FORMAÇÃO
DOCENTE EM EDUCAÇÃO FÍSICA E O ESPORTE: OS JOGOS INTERNOS/INTEGRAÇÃO DE
EDUCAÇÃO FÍSICA UFSC[1]
FORMACIÓN DOCENTE EN EDUCACIÓN FÍSICA Y EL DEPORTE:
LOS JUEGOS INTERNOS/INTEGRACIÓN DE EDUCACIÓN FÍSICA UFSC
TEACHER
TRAINING IN PHYSICAL EDUCATION AND SPORTS: THE INTERNAL GAMES (OR INTEGRATION
GAMES) OF PHYSICAL EDUCATION UFSC
DOI:
10.17533/udea.efyd.v33n2a04
URL DOI:
http://dx.doi.org/10.17533/udea.efyd.v33n2a04
Carmen Lúcia Nunes Vieira
Doutoranda pela Universidade Federal de Santa Catarina. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Licenciada em Educação Física pela Universidade Federal de Santa Catarina e
Pedagogia Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora da Rede Municipal de Ensino de
Florianópolis. Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea
(Florianópolis, Brasil)
carmenpila@yahoo.com.br
Alexandre Fernandez Vaz
Doutor pela Universidade de Hannover
(Alemanha), Professor do Programa de Pós-graduação em Educação e do Programa de
Pós-graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas, da Universidade Federal de
Santa Catarina, Pesquisador do CNPq (Ciências Humanas/Educação). Núcleo de
Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (Florianópolis, Brasil).
alexfvaz@uol.com.br
Nunes C.; & Fernandez A. (2014). Formação
docente em educação física e o esporte: os jogos internos/integração de
educação física UFSC. Educación Física y Deporte, 33 (2), 287-311
Jul-Dic. http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v33n2a04
RESUMO
O
objetivo da pesquisa foi identificar alguns sentidos dados ao esporte no
contexto da formação. O objeto de estudo foi o JINEF, organizado semestralmente
por alunos, como tarefa de uma disciplina do curso. Tivemos em conta os
regulamentos de seis jogos, as entrevistas a participantes eleitos
propositalmente (atletas, não atletas, antiatletas, organizadores) e as
observações dos XVII JINEF (2004.1). Identificamos um evento catalisador, com
ambiguidades inerentes ao esporte, além do reconhecimento de uma legitimidade
moral, e a disponibilidade corporal exigida pelo esporte e as tensões entre a
tradição e não tradição esportiva. Os sentidos e as ambiguidades estão
relacionados com o lugar social da biografia esportiva de cada um.
PALAVRAS-CHAVE: Esporte,
Brasil, Educação Física, Formação.
RESUMEN
El
objetivo de la investigación fue identificar algunos sentidos dados al deporte
en el contexto de la formación. El objeto de estudio fueron los Juegos Internos
del Curso de Educación Física (JINEF), organizados semestralmente por alumnos,
como tarea de una asignatura de la carrera. Tuvimos en cuenta los reglamentos
de seis ediciones consecutivas de los juegos, las entrevistas a participantes
elegidos intencionalmente (atletas, no atletas, anti atletas, organizadores) y
las observaciones de los XVII JINEF (primer semestre de 2004). Identificamos un
evento catalizador, con ambigüedades inherentes al deporte, más allá del
reconocimiento de una legitimidad moral, y la disponibilidad corporal exigida
por el deporte y las tensiones entre tradición y tradición no deportiva. Los
sentidos y las ambigüedades están relacionados con el lugar social de la
biografía deportiva de cada uno.
PALABRAS CLAVES: Deporte,
Brasil, Educación Física, Formación.
ABSTRACT
The
objective of the research was to identify some meanings given to sport in the
educational context. The object of study was the Internal Games of Physical
Education (JINEF), a students’ activity of the curriculum. We took in
consideration the regulations of six Games editions, interviews with
participants intentionally chosen (athletes, non-athletes, anti-athletes,
organizers) and observations of the XVII JINEF (first half of 2004). (2004.1). We
have identified a catalyst event, with ambiguities inherent to the sport,
beyond the recognition of moral legitimacy, the motor availability needed for
the sport, and tensions between tradition and not sporting tradition. These
ambiguities and meanings of sport are related to the social place of sports
biography of each student.
KEY WORDS: Sport, Brazil, Physical Education, Formation
COMO
INTRODUÇÃO: FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O ESPORTE
O
Esporte é uma prática social que encontra na escola moderna e contemporânea um
de seus privilegiados lugares de realização. O debate acadêmico sobre ele
acontece frequentemente com desconfortos e mal-entendidos. Estes debates, que nem sempre
obedecem ao “espírito esportivo”, e mesmo as próprias práticas, geram conflitos,
contradições, paradoxos, e isso não é diferente quando o tema é a formação de
professores. Tal debate é aquecido pela presença perspectivas avaliadas como
“progressistas” da área, foram formuladas na década de 80 e 90 do século XX e
que, entre outros aspectos, procuram transformar/redimensionar o esporte no
âmbito escolar. Elas pretendem a formação de crianças críticas que possam se
apropriar do conhecimento do esporte em seu âmbito mais geral e não somente
como uma reprodução da sua versão de alto rendimento, que seria seletiva,
excludente e vinculada ao mercado. Referimo-nos, sem ver-lhes as
especificidades, às perspectivas Crítico-superadora (Soares et al., 1992),
Aulas Abertas (Hildebrandt & Laging, 1986) e Crítico-emancipatória (Kunz,
1991). Temos no esporte –sob a forma e modelo hegemônicos – uma forte ligação
com a identidade dos professores de Educação Física, ou com o formarem-se
professores, já que estes lidam com aquilo que supostamente sabe praticar[2].
