dos entrevistados, agrupando-as num mesmo tema (Bardin, 1995). Depois da identificação dos temas procedeu-se a uma análise indutiva através da categorização e na parte final do trabalho a construção de categorias maiores. Esta análise foi elaborada em separado pelos investigadores e procedeu-se à discussão dos resultados até se atingir um consenso. Assim no final do tratamento foram criadas seis categorias apresentadas na sequência deste estudo: configuração; formação das equipes; grupo de pais; a competição; o técnico; relação entre os indivíduos. Utilizou-se de uma abordagem sociológica para discutir os dados levantados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Configuração

[...] aqui no clube sabemos que existem muitos alunos jogando futsal, toda semana tem aluno que chega para fazer teste na equipe, mas somente alguns vão chegar lá [...] é lógico que eles sonham em ser jogador reconhecido, por isso que são muitos atletas aqui no futsal e nós temos que tentar fazer com que esse sonho se realize (P1).

 

No momento da coleta, participavam do futsal clubístico 148 participantes, divididos em diferentes categorias, sendo que 16 alunos faziam parte da equipe sub-13, investigada neste estudo. Pode-se afirmar, conforme fragmento do relato acima fornecido por um dos pais entrevistados, que o clube possui uma quantidade considerável de atletas praticantes de uma modalidade, em uma só instituição.

No clube pesquisado, observou-se uma grande procura pelo futsal por uma parcela significativa de associados e membros externos ao clube. Os primeiros fazem parte das “escolinhas” do clube e pagam taxa de matrícula para delas fazerem parte. As “equipes representativas” do clube em competições federativas são formadas na sua maioria por não associados, em virtude disso, não pagam taxas ao clube. Dos dezesseis atletas da equipe observada, verificou-se que dez jogavam juntos desde a categoria sub-07.

Inicialmente, o grupo já estabelecido na equipe resiste aos novos participantes. Os motivos identificados estavam relacionados a situações como: perda de espaço dentro do grupo pela ameaça que os “novos” representam e dificuldade de relacionamento dentro do grupo, tanto para os atletas, como para os pais recém chegados. Para Bourdieu & Wacquant (2005) todo recém chegado em um grupo pode em determinadas circunstâncias, como as mencionadas acima, ser “dominado” por aqueles que já participam desse grupo. Embora, por meio das observações constatou-se nesse estudo que com o passar do tempo a convivência durante os treinamentos e jogos, as relações entre os indivíduos (dominantes e dominados) se estreitam e dependendo da forma de atuação em quadra (treinos e jogos) dos novos atletas a inserção destes é rápida e bem aceita pelo grupo.

Elias (2008) define configuração como a relação de organização da sociedade, ou de certas partes que fazem parte desta. Se tangencia com as mudanças na estrutura de comportamento das pessoas, da constituição psíquica e no caso desse estudo constitui uma relação entre a instituição pesquisada e os seus indivíduos. O autor entende a configuração como “padrão” criado pelos indivíduos, no entanto este pode ser mutável e evidenciado por exemplo, nas ações entre os indivíduos da mesma configuração, como constatado no exemplo acima. Assim, discutir o jogo das relações e conflitos entre os indivíduos do cenário pesquisado é preocupação desse estudo. Isso ajudará a explicar, mudanças de comportamento e pensamento dos investigados.

Elias (2008) salienta que esse foco de investigação, pode ser explicativo para uma escala maior. Portanto, é importante reforçar, o que for debatido neste estudo pode vir a se tornar um referencial para outros cenários que desenvolvam a formação de jovens atletas. Na configuração, todos os envolvidos têm sua importância e passam a ter uma relação de interdependência. Sendo assim, observou-se que nos dias de treinos de futsal são os pais que levam seus filhos para tais treinamentos e possuem um intenso relacionamento com o técnico e dirigente, que vai muito além do que ocorre somente dentro da quadra.

Constatou-se que enquanto os jovens treinam, os responsáveis pelos mesmos se inter-relacionam, sociabilizam e ampliam a rede de interdependência, onde muitas vezes a dependência se torna mútua e as relações de poder (Elias, 2008; Bourdieu & Wacquant, 2005) dos atores sociais oscilam. Os locais de socialização com o tempo se ampliaram e se demonstraram dinâmicos: jogos aos finais de semana, viagens para outras localidades em virtude de competições importantes, festas de aniversários, almoços de domingo e férias escolares.

Novos atores sociais são automaticamente incorporados e importantes dentro do ambiente esportivo pesquisado: o dirigente e o técnico esportivo. Então, fazem parte da configuração esportiva: atletas, técnicos, pais e dirigentes. No caso dessa investigação, pode-se afirmar que esses indivíduos e suas respectivas ações perpassam em outras dimensões ou categorias, as quais foram designadas: formação das equipes; grupo de pais; a competição; o técnico; relação entre os indivíduos.

Formação das equipes

Bourdieu (1990) destaca que o esporte não é um fato isolado, mas dentro de um amplo espaço de práticas, consumos, interesses e forças orientadas por exemplo, pela oferta e procura relacionada a determinada prática esportiva. Para o dirigente “o objetivo do associado é se manter numa prática esportiva [...] o poder que o sócio tem, ajuda o futsal a se sustentar como uma importante prática esportiva dentro do clube, inclusive financeiramente”.

Observou-se que os dirigentes buscam atender a demanda de associados, oportunizando a estes, diferentes horários e locais (quadras esportivas) à prática do futsal, formando assim as “escolinhas de futsal”. Notou-se elogios dos associados para com o trabalho desenvolvido acerca desta modalidade e vale mencionar comentários originados por parte dos pais entrevistados, de que as mensalidades pagas nas escolinhas pelos associados do clube, são usadas algumas vezes para pagar inscrições e viagens de campeonatos das equipes principais do clube. Portanto, é a partir destes fatores mencionados que as equipes do clube designadas de “escolinhas”, estão inseridas.

Para Elias (1994) cada indivíduo, como ser que faz parte de um grupo, possui uma personalidade, uma forma de agir construída em meio a relação com o seu meio social, definido em um processo de longa duração. Em paralelo entre as concepções do autor e o cenário do clube, entende-se por exemplo, como se dá a formação das equipes representativas da instituição pesquisada, conforme retrata o depoimento do dirigente esportivo:

[...] a manutenção do futsal competitivo no clube é justamente no sentido de formar o atleta para o futebol de campo; essa ideia, vem desde a fundação do clube e todos os envolvidos pensam assim (D).

