AVALIAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE A QUALIDADE DA FORMAÇÃO CONTINUADA PROMOVIDA PELA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE FLORIANÓPOLIS (BRASIL)

EVALUACIÓN DE LOS PROFESORES DE EDUCACIÓN FÍSICA SOBRE LA CALIDAD DE LA FORMACIÓN CONTINUADA PROMOVIDA POR LA RED MUNICIPAL DE ENSEÑANZA DE FLORIANÓPOLIS (BRASIL)

EVALUATION TO TEACHERS OF PHYSICAL EDUCATION ABOUT OF THE QUALITY OF CONTINUING PROFESSIONAL DEVELOPMENT PROMOTED BY TEACHING MUNICIPAL OF FLORIANOPOLIS (BRASIL)

 

10.17533/udea.efyd.v33n2a05

URL DOI:

http://dx.doi.org/10.17533/udea.efyd.v33n2a05

 

André Justino dos Santos Costa

Doutorado pela Universidade de São Paulo, Mestrado em Biodinâmica do Movimento Humano pela Universidade de São Paulo, Professor Adjunto Universidade Federal de Pernambuco (Recife, Brasil)

andre.santoscosta@ufpe.br

 

Jaison José Bassani

Doutorado pela Universidade Federal de Santa Catarina, Professor Adjunto Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis, Brasil)

jaisonbassani@uol.com.br

 

Santos-Costa, A. J. & Bassani, J. J. (2014). Avaliação de professores de educação física sobre a qualidade da formação continuada promovida pela Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (Brasil). Educación Física y Deporte, 33 (2), 313-342 Jul-Dic. http://doi.org/10.17533/udea.efyd.v33n2a05


 

RESUMO

A formação contínua é uma das exigências do professor e parte do trabalho docente. Considerando que a Rede Municipal de Ensino (RME) de Florianópolis (Brasil) garante a promoção de formação contínua há muitos anos, na presente pesquisa indago sobre as avaliações que fizeram professores de Educação Física sobre a formação oferecida e identifico unidades de sentido relacionadas à qualidade desses momentos. Foi feita uma análise qualitativa das respostas dos professores em diferentes etapas do curso e situações funcionais. As expressões dos professores foram organizadas em quatro tópicos, que sinalizam aspectos relevantes: participação efetiva dos professores, foco na reflexão sobre a prática, objetividade nos encontros e continuidade das propostas. Constatou-se que a formação contínua é um processo estabelecido nesta rede, mas que os professores questionam sua qualidade. Também não reconhecem como de qualidade os cursos oferecidos na modalidade à distância. Além disso indicam que o processo não é sempre reconhecido como um momento importante, tanto pelos diretores quanto pelos professores.

PALABRAS CLAVES: Educação Contínua – Educação Física – Educação Primária.

 

RESUMEN

La formación continua es una de las demandas del profesor y parte del trabajo docente. Considerando que La Red Municipal de Enseñanza (RME) de Florianópolis (Brasil) garantiza la promoción de formación continua hace muchos años, la presente investigación indagó sobre las evaluaciones que hicieron profesores de Educación Física sobre la formación ofrecida, e identificó unidades de sentido relacionadas con la calidad de esos momentos. Se hizo un análisis cualitativo de las respuestas de los profesores en diferentes etapas de la carrera y situaciones funcionales. Las expresiones de los profesores fueron organizadas en cuatro tópicos, que señalan aspectos relevantes: participación efectiva de los profesores, foco en la reflexión sobre la práctica, objetividad en los encuentros y continuidad de las propuestas. Se constata que la formación continua es un proceso establecido en esta red, pero los profesores cuestionan su calidad. Tampoco reconocen como de calidad los cursos ofrecidos en la modalidad a distancia. Asimismo, indican que el proceso no es siempre reconocido como un momento importante, sea por directores o por profesores.