A Educação Física
pode ser entendida como uma disciplina do currículo escolar privilegiada para o
ensino de um conjunto de práticas corporais, como os esportes, jogos, danças,
ginásticas e as acrobacias, enfim, elementos que se configuram como uma
linguagem por meio da expressão corporal, lúdica, estética e agonística da
cultura (Soares et al., 1992). Sobretudo, observamo-la como um espaço para a
ampla possibilidade de conhecer as experiências
corporais –aqui nos aproximamos do que Oliveira (2003b) chamou de corporalidade–, para a apreensão de
uma dimensão fundamental das relações sociais, que se faz presente por meio do
corpo e suas expressões. Assim a Educação Física é
[...] uma área de conhecimento que deve tratar,
efetivamente, da cultura corporal, que é por sua vez,
duplamente aprendida: por um lado pela mediação reflexiva sobre os temas
relacionados ao corpo e a corporeidade; por outro, pelas dimensões técnica e
mimética, pela aproximação corporal e estética entre sujeito e objeto (Vaz,
2002, p.93).
Se é prática social das mais importantes, mas também
“conteúdo hegemônico da Educação Física escolar” (Kunz, 1989), é razoável
pensar sobre a presença do esporte na biografia de professores de Educação
Física, em especial daqueles em processo de formação inicial. Isso considerado,
o presente artigo trata de resultados de uma investigação cujo objetivo foi
analisar alguns dos sentidos atribuídos ao esporte no contexto da formação
inicial, tomando como objeto os Jogos Internos/de Integração da Educação Física
(JINEF) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Abordamos os JINEF para saber algo dos sentidos atribuídos a
uma importante expressão da cultura do curso de licenciatura em Educação
Física, qual seja, a presença do esporte não apenas como conteúdo a ser tratado
pedagogicamente para então ser ensinado no ambiente escolar, mas como etos da
própria formação de professores.
O artigo se organiza da seguinte maneira. Na primeira
seção apresentamos os JINEF, sua organização e peculiaridades e os procedimentos
metodológicos do trabalho, para na segunda expor e desenvolver quatro grandes
temas: as ambiguidades do esporte, o reconhecimento de uma legitimidade moral
nele, a disponibilidade corporal exigida pela prática, e a relação entre
tradição e inovação. Por derradeiro, considerações finais.
Ao
JINEF...
Observamos a cada quatro anos o mundo
celebrando a festa da performance esportiva, os Jogos Olímpicos que, em sua era
moderna, têm etos muito distinto daqueles realizados na Antiguidade. Os Jogos que
temos hoje têm a declarada intenção de proporcionar momentos de encontro em
substituição à guerra entre os povos, nos quais nações inteiras se reúnem para
celebrar “uma frágil paz mundial” (Elias & Dunning, 1992, p.323). São
também eventos plenos de dimensões políticas, exposições de corpos e
performances os mais diversos, eventos comerciais e trânsitos e identidades (Soares & Vaz, 2009).
As “Olimpíadas” são uma referência para todo tipo de contenda
esportiva com várias modalidades e nas escolas as encontramos compondo
nominalmente diversos eventos, como as de Matemática e Ciências. Esse fato não
ocorre somente em estabelecimentos de ensino fundamental e médio, mas também em
instituições de ensino superior, reproduzindo-se em cursos de formação de professores
de Educação Física (Nascimento & Melo, 1995). Na licenciatura em Educação
Física da UFSC também acontecem os JINEF, competição esportiva semestral com
lugar privilegiado na cultura do curso.
Os documentos selecionados para a análise dos JINEF foram os
regulamentos de seis edições do evento e depoimentos de participantes
intencionalmente escolhidos e agrupados. Procuramos compô-los com pelo menos um
integrante de cada gênero em quatro subgrupos: os atletas, que treinam
efetivamente uma modalidade esportiva e participam de competições federativas
em nível ao menos estadual; os não atletas, que não treinam e nunca treinaram
sistematicamente uma modalidade, mas que participam com certa assiduidade dos
JINEF; os antiatletas, que se excluem do evento por algum motivo; os
organizadores, acadêmicos que organizaram os XVII JINEF (primeiro semestre de
2004) e a professora da disciplina Organização de Competições Esportivas, no
interior da qual o evento tem origem. Fizemos também observações da mesma
edição dos Jogos, compondo um diário de campo.
Os JINEF são organizados semestralmente pela 3ª fase do curso de
licenciatura de Educação Física da UFSC desde 1995, e no primeiro semestre de
2004, ano dos Jogos Olímpicos de Atenas, procuraram ligar-se ao “espírito olímpico”.
A organização sugeria, conforme um dos membros, Maria José[3],
“um resgate cultural, para ver qual é a essência real desses Jogos que
começaram também como uma forma de integrar os povos”. Em 2004 a ideia de Jogos
Internos numa perspectiva de Olimpíada foi enfatizada, o que justificava a
exibição dos cartazes do evento com os seguintes dizeres: Sem grana para ir à
Atenas?... Então venha para o CDS... A Olimpíada é aqui. XVII JINEF/UFSC de 14
a 19 de Junho de 2004. Associavam-se duas ideias: a de que os estudantes não
dispunham de recursos financeiros fartos, algo comum na cultura universitária,
e a fungibilidade de uma “Olimpíada” pela outra.