Tem-se a permanência da modalidade futsal dentro do clube como um habitus formada ao longo dos anos e assim torna-se uma “segunda natureza”, isto é, acredita-se no futsal (sobretudo as equipes principais do clube) como necessário e impreterível na formação do jovem atleta que almeja o “futebol de campo”. Vale destacar que embora futsal e futebol serem esportes com estruturas táticas, técnicas e espaciais diferentes (Santana, 1996; Daolio, 2008) constata-se que os indivíduos pesquisados adentram na “configuração” de um clube de futsal reconhecido por formar jogadores de futebol de campo, acreditando na crença que a aderência no futsal assegura ser uma forma de manter o sonho de que futuramente os praticantes possam atuar profissionalmente no futebol de campo.

Eu comecei na escolinha do clube, meu pai me trouxe aqui, mas logo fui convocado para fazer parte da equipe principal, e com 14 anos vou para o futebol de campo do clube (A4).

Comecei a jogar aqui, acho que desde os seis anos, estou sempre no clube jogando futsal e futebol de campo [...] os treinos da equipe são muito mais cansativos que os treinos da escolinha, às vezes o professor deixa eu jogar na escolinha para brincar um pouco [risos] (A1).

Jogo aqui desde os sete anos, sempre disputando campeonatos importantes pelo clube, já joguei até campeonato brasileiro de futsal no ano passado [...] no momento jogo somente futsal, mas já fui convidado pelo diretor para jogar futebol de campo também (A2).

Buscou-se saber de que forma os atletas são inseridos nas equipes do clube e aceitos como um membro efetivo, participantes de todas as situações que as envolvem. Assim, identificou-se que alguns atletas são convidados a fazer parte das equipes representativas pelo técnico ou diretores e outros interessados são submetidos a um período de avaliação pelo técnico, denominado de testes. Durante a pesquisa, averiguou-se que a equipe estudada precisou de três avaliações para formar o grupo cujo qual disputaria competições formais ao longo do ano. O procedimento consistia em fazer inscrição no departamento de esporte mediante pagamento de uma taxa de R$ 30,00 (trinta reais).

Os atletas faziam parte dos treinamentos durante uma semana e após isso o técnico definia aqueles considerados aptos a continuarem treinando por mais uma semana e, então determinava se realmente algum atleta faria parte da equipe representativa do clube. Sobre constituição de grupo, Dunning (1999) afirma que isso pode se estabelecer por interesses em comuns, por afinidade, identidade e por laços de amizade entre pais, filhos e amigos. Cabe aqui, a partir das observações, descrever uma situação para o entendimento em parte, do contexto e do perfil de atletas participantes do futsal.

Trata-se de um atleta participante de um teste no clube, juntamente com outros 30 alunos oriundos das escolinhas do mesmo e de outras localidades esportivas. Tal atleta, conseguiu ser aprovado para fazer parte da equipe competitiva da instituição, mas após um mês de treinamento nesta equipe não se adaptou ao grupo. Acredita-se, com base no depoimento do técnico, que isso se deu em virtude desta equipe possuir um treinamento sistematizado e focar muito no rendimento esportivo, diferentemente do evidenciado na escolinha do clube (jogar por jogar). Notou-se os alunos não selecionados nas seletivas continuarem nessas escolinhas do clube, os demais certamente retornavam as suas instituições esportivas de origem.

Portanto, pode afirma-se que o grupo (escolinha, ou equipe competitiva) e a maneira como a aula/treino é conduzida, são fatores importantes de adesão no futsal do cenário pesquisado, pois parece ser difícil para alguns atletas iniciantes entrarem em um grupo desconhecido por eles, por mais que possuam boas condições esportivas. Elias & Scotson (2000), através da observação de uma comunidade chamada Wiston Parva, tratam das relações de poder evidenciadas entre os indivíduos de diferentes grupos, onde existe uma estigmatização definida pelos próprios grupos dessa comunidade, o que afeta os sujeitos que dela fazem parte e sobre isso os autores afirmam que: “Eles não conseguem escapar individualmente da estigmatização grupal, assim como não conseguem escapar individualmente do status inferior de seu grupo” (Elias & Scotson, 2000, p.131).

Em um paralelo até mesmo com o esporte em geral e por meio dos dados obtidos, na iniciação esportiva existem os atletas aptos a determinadas modalidades, possuidores de talento e de certa forma isso contribui, na maioria das vezes, para serem bem aceitos no meio (grupo do futsal), ou numa determinada configuração. Nessa perspectiva são “estabelecidos” no contexto, já que “todas elas produzem e reproduzem, repetidamente, grupos de pessoas que se adaptam melhor e outras que se adaptam mal ou não se adaptam à ordem estabelecida e a seus papéis pré-fixados” (Elias & Scotson, 2000, p.139).

Tive um atleta no ano passado, também da categoria sub-13, que jogava somente no futsal escolar e não se adaptou. A mãe não gostou do ambiente de treino, pois é diferente a maneira de conduzirmos o treino (T).

Pode-se assegurar nesse estudo, que o futsal movimenta-se não somente pelo talento do aluno no esporte. Para Wacquant (2002), além de talento é preciso muita coragem para enfrentar o dia a dia do treino. Nesse estudo, também identificou-se que há outras questões, como por exemplo, os amigos e o ambiente de jogo, as quais são condições fundamentais para um aluno se tornar “estabelecido” no grupo de futsal escolar. Para Bourdieu (1983) existe o agente “novo” se inserindo em um ambiente já dominado por diferentes agentes. Este processo de efetiva por meio do habitus que pode ser incorporado e exteriorizado em ações, neste caso com os atletas, os pais, os técnicos do grupo esportivo analisado. 