PALABRAS CLAVES: Educación continua, educación física, enseñanza primaria

 

ABSTRACT

Continuing Education is a need for the teacher as it is a part of the teaching job. Taking into account that Municipal Education Network of Florianópolis promotes continuing education for several years, this research aimed to know the assessment of the Physical Education teachers on the continuing education provided and identify sense units regarding the quality of those moments. A qualitative analysis has been made of their speeches, in different career stages and functional contexts. Their speeches have been organized under four topics, which signal relevant aspects: effective participation of the teachers, focus on reflecting over practice, meeting objectivity and proposal continuity. It has been observed that continuing education is an established process in that network, but the teachers still question its quality. That is also noted on the distance learning model. At last, they indicate that the process is not always reckoned as an important moment, whether by principals or teachers.

KEYWORDS: Continuing education, physical education, primary education


 

INTRODUÇÃO

Partindo de uma perspectiva epistemológica que considera a prática profissional (Tardif, 2000), especificamente do ponto de vista do ofício de professor, considera-se importante a compreensão das práticas que têm caracterizado a realidade educacional. A formação continuada é considerada, neste âmbito, como uma das principais necessidades de professores e outros profissionais que atuam em ambientes educacionais.

Segundo Rossi & Hunger (2012), a temática da formação continuada tem se tornado cada vez mais recorrente no campo educacional, tendo em vista que ao docente é atribuída a responsabilidade pela aprendizagem dos estudantes, o que demanda, entre outros aspectos, um investimento permanente na sua formação e qualificação. No entanto, para esses autores, a formação continuada, em muitos dos seus contextos e formas, não tem contribuído suficientemente para a melhoria da prática pedagógica, já que muitas iniciativas não consideram, por exemplo, os saberes experienciais dos professores em formação.

No Brasil, a formação continuada faz parte das recomendações do governo federal para a Educação Básica, pelo menos desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9394 de 1996 (PR, 1996). Em 2010, foi publicada a Resolução n. 4/2010 (CNE/CEB, 2010), que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Nesse documento fica definido, entre outros elementos, que os programas de formação de professores (inicial e continuada) devem preparar os profissionais para; “[...] pesquisar, orientar, avaliar e elaborar propostas, isto é, interpretar e reconstruir o conhecimento coletivamente”; “trabalhar cooperativamente em equipe”; “compreender, interpretar e aplicar a linguagem e os instrumentos produzidos ao longo da evolução tecnológica, econômica e organizativa”; e “desenvolver competências para integração com a comunidade e para o relacionamento com as famílias” (CNE/CEB, 2010, art. 57).

Por formação continuada” compreende-se, tanto do ponto de vista dos documentos referidos acima quanto do emprego que se faz frequentemente desse conceito no contexto brasileiro, a um tipo de formação

oferecida pelas secretarias de educação aos profissionais que atuam em suas redes e que tem como objetivos a atualização e aprofundamento dos conhecimentos. Esse destaque faz-se necessário, uma vez que, no Brasil, outros tipos de modalidades, como cursos especiais para formação em nível médio ou superior de professores já atuantes nas redes e que não possuíam a titulação adequada para o cargo também receberam o nome de formação continuada. (Oliveira, 2011, p.51).

 

A formação continuada de professores é fundamental a partir de quatro argumentos principais, de acordo com Davis, Nunes, Almeida, Silva & Souza (2011): as limitações da formação inicial, que acarretam lacunas na prática docente; o fato de o campo educacional ser muito dinâmico; a necessidade de se produzir novos conhecimentos sobre as relações de ensino-aprendizagem; e a necessidade de se exigir dos professores o aprimoramento e a expansão da sua base de conceitos e habilidades pedagógicas.

Além de ser uma exigência governamental e uma necessidade para o aperfeiçoamento profissional, para Wittizorecki & Molina Neto (2005), a formação continuada é parte do próprio trabalho docente, seja quando promovida pela gestão pública, seja decorrente da própria iniciativa pessoal do professor. Em função de sua importância, essa dimensão está em nível de igualdade com outras tantas funções e atividades que caracterizam o fazer do professor.

O desenvolvimento da carreira profissional do professor é permeado pela necessidade da aquisição de conhecimentos e competências para o processo de ensino-aprendizagem. Por consequência, é importante procurarmos associar este conceito de conhecimento profissional a situações concretas vividas por professores. Segundo Tardif (2000, p.11), “querer estudar os saberes profissionais sem associá-los a uma situação de ensino, a práticas de ensino e a um professor seria, então, um absurdo”, e compreender a situação da formação continuada oferecida a professores requer, sob esse ponto de vista, que se considere a realidade específica de uma proposta de formação em desenvolvimento.