Conforme a professora da disciplina, desde sua “nova versão”, em
1995, quando retomados como contenda, os JINEF pretendem ser “um laboratório”
para os organizadores e, para os participantes, um momento de “repensar o seu
jeito de agir no esporte. E até o seu jeito de tratar o esporte como pessoas
que educam para o esporte”. Observamos, porém, um evento a expressar valores
muito contraditórios, o que não é de se estranhar já que o esporte, como
fenômeno social, contém paradoxos. Sendo um espaço para a socialização e
integração dos participantes, é também um lugar-tempo altamente excludente e
seletivo.
Nos JINEF a participação
direta na organização do campeonato de cada modalidade esportiva depende das
experiências anteriores de cada acadêmico. Por exemplo, alguém que já praticou
basquete, handebol, ou qualquer outra modalidade, é responsável pela
organização do respectivo evento, tomando-o “sua modalidade”. Também há
reconhecimentos do tipo “fulano do handebol”, “ciclano do basquete” e se
pronunciam frases como “o meu pessoal”, “quem trabalha comigo”. Tudo isso ouvimos com frequência durante os
XII JINEF, de cuja organização tomamos parte diretamente. Isso também acontece
quando a turma é apenas participante e não organizadora –atividade obrigatória
na terceira fase do curso, como já sugerido–, situação em que encontramos
supostos expertos das modalidades, que dirigem, ungidos pela legitimidade da
biografia, as equipes durante os Jogos. Deste modo, o mais importante é que os
JINEF, como qualquer evento pensado sob o modelo de competição e organizado
para integrar, têm o poder de gerar amizades, parcerias, conflitos, rixas,
inimizades e exclusões.
Os JINEF se constituem, como se verifica nos regulamentos de cada
edição, da seguinte forma: a presença constante das modalidades de atletismo,
basquetebol, voleibol, futebol de salão (hoje futsal) ou suíço (jogado com sete
integrantes por cada time), handebol e natação; uma gincana de abertura e uma
festa de confraternização e encerramento. Eventualmente surgem novidades como
tênis, triatlon, ciclismo, vôlei-four e, nas duas versões que antecederam a
estudada, o surfe, modalidades dependentes da presença, na turma responsável
pelo evento, de pessoas com elas previamente envolvidas e com condições de
organizá-las. Observa-se uma estrutura bem próxima de uma Olimpíada escolar, pautada nos
esportes presentes na escola, algo esperado, considerando-se que se trata de um
curso de formação de professores e com várias pessoas cuja biografia esportiva
está vinculada, pelo menos inicialmente, à escolarização[4].
A participação é de todas as turmas do curso, assim como de alguns professores
que são convidados ou buscam uma das turmas para tomar parte do evento. Nos
regulamentos estudados há referência ao limite de no máximo dois professores
por turma, vedada a participação por mais de uma. Os JINEF acontecem geralmente
em horários distintos do das aulas, durante uma semana e no turno noturno.
A
organização dos JINEF é transpassada por disputas, negociações e entraves.
“Cada turma põe suas características, coloca sua cara no evento”, diz a
professora. Isso não se dá por consenso, mas por querelas, acertos, disputas,
respeitando as características e contradições de um debate democrático. Porém a
visão hegemônica do esporte é dominante não só na turma organizadora, mas nas
participantes.
Para
ilustrar, trazemos alguns relatos de acontecimentos das provas da gincana da
XVII edição (2004.1) que ocorreram logo após a cerimônia de abertura.
Considerada a parte “lúdica” dos Jogos –em contraponto à parte “séria”
esportiva–, a gincana acontece sempre no primeiro dia do evento e continua com
algumas intervenções ao longo dos Jogos. Pôde-se observar uma disputa muito
intensa, por exemplo, no jogo de queimada, tradicional jogo infantil que divide
dois grupos que, em uma quadra, devem atingir adversários com uma bola
arremessada em direção a eles. A competição foi acirrada e os ânimos se
exalaram, tendo a prova sido suspensa devido a manifestações desequilibradas
dos participantes. O depoimento de uma atleta resume a questão: “... é uma
coisa minha, eu sempre fiquei nervosa em qualquer competição, se eu vou jogar bolinha
de gude eu fico ansiosa, eu fico nervosa”.
ESPORTE/JINEF
NA CULTURA DA EDUCAÇÃO FÍSICA: discursos próximos de lugares diferentes
O debate sobre o esporte, seu valor
pedagógico e forma hegemônica, não escapa à formação dos professores de Educação
Física da UFSC, compondo-o de forma perturbadora. Este debate esportivo –que
nem sempre obedece ao “espírito esportivo”– e sua atuação prática geram
conflitos, contradições e paradoxos. Não é diferente quando o tema são os
JINEF.
Presentes em todas as falas dos diferentes
grupos entrevistados –atletas, não atletas, antiatletas e organizadores–
encontramos quatro grandes temas: as ambiguidades do esporte, o reconhecimento
nele de uma legitimidade moral, a disponibilidade corporal exigida pela prática,
e a relação entre tradição e inovação.
Ambiguidades do esporte
Constantemente o esporte é entendido como ambíguo e contraditório em seus ideais, o que de certa
forma expõe a complexidade das sociedades que o acolhem e o desenvolvem em
distintas direções. Elias & Dunning (1992) apontam que ao se tentar preservar o etos amador presente nos ideais
Olímpicos, simultaneamente mostra-se um envolvimento “sério” no esporte devido
às pressões sociais, à profissionalização e sua busca por resultados,
identidade e prestígio.