De fato, notou-se alunos que saem da escolinha do clube ou de um colégio não conseguirem jogar em outras equipes. Para Elias & Scotson (2000), tal situação se enquadra no que eles chamam de “Estabelecidos”, ou seja, há o grupo que já está formado, estabelecido, logo, pode tornar-se difícil a entrada de outros participantes. Destarte, inserir-se num novo cenário no futsal pode exigir além da competência técnica, fatores externos ao próprio esporte em si: como exemplo, a sociabilidade. Os autores apontam que ao “adentrar uma nova configuração”, as pessoas são “anônimas” e muitas vezes não conseguem ser aceitas dentro de um padrão, e, assim são chamadas pelos autores de “Outsiders”.

A partir de um outro olhar, o participante do futsal escolar e detentor de grande habilidade técnica, ou um excelente entendimento do jogo de futsal, ao ponto de ser convidado a participar da “equipe” principal do clube, não pode ser considerado por isso, um “outsider” na escolinha de origem. Pois prefere permanecer na mesma por estar adaptado a esse grupo, apesar de possuir condições esportivas (técnica, tática) muito superiores do que os seus demais colegas da escolinha do clube.

Com esses apontamentos, pode-se até mesmo justificar o fato de alguns alunos estarem quatro, ou cinco anos nas equipes de futsal do clube, pois com base nos dados obtidos existem alunos iniciantes na sub-07 com aderência em categorias subsequentes, ou seja, o garoto adaptou-se com seus colegas e com o ambiente. O técnico conclui ao mencionar que “[...] se a turma é formada por amigos que fazem o treino, os atletas geralmente continuam no futsal, por mais que um jogue melhor que o outro, como no caso das escolinhas [...]”.

Estou desde os seis anos aqui no clube [...] conheço todo mundo aqui pelo nome, minhas amizades são aqui do futsal e do clube [...] as vezes passo a tarde inteira aqui, meu pai me deixa às 13h e busca às 19h (A3).

Grupo de pais

Enquanto os filhos treinam, os pais, por exemplo, se reúnem na lanchonete do clube para se confraternizarem, as mães conversam em um grupo separado dos homens. As conversas são compostas de vários assuntos, como, a rotina do dia a dia, o planejamento do grupo para os jogos de uma competição importante e o sonho do filho tornar-se jogador de futebol de campo. Vale ressaltar que como alguns dos jovens atletas jogam futsal e também futebol de campo no mesmo clube, esses jovens e seus respectivos pais ficam a semana toda em função destas modalidades.

Terça e quinta treino futsal, quarta e sexta feira treino futebol de campo [...] final de semana tenho sempre jogo, ou de futsal, ou de futebol (A3).

Sobre um planejamento para a disputa do Campeonato Estadual de Futsal da Categoria Sub-13, realizado nas cidades de Londrina e Maringá, observou-se que dois pais eram responsáveis para fazer a arrecadação de uma mensalidade, destinada sobretudo para cobrir despesas de alimentação e estadia dos atletas. O clube não tinha condição financeira de bancar custos, ficando à participação no campeonato condicionada a ajuda dos pais. Portanto, os pais estavam envolvidos como patrocinadores, aumentando assim, o poder nessa relação.

Bourdieu & Wacquant (2005) relatam o conceito de habitus como uma disposição que opera no interior dos indivíduos em prol de resolver os problemas do campo, nesse caso, os do cenário esportivo abordado. Identificou-se surgirem inúmeros imprevistos durante treinamentos e jogos, tais como, dificuldade de transporte para treinos e jogos tanto do futsal, como no futebol, falta de uniformes, dificuldade financeira para arbitragens, alimentações, hospedagem. No entanto, essas barreiras do dia a dia foram superadas com a ajuda dos pais, pois estes possuem um comportamento adquirido, intenções em comum e facilitou assim, estratégias e ações para atingirem objetivos em prol da prática coletiva de futsal/futebol.

A temporada de treinos e jogos é conforme o calendário escolar e acaba sendo incorporada pelos familiares dos atletas, aliado aos objetivos que o esporte traz na vida de cada envolvido com o processo esportivo. No grupo de torcedores, compostos pelos familiares, apareceram objetivos diferentes, tais como: oportunizar aos filhos uma prática esportiva, a convivência em grupo com colegas da mesma faixa etária, oferecer uma atividade de lazer no tempo livre, fortalecer a relação inter pessoal, ou como já mencionado, buscar no futsal do clube o início para uma carreira de jogador profissional de futebol de campo – uma vez que a instituição, também possui essa modalidade esportiva entre jovens e profissionalmente– entre outras possibilidades que o esporte pode oferecer.

Há de se destacar que a possibilidade da profissionalização no futebol não foi descartada por nenhum integrante do grupo de pais e atletas. De fato, a prática do futsal na equipe pesquisada contribui para o jovem atleta se adaptar com o cenário esportivo competitivo. O fato deste vivenciar algumas situações na iniciação ao futsal, como as que possuem relação com o convívio social e amizades, são consideradas relevantes para permanência nesta modalidade, tanto para os pais quanto para os atletas.

Eu assisto a grande maioria dos jogos, tanto futsal como os de futebol, gosto aqui do clube, meus dois filhos jogam aqui e possuem vários amigos, alguns pais são meus amigos, afinal, são da mesma equipe, então os pais acompanham nessa idade e se viram como podem para estarem aqui [...] os meninos, convivem com o pessoal do clube, aprendem a como funciona esse ambiente do futebol (P3, grifo nosso).

[...] desde pequeno, sou eu que levo e busco então a gente aprende a gostar do jogo, do ambiente, isso é muito parecido com o que eles pretendem seguir [...] o círculo de amizade atual do meu filho, tem a ver com o clube (P2, grifo nosso).

Estou acostumado com o comportamento do meu pai e mãe assistindo aos meus jogos [...] teve um tempo que tinha vergonha, porque eles gritam demais no jogo, agora já nem ligo [...] estou acostumado com o comportamento da torcida (A3).

Sob a perspectiva dos pais, a convivência entre os jovens no ambiente clubístico pode ajudá-los futuramente, sendo que almejam uma fácil adaptação quando seus pupilos chegarem ao meio do futebol de campo profissional. Além disso, no fragmento das falas e observações descritas acima, percebe-se o pai ou responsável elaborar um planejamento e faz tudo o que está ao seu alcance para seu filho praticar o futsal. Essa prática deve ser num local pré-determinado, com status no meio, sendo assim o pai ou responsável é um ator social importante na adesão ao futsal.