Para tal contextualização foi selecionada a Rede Municipal de Ensino (RME) do município de Florianópolis, cidade com cerca de 460 mil habitantes, capital do Estado de Santa Catarina, localizado na região sul do Brasil, composta por 36 unidades educacionais com atendimento ao Ensino Fundamental (crianças de 6 a 14 anos).

O Plano Municipal de Educação da cidade, publicado em 2010, afirma no seu eixo “Formação e Valorização dos Trabalhadores da Educação, que a qualificação do pessoal docente se apresenta hoje como um dos maiores desafios”, e que, para a garantia da oferta de uma educação de qualidade, “é indispensável adotar uma política de gestão voltada à formação inicial e continuada e de valorização dos profissionais da educação” (PFM, 2010, p. 119-120). Nesse mesmo eixo também lemos que a formação continuada do magistério “tem como finalidade a reflexão sobre a prática educacional e a busca do aperfeiçoamento técnico, ético e político. Segundo Rotelli (2012, p. 45-46), a RME de Florianópolis

oferece formação continuada para as áreas do conhecimento que compõem as disciplinas ofertadas. As ações de formação são realizadas no Centro de Educação Continuada (CEC), situado no Centro de Florianópolis, local onde está sediada a Gerência de Formação Permanente. Esta formação compreende encontros mensais, com os assessores de área da Rede, geralmente professores efetivos, designados para esta função.

 

A formação continuada, segundo o Plano de Carreira do Magistério da Prefeitura Municipal de Florianópolis, é incentivada e valorizada por meio da “Promoção por Aperfeiçoamento”, que pode ser solicitada pelo profissional mediante a comprovação de certificados de conclusão de cursos oferecidos tanto pela própria Secretaria Municipal de Educação (SME) quanto por outras instituições educacionais, e que resulta, entre outros benefícios, no aumento progressivo dos vencimentos (PMF, 1988, art. 11ss).

A formação continuada de professores é oferecida de modo sistemático pela SME dessa cidade há pelo menos três décadas. Segundo Oliveira (2011), a atual estrutura da Secretaria de Educação foi definida em 2009, quando houve a criação de um setor dedicado à formação continuada dos professores, denominada Gerência de Formação Permanente (GEPE). Esse órgão atua em conjunto com os Departamentos de Ensino Fundamental (DEF) e de Educação Infantil (DEI) na promoção dos encontros da “formação centralizada” (ou seja, os encontros realizados no CEC e que visam atender ao conjunto de professores da RME, organizados de acordo com a disciplina e a etapa da Educação Básica em que atuam), para cada um desses setores, coordenada por assessores designados para cada grupo. A carga horária dos encontros, definida pela referida secretaria, é de oito horas por mês, geralmente concentradas em um dia da semana, selecionado anualmente em caráter de rodízio entre os diversos grupos de formação.[1]

Especificamente no caso dos professores de Educação Física que atuam no Ensino Fundamental (1º ao 9º Ano), desde 2009 ocorreu um processo de desarticulação do programa de formação, marcado pela oferta de diversas propostas pontuais de estudos, geralmente a partir de demandas levantadas pelos próprios docentes ou a partir das prioridades elencadas pelo referido DEF. Essa desarticulação atingiu seu ápice em 2012, quando o assessor responsável pela área de Educação Física se exonerou da RME e não foi substituído por nenhum outro profissional. Naquele momento, os professores identificaram a inexistência de uma direção para o programa de formação continuada e decidiram assumir a responsabilidade por esta demanda, inspirados no modelo do Grupo Independente de Estudos de Educação Física na Educação Infantil (GIEFEI),[2] atuante desde 2004. Essa iniciativa durou cerca de seis meses, até o início de 2013, quando o DEF sugeriu que o grupo de professores continuasse responsável pelo processo, mas sob a chancela da SME, e dois professores vinculados à RME e atuantes no Ensino Fundamental foram então convidados para coordenar voluntariamente o grupo, realizando a articulação necessária com a Secretaria.