Questões controversas como a presença de
uma força integrativa (DaMatta, 2003) do esporte e paradoxalmente o processo
seletivo e de exclusão dos menos habilidosos foram encontradas com facilidade
em todos os grupos selecionadas. Os respondentes anunciam a integração por meio
do esporte no JINEF, mas seus discursos são contraditórios.
Eu vejo os JINEF... e também uma forma de
integração no sentido de tu estás jogando com outras pessoas. Mas jogando. Eu
não vejo os JINEF como Jogos de Integração da Educação Física, eu vejo como
Jogos Internos, em que tu vais lá pra jogar, tu vais pra competir. Deveria ser
uma competição saudável e eu vejo que não está sendo. (Antiatleta Marília).
Ao mesmo tempo em que os jogos integram
por jogar com outras pessoas, com a centralidade da competição não conseguem
atingir este objetivo. Marília levanta a hipótese de uma competição saudável,
mas este elemento se apresenta, de certa forma, contra a própria dinâmica do
esporte, como ela mesma alerta:
Aquela pessoa está naquela equipe, ela se
acha o máximo jogando tal coisa, então tem que ganhar dela. Tu vês o sangue
subindo na cabeça da pessoa e dizes “calma não é bem assim”. Isso eu não acho
saudável. Então eu acho meio utópico, querer mudar o caráter e o pensamento da
pessoa, é difícil (Antiatleta Marília).
Marília justifica a dificuldade de se
conceber uma “competição saudável” porque o esporte de rendimento é pautado nos
princípios modernos, de superação do adversário, seleção, dominação dos mais
fortes sobre os mais fracos, aptos x não-aptos. Os esforços para uma possível
mudança no modelo esportivo, mesmo que localizada –JINEF– supõem diversas
dificuldades, algumas delas relacionadas com o esporte escolar, e neste âmbito
os entraves sobre uma possível “competição saudável” são os mais controversos.
Bracht (2000, p.18), por exemplo, aponta que “...pedagogizar o esporte
tornou-se um problema para o sistema esportivo, porque coloca nesta prática
elementos que acabam entrando em confronto com os princípios, com a lógica que
orienta as ações no âmbito esportivo”.
As contradições do esporte, que apresenta
como prática integradora, mas ao mesmo tempo excludente, se fazem presentes no
JINEF. Os próprios organizadores reconhecem que não é fácil manter o caráter de
“integração” dos jogos, tendo, inclusive, sido desestimulados pelos colegas de
fases mais adiantadas a fazer prevalecer a palavra “integração” no lugar de
“internos” no título do evento. Diz João Pedro que
O objetivo deveria, deveria ser a
integração dos acadêmicos. Muitas vezes, na prática, isso até acontece, mas
isso segue sendo colocado, mas geralmente não é alcançado. Até porque nos
nossos JINEF a gente tinha colocado como objetivo integração, só que a gente
procurou o pessoal de outras fases, que já organizou, para montar um
regulamento, e por experiência própria deles, pediram para a gente tirar isso
do torneio, dos Jogos, pra não ter problemas futuros. (Organizador, João
Pedro).
Isto pode nos revelar uma aceitação cada
vez maior do esporte de alto rendimento[5]
no contexto da formação de professores de Educação Física, novamente
expressando uma ambiguidade do próprio esporte. Num episódio do congresso
técnico da XVII edição, essa aproximação ficou evidente, quando um dos
organizadores da modalidade de handebol, ao sortear os times para compor a
tabela de disputa, afirmou que naquela versão dos Jogos “já que não
[...prevalece o] lúdico, vamos privilegiar os que são melhores” e por isso
direcionariam o sorteio a partir de cabeças de chave para a composição da grade.
Outro exemplo dessa teia de complexidade e
contradições é a presença do flair play – tanto nos regulamentos analisados
como na fala dos entrevistados – pautado no etos amador, representado pelo
ideal olímpico, em que a importância está no competir, no divertimento, na
“excitação agradável” (Elias & Dunning, 1992), algo presente em várias
falas, mas sem muito êxito nos Jogos. Um depoimento significativo é o do atleta
Ronaldo: “...venho pra cá pra me divertir. Venho pra cá para rever a galera,
sabe?”. Em outro trecho da entrevista revela que encara com a mesma seriedade
um jogo “oficial” e seu “divertimento” nos JINEF: “...quando eu entro na
quadra, eu não quero perder de jeito nenhum” e completa: “Brigo com juiz.
Reclamo. Tomo cartão. Ali no jogo eu não quero perder”. Embora o divertimento
seja um dos elementos presente, a suposição do fair play fica comprometida
devido ao alto grau de competitividade. Conforme a não atleta Talita, no “clima
quente” dos jogos há muita rivalidade. Nesta situação, frases do tipo “ô
galera, olha o fair play”, quando alguém do próprio time fora derrubado pelo
adversário, e um insulto destinado ao lúdico em outro momento, quando o
infrator foi alguém de seu grupo, foram proferidos pelo mesmo
estudante/participante/torcedor de uma das fases que disputava o handebol
masculino. A rivalidade parece aceitável num clima competitivo e de disputa
acirrada, pois todos querem a vitória, inclusive com incremento da violência.