...] aos quatro anos eu coloquei ele na escolinha, para treinar sabe, ele sempre adorou isso e a maioria dos meninos aqui começaram dessa forma [...] ele [atleta] começou no Clube “x”, que ficava perto de casa e depois o indicaram a este clube que é mais tradicional no futsal. Então a gente [pais] incorpora o sentimento deles [atletas] que nesse momento é jogar futebol (P2, grifo nosso).

Este depoimento reforça que os pais se preparam e se organizam para realizar um sonho, o qual pertencem aos filhos e pais. De fato, esses últimos participam e dividem junto com seus filhos algumas pretensões, como o atleta tornar-se num futuro muito próximo: jogador de futebol de campo.

Diante disso, cabe fazer uma analogia com Elias, que a partir de “Mozart - Sociologia de Um Gênio” discute através de uma reflexão sociológica, a carreira no século XVIII do compositor Mozart, cuja adolescência foi conduzida e financiada pelo seu pai, Leopold, visto que “no interior de tal estrutura era comum o pai assumir o papel de mestre e ensinar as artes do ofício, talvez até mesmo desejando algum dia o filho excedesse sua própria perícia” (Elias, 1995, p.26). Desta forma, Leopold desejava a carreira de músico para seu filho, e fez de tudo para que Mozart, ainda quando criança, estivesse inserido em diferentes lugares da Europa (Viena, Paris, Munique) onde a música era desenvolvida, com a finalidade de contribuir na formação de Mozart e que assim, o mesmo fosse reconhecido na sociedade como um grande músico (Elias, 1995).

Tal fato, pode ser muito atual com o do contexto abordado, pois as narrativas sugerem o apoio familiar, ou até mesmo como o caso verificado abaixo:

Eu [responsável] só faço o que ele aceita, eu falo para o João: “eu não sou empresário, não vivo disso”. Mas ajudei ele [atleta] a iniciar no clube, ajudo no que ele precisar, levo para o treino do futsal e do campo, ele fica lá em casa com o Pedro, almoça aqui [casa do responsável], e falo para ele: “10 por cento do teu futuro contrato eu quero depois” (P1, grifo nosso).

 

Constata-se nessa situação que o responsável por um dos alunos entrevistados foi fundamental para este aderir ao futsal do clube e deseja –muito parecido o que faz atualmente um empresário de jogador de futebol de campo– obter retorno financeiro de “10% num futuro contrato”. Vale recordar, recentemente o jogador Lucas do São Paulo Futebol Clube [1], foi transferido para França por uma quantia de R$ 116,2 milhões e nessa transação, diga-se de passagem, rende lucros consideráveis, todos os atores sociais ganham: o empresário, familiares, clube e os indivíduos que dele fazem parte.

Outro fato encontrado, foi atrelado ao fator educacional, pois algumas bolsas de estudos, parciais ou totais, eram oferecidas aos clubes por determinadas instituições privadas de ensino. A maioria dos atletas tinham esse incentivo e em contrapartida participavam das competições escolares representando essas instituições.

A Competição

Goffman (2012) desenvolve a ideia que pode existir diferentes enquadramentos em determinadas situações do cotidiano, inclusive nas esportivas. Como durante a “competição” esportiva de futsal, as relações entre os envolvidos divergiam em pontos positivos e pontos negativos de maneira variada.

Aspectos presentes nos treinos/competições, são uma motivação para os atletas permanecerem na atividade, consequentemente, possibilita o envolvimento entre os indivíduos, cria impressão de pertencimento a um grupo. A convivência durante treinos e competições determinou relações extremamente positivas. As situações mais comuns apresentadas estavam relacionadas à confiança em que os familiares depositavam uns aos outros, tendo como exemplos mais evidentes: a carona para o treino e competição quando a logística ficava impossibilitada, o pernoite na casa um do outro e reuniões festivas após competições realizadas nos finais de semana.

Os familiares foram identificados durante as “competições”, sempre motivados pela participação dos seus filhos de uma forma efetiva durante os jogos e pelos resultados obtidos nos mesmos. No Campeonato Estadual de Futsal, competição esportiva observada, os jogos aconteceram nos finais de semana. A equipe investigada foi sede de uma das fases de tal evento e assim, recepcionavam os adversários que residiam em outras cidades, com um churrasco após o jogo realizado na sexta feira à noite. Isso proporcionou uma confraternização entre os pais e familiares que acompanhavam seus filhos.

Alguns costumes de caráter negativo ganharam destaque durante o período competitivo e foram identificadas em situações como: alguns pais falarem mal de certos atletas por jogadas erradas, como, gols perdidos, o que revelou existir cobrança excessiva por desempenho dos jovens atletas. Como consequência, tal atitude, provocou discussões, constrangimentos e irritações entre pais, atletas e técnico. Durante os jogos, em decorrência de resultados negativos e de substituições feitas pelo técnico, reclamações, xingamentos eram disparados contra o mesmo. Assim sendo, observou-se falta de respeito ao técnico desportivo, nesse caso ao seu capital cultural (Bourdieu, 1983), pois embora tenha uma experiência prática por ser ex atleta (capital esportivo) que seguramente ajudou-lhe a ingressar no meio esportivo, precisou obter uma graduação para atuar como técnico, ou seja, subtende-se que possui conhecimentos, qualificações intelectuais sobre o esporte praticado, adquiridos no seu curso de formação.

Para Bourdieu (1983) o esporte é um espaço em que os problemas de teoria e prática são intensos. Constatou-se durante jogos e treinos que problemas de adaptação envolvendo colegas e técnicos podem fazer os sujeitos pensarem num possível abandono na modalidade. Na faixa etária pesquisada, acredita-se que os jovens atletas ainda não possuem experiência o suficiente para entender algumas situações pertencentes ao meio esportivo competitivo, especialmente aquelas acerca do tratamento (falta de respeito, linguajar inadequado, pressão por vitória) comprovado em treinos e jogos.

