RESENHA DO LIVRO: O CORPO UTÓPICO, AS HETEROTOPIAS
Reseña del libro: EL CUERPO UTÓPICO, LAS HETEROTOPÍAS
BOOK review: THE UTOPIAN BODY, THE HETEROTOPIAS
Título
de la obra: O Corpo Utópico, As Heterotopias
Autor: Michel Foucault
Año de publicación: 2013
Editorial: n-1 Edições
Información de lugar de edición: http://www.n-1publications.org
ISBN: 978-85-66943-07-8
Número de páginas: 112
Maria Isabel Brandão de Souza Mendes
Graduada em Educação Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Brasil),
Especialista, Mestrado e Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil). Pós-Doutorado pela Université de Montpellier II (Francia).
Docente do Departamento de Educação Física da Graduação e da Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal - Brasil).
Rosie Marie Nascimento de Medeiros
Mestrado e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Brasil).
Docente do Departamento de Educação Física da Graduação e da Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Natal – Brasil).
Mendes, M. B., & Medeiros R. N. (2015). Resenha do livro: O Corpo Utópico, as Heterotopias. Educación Física y Deporte, 34 (2), Jul.-Dic. http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v34n2a12
DOI: 10.17533/udea.efyd.v34n2a12
URL DOI: http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v34n2a12
RESUMO
Esta resenha analisa o livro “O corpo utópico, as heterotopias”, de Michel Foucault. A obra analisada traz contribuições emblemáticas para o debate sobre corpo e espaço. O livro tem relevância para os estudos nas humanidades, evidenciando espaços diferentes capazes de aglutinar corpos diversos que não são levados em consideração dentro de sistemas normalizadores.
PALAVRAS-CHAVE: Corpo humano. Espaço. Filosofia.
RESUMEN
Este reseña analiza el libro "El cuerpo utópico, las heterotopías" de Michel Foucault. La obra analizada trae contribuciones emblemáticas al debate sobre el cuerpo y el espacio. El libro tiene relevancia para los estudios de humanidades, que muestra diferentes espacios capaces de unir cuerpos diversos que no son tomados en cuenta en los sistemas normalizadores.
PALABRAS CLAVE: Cuerpo humano. Espacio. Filosofía.
ABSTRACT
This review analyzes the book "The utopian body, the heterotopias" by Michel Foucault. The analyzed study brings emblematic contributions to the debate about body and space. The book has relevance for studies in the humanities, showing different spaces able to bring together various bodies that are not taken into account in normalizing systems.
KEYWORDS: Human Body. Space. Philosophy.
O livro “O corpo utópico, as heterotopias” foi escrito com base em duas conferências radiofônicas proferidas por Michel Foucault, nos dias 7 e 21 de dezembro de 1966, no France-Culture. Este livro foi publicado no Brasil em 2013 em edição bilíngüe (português-francês) pela N-1 Edições e traduzido por Salma Tannus Muchail. Com relação à edição francesa encontramos uma publicação de 2009 pela Lignes. “O corpo utópico, as heterotopias” está organizado em três partes. As duas primeiras intituladas “O corpo utópico” e “As heterotopias”, escritas por Michel Foucault se entrelaçam com a terceira parte, ou seja, com o posfácio de Daniel Defert.O livro chama a atenção do leitor, quando em suas páginas, encontra-se uma linguagem mais próxima da literatura, o que o diferencia de outras publicações do filósofo. Em seu cerne, a obra analisada traz contribuições emblemáticas para o debate sobre corpo e espaço. Em “O corpo utópico”, a citação seguinte chama a atenção: “Meu corpo é o contrário de uma utopia, é o que jamais se encontra sob outro céu, lugar absoluto, pequeno fragmento de espaço com o qual, no sentido estrito, faço corpo” (Foucault, 2013, p.7). Foucault inicia dizendo que o corpo não é o mesmo que uma utopia e ao mesmo tempo o chama de “topia” implacável. Afirma que as utopias foram feitas contra o corpo. Para transfigurá-lo. Torná-lo belo, como num país das fadas, num país mágico. Logo a seguir expõe também que há uma utopia feita para apagar o corpo e a relaciona com o país dos mortos, como as múmias ou até as pinturas e esculturas dos túmulos. Para ressaltar a utopia capaz de apagar a triste topologia do corpo, cita o grande mito da alma. A alma é “meu corpo liso, castrado, arredondado como uma bolha de sabão” (p. 9). Foucault diz que a alma, os túmulos, os gênios e as fadas são utopias que podem fazer o corpo desaparecer.Mas, ao mesmo tempo, o autor fala que o corpo não se deixa reduzir tão facilmente, pois possui fontes próprias.