Reconhecimento e Legitimidade Moral do Esporte
Em todas os grupos entrevistados encontramos um discurso
legitimador do esporte, aproximando-se da perspectiva de DaMatta (2003), para o
qual há nele um etos moral expresso pelo fato de as regras serem fixas,
democráticas e de conhecimento dos participantes. Encontraríamos no esporte a
possibilidade de experimentar a igualdade e a justiça, pois a disputa estaria
acima da contenda social, uma vez que acontece entre participantes com as
mesmas chances de vitória. Pois ao
iniciar um jogo é criado um mundo virtual, e esse é o momento da experiência de
igualdade, com vitória ou derrota que não desonra (DaMatta, 2003).
Essa pretensão de justiça está presente nas falas de todos os
grupos, embora a partir de diferentes ângulos. Independentemente de serem ou
não aptos para disputar um esporte, há o reconhecimento de que ele seria justo
e proporcionaria chances iguais a todos. Apenas existiriam os que se esforçam e
treinam ao máximo e aqueles que esmoreceriam por algum motivo, além dos que
sabem e os que não sabem jogar. A disputa seria justa e, de certa forma, a
seleção também.
...quando eu mudei para barreira
[refere-se à mudança na prova de atletismo] eu peguei, atingi nível brasileiro;
com 16, 17, anos foi meu melhor, eu fui para o [campeonato] brasileiro, estava
entre as dez melhores do país até 17 anos, depois estava entre as vinte até 19
anos. Aí depois fui decaindo, saí do brasileiro fui para o universitário
brasileiro, mas depois fiquei em no nível estadual. Poderia ter pego o índice
para o Troféu Brasil, não peguei de besteira, não posso falar nada. (Atleta Jaqueline).
Há reconhecimento da legitimidade da
prática pelo resultado alcançado, o rendimento oferecendo as condições para
manter-se no esporte. Observa-se a valorização do esforço, do mérito, além da
justificativa para a seleção que acontece no esporte: quem não tem condições
deve realmente ficar de fora: “podia ter pego o índice pro Troféu Brasil, não
peguei de besteira, não posso falar nada”.
Legitima-se discursivamente o bom jogador, quem tem o
melhor rendimento. Há um capital simbólico importante no esporte, que é
alcançado pela performance, por isso quem joga melhor
é reconhecido e valorizado, como diz o atleta Ronaldo:
Tem, tem o pessoal que, digamos assim, oh, o pessoal
que não têm a prática de jogo vê com outros olhos a pessoa que joga. Sim, se eu
vou jogar basquete e se o cara fala para mim “abre na lateral e fica lá,
qualquer coisa eu passo a bola pra ti”, “beleza”, eu não sei jogar mesmo e se
passar a bola pra mim é lucro, entendeu? Ele vai ganhar o jogo. Ele vai jogar
bem. É ele quem vai fazer a maioria dos pontos. Não tem problema. Se eu puder
ajudar de alguma maneira, eu estou ali. [...]. Assim como eu vejo que é o meu
papel no handebol. (Atleta Ronaldo).
Para Ronaldo é evidente que o jogar bem é o que interessa.
Ele reconhece o importante papel da performance e do rendimento, pois todos
valorizam e reconhecem “a pessoa que joga”. Ao falar do basquetebol reduz-se ao
papel de coadjuvante no jogo, pois “eu não sei jogar mesmo se passar a bola
para mim é lucro”. Mas quando se refere ao “seu” esporte, a conotação é bem
diferente, pois nele seu papel é de liderança, soberania, seu rendimento vale
muito. Além da valorização pela performance, observa-se, também, certa
delimitação de espaço. Há os que sabem basquetebol, os que dominam o handebol e
há, ainda, os que não sabem nada, portanto cada um tem um espaço de ação
determinado. Isto aponta para uma submissão à lógica esportiva dominante,
conforme aponta Bourdieu (1990), levando os que não sabem, ou seja, os não profissionais
à categoria de público, mero observadores passivos, cada vez menos capazes da
compreensão dada pela prática.
A presença desse etos moral do esporte
está nos discursos e nas representações no contexto da formação, muitas vezes
atribuindo a ele certo desenvolvimento e formação de um “bom caráter”,
principalmente pela disciplina ensinada.
Eu acho que o esporte, pelo trabalho, por
exemplo, eu trabalho com crianças carentes, eles vêm aqui fumando, e vêm, sei
lá, tudo drogado... então, aos poucos eles vão percebendo que para o esporte
eles não precisam disso, assim, eles falam “ah, eu vou parar de fumar porque
senão eu não vou conseguir correr”, “ah, eu vou parar de bater nele senão vou
ter que ir embora”. E as crianças que eu
vejo, eles conseguem se respeitar melhor, começam a cooperar uma com a outra,
por meio do esporte. (Atleta Leila).
Segundo tal perspectiva, por meio do esporte se
poderia não só desenvolver respeito e cooperação, como lograr o afastamento do
vício de drogas[6].
Com a prática esportiva e sua concomitante disciplina, o professor conseguiria
proporcionar grandes chances de uma educação “moral” aos seus alunos/atletas,
além do fato deste ser, como sugerem Elias & Dunnng (1992), um controlador
da violência.
A atribuição à obediência às regras –esportivas e
sociais– e o disciplinamento estão muito presentes, também, em uma parte do
depoimento de Maria José, organizadora da XVII edição do JINEF. Ela afirma que
o mais importante no esporte é a disciplina, o ensinamento das regras: “(...) o
que o esporte pode proporcionar, para a formação da criança não só a questão de
competição, mas a questão disciplinar, não é? Eu acho que isso que é a base
mais importante”. Todas as falas de grupos tão diferenciados, com experiências,
vivências e práticas esportivas tão diversificadas, apontam para um caráter
moral e o etos de justiça do esporte moderno.