Em outras palavras, o atleta é ensinado através de uma educação familiar e na maioria das vezes encontra no clube um outro sistema de ensino, ou tratamento. Constatou-se alguns pais e atletas questionarem as condições necessárias para fazer parte do grupo de futsal clubístico. Elias & Scotson (2000) salientam que para fazer parte de um grupo reconhecido, torna-se necessário aceitar a conduta estabelecida e alguns desafios a serem enfrentados, logo, “paga-se um preço”. Deste modo, a importância de continuar no grupo do futsal pode ser explicada como uma identificação, marca que distingue quem faz parte desse grupo dos demais, dentro da própria instituição, ou de um determinado cenário esportivo como um todo.

Portanto, isso faz relação com o conceito de habitus, uma vez que tanto para Elias (1994), quanto para Bourdieu (1996), tal conceito é de uma prática que se irá se estabelecer no coletivo e não no pessoal, sendo para ambos os autores um conceito mediador das relações entre os sujeitos de um determinado grupo. Também apurou-se que para alguns indivíduos pesquisados, este esporte deve ser divertido e praticado com um grupo de amigos e a partir do momento que a prática do futsal passa a não corresponder aos objetivos pessoais ou familiares, o abandono da equipe e do esporte pode ser a saída, ou seja, também há escolha em não “pagar um preço”, conforme salientam os autores acima .

Na equipe pesquisada a presença de dirigentes foi quase nula durante as competições, embora a presença destes foi mais efetiva durante os treinamentos dos jovens. O diretor desportivo destaca que sempre possuem no clube jovens atletas que desistem do processo competitivo do futsal, por não aguentarem mais frequentar os treinos e as cobranças, cujas quais acredita-se serem originadas principalmente de técnicos, colegas e familiares. Para Goffman (2012, p.64) existe uma forma de conduta quando o tratamento é relacionado como um simples objeto, ou esquema. Isto é, o objetivo principal do futsal do clube é a performance momentânea do atleta durante os treinos e jogos. Não observou-se condutas durante o processo de treinamento voltada para a formação humana do atleta e nem para uma formação a longo prazo.

No Diário de campo, encontramos anotações que revelam características dos treinos:

O professor expõem o atleta quando erra, e este geralmente não questiona o professor, apesar de aparentar ainda estar em dúvida sobre a atividade, ou o lance da partida [...] quando o erro persiste os atletas são novamente exigidos, colocados sob pressão, muitas vezes chamados por apelidos que dão a entender que os atletas são perdidos, esquecidos, com falta de concentração [...] (Diário de Campo).

Elias & Scotson (2000, p.26), afirmam que “a satisfação que cada um extrai da participação no carisma do grupo compensa o sacrifício da satisfação pessoal decorrente da submissão às normas grupais”. Desta forma o orgulho de pertencimento, ou representar um grupo reconhecido, pode fazer com que os alunos se submetam às obrigações que lhes são impostas. O estudo de Wacquant (2002) envolvendo boxeadores vai nesse mesmo sentido.

Para Goffman (2012), o “tom” como determinadas situações são conduzidas, pode ultrapassar alguns limites –“ocorrer uma mudança de quadro”– e fazer com que os participantes não se emoldurem com a prática esportiva. Considera-se o futebol profissional contemporâneo como um esporte mercadológico, com muitas exigências para se inserir neste contexto, sendo seus praticantes, sejam jovens ou adultos subordinados (dominados). Pode-se fazer uma analogia do futsal/futebol entre jovens ser atualmente quase tratado como uma escravidão, devido às condições impostas por esses esportes, como excesso de treinos, injustiças dos treinadores, competição entre os próprios atletas e busca excessiva por resultados. Essas são condições relacionadas com os limites do treino, do jogo.

A disputa por um lugar na equipe titular, de fato, apareceu como um fator negativo. Sob a ótica de Bourdieu (1996) disputas, lutas e concorrências são uma constante no interior desse “campo esportivo” e os “agentes” buscam dominar determinadas práticas para se estabelecerem nesse contexto. Outro fato negativo constatado ficou a cargo das provocações entre torcidas no momento em que saiu um gol originado por um erro da equipe adversária, um pai se dirigiu ao garoto fazendo provocações, gerando uma briga entre os torcedores, esse fato aconteceu num dos jogos do quadrangular final do Campeonato Paranaense sub-13. Os técnicos tiveram que contornar o caso, levando todos os atletas para o vestiário, enquanto alguns pais tentavam apaziguar a situação.

O Técnico

Com base nas entrevistas e observações, é nítido os técnicos do clube possuírem conhecimentos sobre a modalidade futsal, no que diz respeito a parte técnica e tática deste esporte. De fato, possuem um capital esportivo (Bourdieu, 1990; Wacquant, 2002) pois evidenciou-se que tais técnicos, na sua maioria, são ex atletas e isso os ajudou a ingressarem em um clube tradicional de futsal/futebol.

Porém constatou-se ser necessário melhor conhecimento (capital cultural) destes, sobre o jovem com que trabalham, como por exemplo, nos aspectos emocionais, comportamentais e físicos, já que por meio das observações identificou-se indícios de que os meninos podem vir a abandonar o esporte por motivos como pressão do técnico, tratamento inadequado, ou excesso de treino. De fato, a preparação, a cobrança precisam existir no clube, mas o técnico precisa achar a melhor maneira de usar essa exigência, sem desmerecimento para com o aluno/atleta e respeitar os limites e necessidades desses jovens praticantes de futsal.

O técnico da equipe mostrou-se uma pessoa influente nessa configuração, além de ministrar os treinamentos e dirigir a equipe durante os jogos era responsável por ajudar os pais em algumas situações da vida cotidiana, como exemplo o estudo. Muitos pais pedem ajuda ao técnico, e este solicita aos atletas que seja apresentado o boletim ao final de cada bimestre e assim o técnico interfere de forma positiva no rendimento escolar dos atletas. O relacionamento entre os atletas durante os treinos também era controlado pelo técnico. Com as observações, ocorreram situações de conflito entre os participantes, principalmente entre jogadores titulares e jogadores reservas.

Observou-se que os atletas eram divididos pelo técnico em: equipe titular e equipe reserva. Entende-se que os jogadores com melhores condições de competir (maior capital esportivo) fazem parte da equipe titular, e aqueles com condições inferiores aos titulares, fazem parte da equipe reserva. Segundo Wacquant (2002), dispor de um capital inicial esportivo é fundamental para desempenhar um bom papel no esporte. Verificou-se durante os jogos que o técnico em busca da vitória oportuniza mais participação a equipe titular e consequentemente estes atletas evoluem mais que os jogadores da equipe reserva.