O corpo utópico é simultaneamente incompreensível, penetrável e opaco, aberto e fechado, visível e invisível. Leve, transparente e imponderável. Evidencia ainda que para que o corpo seja utopia, basta ser um corpo.No decorrer da obra. Foucault reconhece que se enganou ao dizer que as utopias se voltavam contra o corpo e tinham como objetivo apagá-lo. Para ele, as utopias nascem do próprio corpo e talvez retornem contra ele. Certeza somente de que “o corpo humano é o ator principal de todas as utopias” (2013, p.12).Das utopias dos gigantes, o autor passa para a reflexão sobre as máscaras, a maquiagem e a tatuagem. Utopias que fazem o corpo se comunicar com poderes secretos e forças invisíveis, passando de seu espaço próprio para um espaço outro. Foucault diz ainda que tudo que se refere ao corpo, como a cor, a tiara, a vestimenta, dentre outros elementos, faz nascer as utopias no corpo. Além dessa reflexão sobre as coisas, Foucault também discorre sobre a ligação do corpo com o restante do mundo. Após tecer uma relação intrínseca entre corpo e mundo, Foucault elege o espelho e o cadáver como responsáveis por nos ensinar que temos um corpo e que este ocupa um lugar. Graças a eles, o corpo não é simplesmente utopia. Para o filósofo, o amor, assim como o espelho e a morte, abranda a utopia do nosso corpo.
Em “As heterotopias”, Michel Foucault faz alusão aos espaços situados, pois para ele não há espaços neutros. Nas suas palavras diz que “vive-se, morre-se, ama-se em um espaço quadriculado, recortado, matizado, com zonas claras e sombras, diferenças de níveis, degraus de escada, vãos, relevos, regiões duras e outras quebradiças, penetráveis, porosas” (2013, p.19). A seguir, ao falar dos lugares considerados plenamente diferentes, dos “contraespaços”, Foucault os denomina de heterotopias. Seja o fundo do jardim, o celeiro ou até mesmo a grande cama dos pais para as crianças. Ao citar os adultos, ele destaca os jardins, os cemitérios, os asilos, as casas de tolerância, as prisões, as colônias de férias, dentre outros.Em sua escritura exibe seu sonho, que se resume à ciência que teria como objeto de estudo estes espaços diferentes e a nomeia de heterotopologia. Uma ciência capaz de estudar as contestações do espaço em que habitamos, as heterotopias. Foucault fornece então, alguns princípios dessa ciência.
O primeiro princípio está claro e consiste na ideia de que não existe possivelmente nenhuma sociedade que não crie suas heterotopias. Entretanto, as heterotopias adquirem formas diversas. Foucault também menciona que talvez não exista uma só heterotopia que tenha ficado sempre a mesma. Diz ainda que as sociedades poderiam ser classificadas segundo suas heterotopias. Dá o exemplo das sociedades primitivas, com seus lugares privilegiados, sagrados ou até proibidos. Lugares destinados aos indivíduos “em crise biológica” (2013, p.21), o que desapareceu na nossa sociedade e foi substituída pelas heterotopias do desvio. Sejam as casas de repouso, as clínicas psiquiátricas ou as prisões, por exemplo. Posteriormente, Foucault passa então para o segundo princípio da heterotopologia, que consiste na ideia de que uma sociedade pode fazer uma heterotopia sumir ou então criar outra que ainda não existe. O terceiro e quarto princípios da heterotopologia são diluídos no texto.