Disponibilidade Corporal
O esporte exige disciplinamento e este se
dá no corpo. A disponibilidade corporal é requisito primordial para o esporte. São comuns comentários no meio esportivo do
tipo quem treina entrega o corpo. Bourdieu (1990)
aponta a importância “ (d) a manipulação regrada do corpo” o que explicaria,
inclusive, o uso que os regimes autoritários fazem dele. Dependendo do grupo se
está ou não disposto a compactuar com a idéia de “entregar” o seu corpo à
competição.
Não participo porque não gosto, não quero.
(...) A gente deve competir. (...). Até o ponto em que eu não use o meu corpo,
sei lá, a minha máquina-corpo, contra a minha própria pessoa, entendeu?
(Antiatleta Simão).
Não jogo porque se for de brincadeira, assim, uma
galerinha só brincando e tal, até jogo. Mas se eu vejo que a coisa está ficando
séria e tal eu pulo fora. (...) por isso
que se for para brincar eu vou. Agora se for pra competir “ah, não vamos
ganhar, não sei que”, daí eu faço meio que uma forcinha para não ir, sabe?
Prefiro ficar sentada olhando. (Não Atleta Talita).
Quando tu vens para os Jogos, tu estás te
desafiando a cada ponto, a cada minuto do jogo. (...) Ali tu tens que pensar,
tu tens que correr, teu organismo, muitas vezes, tua perna, não responde mais,
não é? Tu estás cansado, mas tu queres fazer. Isso é um desafio... (Atleta
Ronaldo).
Cada um fala de um lugar diferente e isso revela,
apesar de posições completamente diversas sobre a aceitação em dispor o corpo
ou não para a prática esportiva, a concordância quanto à existência do
processo.
Simão se posiciona contra a competição pelo uso
“indevido” do corpo, que leva ao desgaste e diz não estar disposto a usar o
corpo “contra a minha própria pessoa”. Mas aponta que o atleta, sim, dispõe do
corpo para o esporte, correndo e assumindo todos os riscos possíveis. Em Talita
também é evidente o uso do corpo, porém, moderado: “se for de brincadeira até jogo”,
mas se o corpo está sendo mais exigido pela presença da competição “eu pulo
fora”. Já na fala de Ronaldo observamos toda a disposição do atleta em dispor
do corpo, já que não apenas a modalidade praticada (handebol) é de contato e a
força física faz a diferença para alcançar o resultado desejado, mas sua
disposição assim se manifesta: “tu estás cansado, mas tu queres fazer”.
A posição de Simão e, principalmente, a de Ronaldo,
aproximam-se da visão do atleta que, mesmo sentindo a fadiga, sofrendo uma lesão,
pode sentir prazer no que faz. Apontam para uma situação na qual o corpo é
exigido ao extremo e para a delicada linha entre sofrimento e prazer, como
também destaca Rial (1998) em seu estudo sobre jogadores de rúgbi e judocas.
A disponibilidade corporal é tão evidente para o
evento esportivo, quanto gera controvérsias para sua aceitação. Ela nos leva a
refletir, no âmbito da formação, até que ponto seria possível uma superação
desta utilização destemida e regrada do corpo na prática esportiva, ou se além
de possível ela seria, como parece ser, necessária.
Tradição e Inovação no Esporte
Existe no esporte uma estrutura básica
determinada pelas regras que o faz ser reconhecido universalmente. Devido à subordinação
às normas internacionais, mantém reconhecimento e tradição, já que as regras
não mudam com facilidade. Uma prova disso é futebol, cuja regulamentação só
raramente é alterada pela International Board. As modificações podem acontecer,
mas, como destaca Lovisolo (1995), dentro da tradição.
Permanece uma tensão de se manter na
tradição, mas ao mesmo tempo se percebe a necessidade da não tradição, impulso
à subversão das normas, a uma certa refundação. Talvez por isso essa questão,
potencializada pelo contato com as teorias progressistas da Educação Física,
frequentem constantemente as representações dos nossos entrevistados.
(...) acho que o esporte é a única coisa
que ainda é genuína da Educação Física. Acho que ele não é muito valorizado no
curso, mas também porque está se buscando outra forma de ver a escola... A
Educação Física escolar. Eu não sou contra, mas também não sou a favor de tirar
o esporte totalmente. (Atleta Jaqueline).
A atleta nos remete a duas reflexões. A
primeira delas diz respeito ao esporte ser um tema exclusivo da Educação
Física, abordagem que evidencia a limitação de um fenômeno social a uma área
específica. A outra é a visão de que as novas teorias formuladas sobre o
esporte escolar sugeririam a retirada deste conteúdo da escola, certamente uma
leitura limitada e mesmo equivocada. A entrevistada se mostra suscetível a
mudanças, mas dentro de certa tradição, por isso afirma, “Eu não sou contra,
mas também não sou a favor de tirar o esporte totalmente”.
Toda esta tensão existente entre a mudança e a
manutenção do que está posto foi aquecida pela formulação dos JINEF
“alternativos” no segundo semestre de 2002. Alguns dos entrevistados
participaram daquele evento, dentre eles uma das atletas, outros dele não
tomaram parte, como os dois antiatletas, o que poderia ser surpreendente, se
não soubéssemos que os fenômenos sociais não são lineares e os acontecimentos
muitas vezes fortuitos.