Constatou-se então, que dentro da própria equipe federativa o grupo dos titulares foi mais assediado, tanto pelo técnico, dirigente, como até mesmo por outras equipes. Com base em nos conceitos de Bourdieu (1983), pode-se fazer uma analogia e dizer que esses atletas “titulares” são dotados do “capital simbólico”, isto é, possuem prestígio, honra e podem ser o foco nas decisões no dia a dia, como por exemplo, serem convocados para o futebol de campo do clube, em vez dos atletas que são considerados reservas.

Independentes do capital (Bourdieu, 1983) que cada membro do grupo ocupa durante os jogos, alguns autores (Freire, 2006; Santana, 1996) relatam que com os olhos na competição e nas vitórias, o técnico não tem sensibilidade para perceber que ficar no banco de reservas não faz sentido para quem está iniciando. Propõem que o ideal seria o jovem que joga não sentir-se responsável pelo sucesso ou fracasso de todos, e sim perceber a importância de dividir responsabilidades.

Para Goffman (2012, p.33) “[...] enquanto uma coisa pode momentaneamente aparentar ser aquilo que está realmente ocorrendo, de fato o que está acontecendo na realidade é simplesmente uma brincadeira [...]”. Goffman (2012) também discute sobre o “tom” que os participantes definem para tais atividades. No caso esportivo, os atletas e o técnico podem delimitar uma tonalização para o que está ocorrendo, ou seja, para os pais ou espectadores, parece ser um jogo de futsal/futebol, mas para os participantes ou técnico, pode ser uma simples brincadeira, passatempo, entretenimento.

O que eu mais gosto do futsal e futebol, são as jogadas bonitas, os dribles que faço nos treinos e jogos [...] não gosto de ficar no banco de reservas sem jogar, nem quando tem muita reclamação com a gente. (A1).

Eu sonho em ser reconhecido, ser igual ao Messi, Neymar, são os que mais admiro no futebol de campo, gosto do Cristiano Ronaldo, porque jogo de atacante no campo [...] no futsal tem o Falcão. (A2).

Gosto de jogar com meus amigos e me divertir com eles [...] os comentários depois são sobre o treino, ou jogo, sobre o gol que você fez ou perdeu [...]. (A3)

Schutz (2008) trata dos “âmbitos finitos de sentidos” como um determinado conjunto de experiências, e cada qual possui a sua própria realidade, ou um estilo específico peculiar, que pode ser baseado pelo mundo dos sonhos, da fantasia, das imagens e não somente determinado pela estrutura em si dos objetos. 

Durante os treinos, observou-se que os atletas jogam entre si, muitas vezes sempre mudando de equipe e assim jogando com outros colegas. Elias (2008), no livro “Introdução a Sociologia”, capítulo intitulado Modelos de Jogos, aponta e descreve vários modelos de jogos para explicar as relações sociais, com base no potencial de poder entre as pessoas que se relacionam em uma determinada esfera. No caso deste estudo, utilizou-se um dos modelos de jogos denominado, “competição de várias pessoas a um só nível”, pois em tal modelo o autor salienta que em determinada circunstância os jogadores jogam diretamente com os outros e uns contra os outros.

No que se refere a igualdade de condições, os jogadores reservas seriam prejudicados, pois suas condições não são iguais, mesmo que o técnico entenda que todos são importantes. Por outro lado, como não há um equilíbrio nas ações do técnico, pois é possível ocorrer uma cobrança excessiva no grupo de jogadores titulares pela busca dos resultados, bem como, o descontentamento nos pais daqueles atletas que pouco participam desses jogos.

Pode concluir-se que se os jogadores reservas participassem mais ativamente, a tendência é que com a experiência adquirida, a desigualdade entre os grupos se estreite e o equilíbrio de poder pode tornar-se mais flexível entre os indivíduos deste cenário pesquisado. Com as observações, notou-se que isso seria fundamental que ocorresse dentro da equipe, pois no caso da falta de um dos jogadores da equipe titular por qualquer motivo, o jogador reserva que entraria no seu lugar, poderia atuar de forma eficaz. Elias (1980), infere que se diminuírem as diferenças de poder entre os participantes, nesse caso, a dependência do grupo titular em relação ao reserva ficará mais forte.

Elias (1991) no seu trabalho “Sobre os seres humanos e suas emoções” afirma que o sentimento das pessoas são revelados nos impulsos, nos movimentos de uma pessoa, seja involuntariamente ou intencionalmente. Em dias de jogos é grande a presença de familiares dos participantes, que demonstram nos jogos manterem comunicação com os alunos e agirem –através de gestos e expressões– de acordo com as circunstâncias do jogo. Abaixo, relatos das entrevistas com os pais, sobre os jogos de seus filhos:

[...] gosto que eles [atletas] fiquem no futsal por causa que consigo assistir a maioria dos jogos dos meus filhos, tenho outro filho no sub-15 e é uma alegria para mim, as vezes perco a cabeça aqui, brigo com o árbitro, técnico, com outro pai, mas é uma satisfação muito grande sair de casa e ver os meninos jogarem [...] o que parte o coração é ver eles tristes quando perdem, são substituídos. (P2, grifo nosso).

No dia de jogo ele fica nervoso, isso ele precisa aprender a controlar, já esta melhorando [...] quando ganha é uma festa, quando faz gol então em casa ninguém segura, é uma emoção para nós que assistimos [...] quando perdem um jogo, você percebe que eles sentem, a vida é assim, não é somente ganhar e o futsal ensina isso pra eles. (P3).

De acordo con Goffman, “os espectadores que se limitam a observar estão também profundamente envolvidos” (2012, p.64). Pelos dados obtidos assistir ao jogo de futsal do filho é uma satisfação grande para o pai e faz com que este incentive o aluno a permanecer no esporte. Para Elias & Dunning (1992, p.47), “quando se assiste a um jogo de futebol, não é apenas o clímax representado pela vitória da nossa equipe que oferece emoção e prazer”.