O terceiro seria a compreensão de que a heterotopia dispõe, em um lugar real, diversos espaços que frequentemente mostrariam incompatibilidades, como o teatro ou o cinema. O quarto princípio está relacionado às heterotopias do tempo ligadas à eternidade, como os museus e as bibliotecas.
Ou ainda, as heterotopias ligadas ao tempo, mas não à eternidade, mas sim, aquelas crônicas, como as feiras e as colônias de férias.Para finalizar, Foucault aponta o quinto princípio da heterotopologia, ou seja, a ideia de que as heterotopias “possuem sempre um sistema de abertura e de fechamento que as isola em relação ao espaço circundante” (2013, p.26). Quer dizer, que se entra numa heterotopia por obrigação ou por submissão à ritos ou à purificação. No entanto, existem heterotopias que são um livro aberto, porém tem “a propriedade de nos manter de fora” (2013, p.27).
E existem também outras que parecem abertas, mas só quem entra são os iniciados. Na terceira parte do livro temos o posfácio de Daniel Defert que inicia mostrando a relação da conferência proferida em março de 1967 por Foucault com a arquitetura, visando o espaço, além de destacar a proposição do filósofo sobre a heterotopologia.A seguir, Defert divide sua escrita em quatro momentos. No primeiro e no segundo, o autor reforça o encontro de Foucault com os arquitetos e a sua proposição da heterotopologia, estabelecendo relações com a heterotopia. Já no terceiro momento, Defert ressalta as pesquisas feitas por Foucault em equipe sobre a história dos equipamentos coletivos, dentre os quais cita o “Panóptico de Bentham”. Para finalizar, Defert exibe relações entre poder, saber e espaços nas obras de Foucault, especialmente a partir da obra “Vigiar e Punir”, trazendo à tona a ideia de heterotopia.
Diante da sutileza do livro escrito por Michel Foucault, podemos observar que a discussão sobre corpo e espaço tecida pelo autor aproximam-se de alguns estudos de Maurice Merleau-Ponty, em especial, “Fenomenologia da Percepção” e “Conversas” (Merleau-Ponty, 1999; 2004). Merleau-Ponty (1999), filósofo de referência nos estudos sobre o corpo afirma em 1945 na edição francesa, a relação do corpo com o mundo, trazendo também à cena a espacialidade do corpo e sua capacidade de se expressar, diferentemente de um corpo visto somente como um objeto. Outra relação que podemos estabelecer é a superação da compreensão de que o espaço é absoluto e descontextualizado tão criticada por Merleau-Ponty (2004) em 1948, nas transmissões do Programa da Radiodifusão Francesa. Para ambos, os espaços são situados e heterogêneos.Ao superar também uma visão mecânica de corpo e de espaço, o livro “O corpo utópico, as heterotopias” com seu tom literário instiga o leitor a viajar do mundo das fadas ao reino da mote e dos cemitérios. Perpassa máscaras, maquiagem e tatuagem, exibindo criações que nascem do corpo para se comunicar.
O livro de Foucault se dirige com muita astúcia para os contra-espaços, ou seja, para os espaços diferentes capazes de aglutinar corpos diversos que não são levados em consideração dentro de sistemas normalizadores. Em sua obra, o autor traz contribuições relevantes para a Educação Física, ao superar a naturalização do corpo e do espaço, demonstrando as resistências do diverso perante a normalidade. “O corpo utópico, as heterotopias” é relevante para estudantes e profissionais de diversas áreas do conhecimento que se interessam pelos estudos das humanidades.
REFERÊNCIAS
Recepción 24-08-2015
Aprobación: 11-12-2015