O que surpreendeu foi que todos indicaram
uma brusca ruptura com a tradição. Leiam-se algumas falas sobre as mudanças
efetuadas e o deslocamento da ênfase da competição para a
participação/integração, enfim, o “lúdico”, como foi pronunciado na época:
Não. Eu não participei. Eu acho, assim,
que felizmente ou infelizmente é criada uma expectativa para os JINEF desde que
se entra aqui. (...). Então esse ano que eles fizeram isso ficou meio assim, eu
achei que veio muito contra o que estava sendo feito. Então foi, não sei se
estou usando a palavra certa, mas jogado de uma forma, combatendo de frente. Talvez
se tivesse sido aos poucos, até teria sido mais aceito. Eu senti que não foi
muito bem aceito. Porque sempre a mesma coisa ia sendo esperada e de repente
foi tudo modificado. (...) infelizmente, eu acho que uma ideia a ser
considerada, só que ficou meio fora dos padrões do que se espera dos
JINEF. (Antialtleta Marília).
Olha, eu não participei. Eu vim, até
poderia ter participado, não participei porque eu soube que eles foram
alternativos depois de eles acontecerem. E pelo o que eu ouvi, todos comentaram
que não foi uma coisa bem aceita. Talvez pelo próprio fato de eles serem
alternativos, de não ter o espírito competitivo imbuído na sua essência.
(Antiatleta Simão).
Cara! Eu participei dos JINEF. Porque se
fosse para reclamar de alguma coisa, a gente teria que participar para depois a
gente falar. Mesmo para elogiar. Eu acho que a ideia é legal. Só que não dá
para ser assim: “ah, não, vamos fazer alguma coisa para mudar radicalmente tudo
que está acontecendo”. Os JINEF já têm bastante tempo. Nossa, tem muito tempo.
Por bem ou por mal, vem sempre seguindo o mesmo modelo. Daí tu chegares num
semestre e “ah, não, vamos mudar tudo”, sabe? Acho que é muito radical, muito
radical, daí eu acho que não dá certo. (Não atleta Talita).
As mudanças são como querer mudar a
Educação Física na escola. O pessoal já tudo está aquela coisa de futebol na
cabeça, então a mudança tem que ser aos poucos e eles mudaram muito,
radicalmente. (...) mudou tudo, tudo. Mas eles têm o direito de mudar tudo,
acho que a gente não estava acostumado, não estava esperando. (...) mas ficar
sempre no normal também não dá. Eu acho que foi válida a experiência deles,
podia até ser seguido por outros, mas aos poucos, não tão bruscamente. (Atleta
Jaqueline).
Participei. Eu acho assim: eu acho legal,
que podia mesclar, não precisava ser ou só alternativo ou só competitivo. Eu
acho assim: eu participei. Só participou gente que sabia jogar. Poucos calouros
participaram, poucos da 2ª fase participaram. Participaram mais da 3ª e 4ª
[fases] para cima. (...) eu acho. Exclui, porque a pessoa sabe que pode ter a
regra diferente, mas talvez não seja habilidosa ... fica com vergonha porque
não está com a tua turma[7].
(...) na turma tu confias nas pessoas, tu já conheces. (Atleta Leila).
Observamos em todas as falas certo
desapontamento, a maioria considerando ter havido uma espécie de despreparo
para a mudança, evidente na fala de Jaqueline: “eles tem o direito de mudar
tudo, acho que a gente não estava acostumado, não estava esperando”.
A tradição é encarada como a preservação
da nossa história/memória, do que conhecemos e nos constitui, então o novo deve
surgir, sugerem os entrevistados, com moderação para que possamos continuar nos
reconhecendo. Uma proposta diferenciada seria até uma “ideia a ser
considerada”, mas que “ficou meio fora dos padrões ao que se espera dos JINEF”,
como diz Marília, ou ainda “legal”, conforme Leila, mas que “não precisava ser
ou só alternativo ou só competitivo”.
Parece haver um impasse entre querer
mudar, aceitar a mudança e vivê-la no plano prático das modalidades, pois o
modelo esportivo dominante é muito forte e representativo e sua influência na
formação de professores de Educação Física é notável, além de fonte de
identidade irrenunciável para muitos dos futuros profissionais.
Para elucidar tal constatação é de se
destacar uma passagem dos JINEF alternativos. Um atleta, reconhecido no curso
por sua performance, ao fim do primeiro tempo de jogo olhou para o banco de
reservas, onde supostamente estavam os que não sabiam jogar e falou “agora
vocês podem entrar para brincar, [pois] já fizemos a nossa parte”.
Além de todas essas controvérsias notamos
na fala de Leila uma desaprovação aos jogos alternativos, por não cumprirem uma
velha função do esporte, conforme Elias & Dunning (1992), a da
identificação coletiva, o pertencimento, já que não se jogava com a própria
turma –e isso supostamente afastava as pessoas menos aptas, que se sentiam
desprotegidas fora do grupo.
Mesmo em um quadro de incertezas, temos
uma clara representação da resistência a mudanças e da defesa do esporte e
consequentemente dos JINEF em seus moldes tradicionais. Um bom exemplo é a
convicção do atleta Ronaldo, que não participou do evento, pois aqueles Jogos
não tinham nenhuma semelhança com o velho e bom esporte.