Assim, a iniciação ao futsal é um jogo que possui emoção. O esporte é um elemento que norteia os sentimentos dos indivíduos nas sociedades modernas (Dunning, 1999).  Seguramente, isso é um fator pertinente para que pai e filho se mantenham interessados na prática do futsal/futebol.

Relações entre os indivíduos: técnico, dirigente, pais, e atletas.

A relação entre pais e dirigentes, pais e técnico e entre técnico e dirigentes, técnico e atletas, muitas vezes foi conflitante, principalmente nas derrotas, ou resultados negativos dos jogos. As disputas pelos interesses particulares dentro do campo prejudicavam em certos momentos o funcionamento do mesmo. Bourdieu & Wacquant (2005), relatam que para garantir o funcionamento de um campo são necessários que existam além dos objetos de interesse e de disputa, pessoas dotadas de habitus que identifiquem e legitimem as leis fundamentais para um todo, ou para este “jogo de relações”.

Conforme Goffman (2012), quando existem diferentes interesses, perspectivas ou papéis desempenhados pelos participantes de uma determinada atividade, a visão dessas pessoas do que está acontecendo nessa atividade é diferente, com motivações diferenciadas. Tal autor cita alguns exemplos de como isso pode ser refletido dentro do cenário esportivo. No jogo golfe, em que para o golfista pode ser um jogo, mas para o seu caddy –sujeito que presta serviço aos jogadores– é um trabalho. Outro exemplo, pode ser dar em uma partida de futebol, pois o que é agradável para um torcedor ou jogador que vence um jogo, pode ser o oposto para aquele que perde o jogo, ou que não conseguiu atingir determinados objetivos durante essa partida.   

Neste sentido, percebeu-se visões desiguais nos entrevistados com relação a prática de futsal e futebol. Nos depoimentos dos atletas, ficou evidente a dificuldade destes permanecerem no futsal e no futebol de campo. A prática sistematizada de ambos, faz com que os atletas cansem, tenham problemas na escola e não consigam fazer outras tarefas, além das esportivas. O motivo dos atletas optarem futuramente em permanecer e dedicarem-se somente no futebol de campo, dá-se pela necessidade de obter um tempo livre para outras tarefas, como por exemplo, um momento destinado as obrigações escolares. Acrescenta-se o motivo do futebol de campo ser mais lucrativo.

Sobre as atitudes tomadas pelos agentes do futsal, pensando em uma futura consequência, Goffman (2012, p.49), desenvolve o conceito de “ações guiadas”. Tem relação com a intenção, com as estratégias estabelecidas pelos agentes para se chegar a um ponto final. Schutz (2008) complementa que a ação manifestada pelos sujeitos pode ser projetada e dotada de propósito.

No caso desse estudo entende-se que tais ações –guiadas, ou propositadas– remetem ao fim maior que seria a busca pelo futebol de campo. Uma vez que existe perspectiva da recompensa financeira ser maior ao praticar futebol de campo, do que futsal. Também, segundo os atletas, o fato de estar no último ano da categoria sub-13 é relevante para que permaneçam no futsal, pois normalmente são esses, os que mais participam dos jogos, pois são considerados mais experientes e aptos do que aqueles do primeiro ano da referida categoria. Para os pais, outro motivo dos atletas aderirem ao futsal somente até uma determinada idade é devido “[...] o futsal adulto em Curitiba ser muito fraco, o clube até possui o futsal profissional, mas é muito recente, você não sabe se vai continuar no ano seguinte e não pode comparar com o futebol de campo [...]” (P1).

Segundo Schutz (2008 p.15), é importante que os sujeitos de uma determinada realidade social conheçam a estrutura do mundo da vida cotidiana: “El mundo cotidiano del vivir y ejecutar es la presuposición que nuclea todos los demás estratos de la realidade humana”. Para o autor, isso é um ponto de partida para análise de uma realidade social. Percebe-se na visão do pai a falta de uma referência aos iniciantes no futsal do clube com uma equipe adulta competitiva nessa modalidade, e deste ou desse modo constata-se que a referência para os jovens praticantes do futsal, é a equipe profissional de futebol de campo do clube. Assim, os sujeitos por entenderem o contexto, agem de forma racional (Goffman, 2012; Schutz, 2008), por mais que exista um sonho, ou fantasia (Schutz, 2008), sobre o futsal/futebol.

O diretor de esportes do clube argumenta sobre a sequência no futsal:

Aqui no clube, o futsal possui a intenção que o aluno permaneça em outras categorias até o adulto [...] hoje na equipe adulta a maioria dos atletas vieram das categorias de base [...] o que acontece em Curitiba é o futsal adulto precisar de patrocínios e a falta deles fazem com que os atletas, muitos deles, trabalham e jogam [...] os pais das categorias menores percebem que o futsal adulto não é totalmente profissional e sabemos que o futebol de campo chega um momento que passa a ser a aposta principal da família. (D, grifo nosso).

É nítida a intenção do diretor e do técnico de que o jovem atleta deve permanecer no futsal, jogar em categorias subsequentes até chegar na adulta. Essa ação futura (Schutz, 2008, p.26) pode ser relacionada com a participação dos jovens no esporte (Coakley & White, 1992). Muito embora, verifica-se na visão parental e do atleta, parecer que essa formação no futsal da sub-13 logo será interrompida, a medida que os interesses desses sujeitos voltem somente à profissionalização no futebol de campo.

Elias (2008, p.80), no “Modelos de Jogos”, afirma que as relações estabelecidas na sociedade “[...] baseiam-se em duas ou mais pessoas que medem suas forças [...]”. Temos nesse estudo, os atores sociais pesquisados: dirigente, técnico, pai e aluno que interagem no ambiente do futsal e de acordo com Elias (2008), as forças de poder entre esses sujeitos devem buscar um equilíbrio durante as relações que se estabelecem entre eles.

Logo, verifica-se com os dados obtidos, que o pensamento incorporado pelos “agentes” ao longo do processo se revelam contraditórios. Há indícios para afirmar, que o potencial de poder no processo de formação esportiva pesquisado é maior para os pais e alunos, pois esses são os agentes que definem se permanecem na iniciação ao futsal do clube, ou seguem somente com a formação voltada para o futebol de campo. Nesse caso específico do jogo de poder (Elias, 2008) o clube, representado pelo técnico ou dirigente, ou mesmo por ambos, tem seu poder reduzido. A balança de poder em determinados momentos pende muito mais para as decisões da família.

Pelo lado dos pais observou-se que o grupo em geral quer um resultado positivo da equipe, consideram que esse capital simbólico adquirido (Bourdieu, 1983) a partir do coletivo é muito importante no futuro esportivo dos jovens atletas. O fato de apenas um grupo pequeno participar mais dos jogos, diminui o descontentamento de alguns pais para com o técnico e dirigentes, em virtude da conquista de vitórias e títulos.

Apareceram casos em que os pais recorriam aos dirigentes para interferir em algumas situações, como em alterações de datas e locais de jogos, dias e horários de treinos, inscrições de atletas e maior participação de atletas nos jogos. A pessoa dotada a controlar o funcionamento do grupo ficava a cargo do técnico, por mais que os pais se mostrassem ativos, o técnico ainda era a figura responsável pela maioria das situações do cotidiano do clube, como as relatadas acima.

Neste modelo, o potencial de poder (Elias, 2008) determina o decurso das ações, sendo um processo aceitável de relação social. O técnico detém o poder de dirigir a equipe da forma que entender ser a mais correta e decide o que deve ser feito, como ao escalar os melhores atletas. Embora, nesse caso, observou-se que o poder também é mútuo, não é apenas do mais forte para o mais fraco, do técnico para os pais. Ambos se orientam a partir das jogadas anteriores de um e de outro (Goffman, 2012) ocorridas durante os treinos e os jogos.

Por exemplo, a partir das observações constatou-se a mudança para uma outra equipe de um dos participantes quando o pai percebeu que o técnico pouco utilizaria seu filho nos jogos. Outro exemplo averiguado: o pai que detém o capital econômico e patrocina a equipe, exige ao dirigente que o filho participe mais ativamente nos jogos, a ponto de ameaçar não mais fornecer tal patrocínio. Portanto, essa situação foi conflitante para todos os indivíduos do cenário pesquisado. Pois o técnico é pressionado pelo dirigente que cobra resultados positivos e ainda a participação do filho do patrocinador.

A possibilidade do indivíduo com menos força, controlar seu oponente pode aumentar substancialmente (Elias, 2008). Foi observado que os pais controlam os atletas que faltam aos treinos e mesmo assim são titulares em dias de jogos. Os mesmos cobram o técnico quando este opta em colocar nos jogos esses atletas que faltaram aos treinamentos.

O ideal seria uma relação de respeito entre os sujeitos que fazem parte do cenário pesquisado, com laços de confiança entre os mesmos. Para facilitar a prática desse tipo de ação, sugere-se que o dirigente junto com o técnico e pais, definam os objetivos e a direção que o grupo de atletas seguirá, evitando assim que o ambiente se torne incontrolável, com favorecimento de um “grupo” seleto de indivíduos, pois deste modo, poderá ocorrer um descontentamento entre os envolvidos, bem como, até um abandono da prática esportiva.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As relações interdependentes criadas no ambiente esportivo estudado, apresentaram fatores positivos como por exemplo, nas relações de amizades adquiridas com o passar do tempo pelos pais e atletas da equipe de futsal. Por outro lado a disputa pelo poder deste campo esportivo foi evidente, pois cada indivíduo sustenta um objetivo pessoal quando leva seu filho para o “treinamento”, que se renova e transforma pelas relações de poder exercidas pelos sujeitos e pelos acontecimentos surgidos dentro do cotidiano esportivo do futsal e futebol.

O “técnico”, de fato, é uma figura que procura contornar os conflitos entre pais e atletas. Apresenta-se então como sugestão para a diminuição de conflitos internos entre os indivíduos da instituição esportiva investigada, a necessidade de elaboração de um modelo de regulamento interno, bem como, o estabelecimento de um projeto educacional. Isso tem por objetivo diminuir as diferenças na formação dos atletas, respeitar os desejos e sonhos dos jovens, em que todos serão tratados neste contexto com igualdade de participação, com foco não somente na busca por resultados, na performance esportiva, mas no desenvolvimento formativo integral do participante e a longo prazo, para quem sabe no futuro o jovem atleta estar realmente preparado para as armadilhas do futsal/futebol profissional contemporâneo.

Essas regras, por si só já podiam ser suficientes para delimitar como poderia ser o objetivo principal da iniciação esportiva analisada neste estudo, deixando os sujeitos envolvidos nesse processo conscientes do trabalho a ser realizado com os jovens. Sugere-se também, estabelecer regras de convívio. Durante os treinos e competições não deveria ser permitido aos pais adentrar a quadra para transmitir instruções aos seus filhos e/ou outro aluno, tampouco, estando o mesmo na arquibancada, se manifestar grosseiramente a qualquer membro da organização, pais de alunos e seu próprio filho.

Normatizar e esclarecer o caminho que seguirá o trabalho de formação esportiva do clube pesquisado, pode facilitar as relações entre pais, dirigentes e alunos. Cabe ao técnico esportivo a competência de esclarecer as linhas do seu trabalho, facilitando assim tais relações. Aliás, pode-se referir que o técnico para atuar neste clube não precisa ter uma formação didática, ou se preocupar com a melhor forma de passar seu conhecimento. Pois com os dados levantados, constata-se o técnico cobrar, exigir desse aluno da maneira como bem entende, desconsiderando aspectos educativos e pedagógicos, como um habitus, algo já estabelecido dentro do meio do futsal/futebol, e que tais condutas podem levar o jovem a pensar em uma possibilidade de abandono nesses esportes discutidos. Pode concluir-se que as categorias levantadas para esse estudo estão num mesmo plano de importância e que se interligadas contribuem na compreensão do contexto da iniciação esportiva do futsal/futebol, investigado. Este estudo é um caso específico, portanto, a confrontação dos dados obtidos no presente estudo com outras pesquisas em situações similares deve ser feita com cautela.

 

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Recibido: 2015-06-14

Aprobado: 2016-03-01

 

 


[1]  Disponível em: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/sao-paulo/noticia/2013/01/sem-gastar-com-reforcos-sao-paulo-recebe-r-872-milhoes-por-lucas.html