Eu não participei, eu não participei. Como
são as coisas... não despertava a vontade, sabe? Eu gosto de desafio e aquilo
não me desafiava em nada. Porque eram Jogos completamente diferentes, em que
tinha uma gincana e tudo mais, não é? Então eu não curtia aqueles Jogos, então
eu não participei. Até eu sei que muita gente não participou porque ficou bem
aquém do esperado. (Atleta Ronaldo).
Ronaldo toma sua posição sem simular
qualquer aceitação, apenas se justifica dizendo que é movido a desafios e
aqueles jogos não “me desafiava (m) em nada”. Além de nos aproximar da idéia
sugerida por Elias & Dunning (1992) de que existe uma excitação derivada do
prazer do próprio desafio, mostra sua opção pela preservação do esporte. Isto o
diferencia dos integrantes de outros grupos, mas acentua a tensão entre o
tradicional e o não tradicional.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Identificamos que os JINEF –um dos momentos do currículo (vivo) no qual
se pode ou poderia se experimentar/vivenciar algumas possibilidades de
redimensionar/transformar os esportes, conforme indicam as perspectivas
estudadas no próprio curso de formação da UFSC– são
um evento fortemente catalisador, expressando muitas das complexidades,
paradoxos e ambiguidades inerentes ao esporte e suas expressões na formação
profissional.
Estas ambiguidades e significados
atribuídos ao esporte no contexto da formação profissional são os mesmos que o
legitimam fora dela e se relacionam, entre outros aspectos, mas principalmente,
ao lugar social da biografia esportiva na formação de cada um. As biografias dos acadêmicos estudados
apontam a prática esportiva como um elemento significativo na formação
profissional e pessoal dos professores de Educação Física. Os significados
atribuídos ao esporte no contexto dessa formação são os mesmos que o
legitimavam foram dela– as representações da prática esportiva são fortemente
demarcadas pelo modelo esportivo hegemônico.
Quanto à possível superação desse modelo
nas perspectivas progressistas da área, propostas e discutidas ao longo do
curso de formação, consideramos que apesar de já termos dado alguns passos,
como na elaboração das propostas bem estruturadas, bem como em tentativas de
concretizá-las, a exemplo dos JINEF “alternativos”, ainda há muito o que fazer.
O modelo dominante é muito forte no imaginário dos futuros professores.
A superação do atual modelo esportivo só será possível quando
acompanhar a transformação da sociedade. No entanto, a sociedade muda também
por meio do esporte. Resta saber o quanto seremos capazes de superar um modelo
tão naturalizado.
REFERÊNCIAS
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Rio de Janeiro: Sprint.
10. Nascimento, M. A., & Melo, V. A.
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11. Oliveira, M. A. T. (2003a). Educação física escolar e ditadura militar
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12. Oliveira, M. A. T. (2003b).
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18. Vieira, C.L.N. (2004). “Sem
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19. Zaluar, A. (1991). O
esporte na educação e na política pública. Educação
& Sociedade, 12(38), 19-45.
Recepción: 01-12-2013
Aprobación: 01-05-2014
[1] O presente texto tem como origem um Trabalho de Conclusão de Curso de Licenciatura em Educação Física (Vieira, 2004), tendo uma versão preliminar sido apresentada e publicada nos anais do 2o Congresso Sul Brasileiro de Ciências do Esporte (Vieira & Vaz, 2004).
[2] Oliveira (2003a) em seu trabalho Educação Física Escolar e Ditadura Militar no Brasil (1968-1984) relata que no conjunto de depoimentos por ele colhidos as perspectivas do esporte se confundem no contexto da formação e, das aulas de Educação Física escolar. Dos doze professores escolares entrevistados, cinco deles tiveram a formação esportiva e sete não tiveram essa formação. Enquanto uns apontavam a possibilidade educativa, outros declaravam que era o que estava posto na época. Para alguns, esporte e Educação Física chegavam a se confundir no momento estudado. Para outros há um apontamento de tensão entre esporte como meio educativo e o esporte como fim em si, ou esporte de rendimento.
[3] Com fins de preservação dos informantes, os nomes relatados no texto são todos fictícios.
[4] Importante ressaltar que no semestre 2002.2 os JINEF tiveram uma configuração diferenciada, contando com as modalidades “tradicionais” (natação, atletismo, voleibol, futebol suíço) além de tênis de campo e jogos de mesa (truco, xadrez, dominó). Porém, todas as modalidades tinham um tempo jogado com regras oficiais e outro com regras “adaptadas para a escola”, conforme o regulamento. Por exemplo, o basquetebol era com mais do que cinco jogadores, a cesta era um bambolê que um acadêmico de cada equipe segurava no fundo da quadra. Na natação havia um revezamento com troca de roupas dentro da piscina, enfim, cada modalidade era adaptada conforme as criações dos organizadores.
[5] A organização dos JINEF 2004.1 priorizou certa “profissionalização” do evento: cartazes de patrocinadores nos ginásios, distribuição de camisetas para os integrantes das equipes com logo do evento e patrocinador; estrutura bastante organizada com filmagens e fotos do evento, as últimas expostas num site próprio (www.jinef.cjb.net), além de uma tenda com som todas as noites, quando, durante a semana, eram realizados os Jogos.
[6] Neste sentido ver o trabalho de Alba Zaluar (1991).
[7] As inscrições daqueles JINEF foram feitas individualmente e posteriormente foi realizado um sorteio para a definição das equipes. Portanto as equipes eram mistas e contavam com pessoas de todas as fases.