Com base na trajetória da formação continuada nesta rede de ensino, o objetivo do presente trabalho foi identificar a avaliação que professores de Educação Física que atuam no Ensino Fundamental fazem sobre a qualidade da formação continuada oferecida pela RME de Florianópolis, considerando tanto o envolvimento e participação desses docentes nesse processo quanto seu tempo de atuação profissional e a situação funcional.

O texto está organizado da seguinte forma: no primeiro momento estão caracterizados os procedimentos metodológicos e os sujeitos da pesquisa. Em seguida, identificamos alguns aspectos mencionados pelos sujeitos e discutimos suas implicações. Neste ponto também identificamos as impressões dos professores entrevistados diante de uma nova modalidade de formação, a Educação à Distância. Por fim, concluímos com a identificação do estágio em que se encontra a formação continuada dos professores de Educação Física nesta rede e quais são alguns dos próximos desafios.

 

DELINEAMENTOS METODOLÓGICOS

O presente estudo caracteriza-se cómo descritivo-diagnóstico quanto aos seus objetivos, pois visou identificar e descrever características, práticas e opiniões de professores de Educação Física sobre a qualidade da formação continuada oferecida pela RME de Florianópolis. Os sujeitos investigados foram selecionados de forma intencional e não probabilística entre os professores que participam ou participaram dos processos de formação continuada oferecidos pela RME de Florianópolis. Optou-se por aqueles docentes que tiveram participação ativa e destacada nos encontros nos dois anos anteriores (2011 e 2012)[3], incluindo um professor recém-aposentado e um que estivesse afastado das suas atribuições docentes para atuar como assessor (gestor) junto à Secretaria. Foi definido o número de cinco entrevistas, buscando contemplar diversas situações da carreira profissional desses professores.

Os dados foram produzidos por meio de entrevista semiestruturada orientada por um roteiro especificamente constituído para esta finalidade. O roteiro contemplou questões sobre: o tempo de carreira e atuação na RME e também sobre a formação inicial dos professores (graduação e pós-graduação); experiências dos professores no programa de formação continuada oferecido pela RME, suas impressões e opiniões sobre os conteúdos e as características do programa durante o período em que participaram; sua participação nos cursos oferecidos na modalidade Educação à Distância; e, finalmente, sugestões que teriam para a melhoria do programa.

As entrevistas foram realizadas com três professoras de Educação Física que atuam no Ensino Fundamental (sendo duas efetivas e uma ACT[4]), além de uma professora aposentada e um professor afastado para funções administrativas junto à SME.

A participação dos professores foi voluntária e as entrevista foram realizadas individualmente e em local escolhido pelos próprios entrevistados. Inicialmente foram explicados os objetivos e procedimentos da pesquisa, e em seguida os entrevistados leram e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Com o consentimento dos participantes, as entrevistas foram gravadas, sendo posteriormente transcritas e enviadas por e-mail para cada entrevistado, juntamente com uma cópia digital do TCLE, de modo que pudessem rever e alterar o conteúdo de suas declarações da maneira que considerasse apropriado (Folle, Farias, Boscatto & Nascimento, 2009).

As entrevistas, posteriormente, foram interpretadas qualitativamente por meio da elaboração de um quadro de análise em que se buscou identificar semelhanças e discrepâncias nas respostas dos professores, assim como elementos explicativos para suas respostas. Através deste quadro foi possível associar elementos relevantes para a compreensão do processo da formação continuada sob o olhar desses professores.

 

Os sujeitos da pesquisa

Os cinco professores selecionados como sujeitos desta pesquisa são profissionais com histórico de participação na formação continuada promovida pela RME. Como a seleção dos sujeitos foi realizada de modo intencional, acreditamos que os resultados das entrevistas não podem ser extrapolados para o conjunto dos professores da rede, mas contribuem para a compreensão do processo e para a identificação de demandas relacionadas à formação continuada. Os professores entrevistados serão identificados da seguinte forma:

 

       Prof01: 24 anos de carreira docente, sete anos como professora efetiva na RME Florianópolis, especialista em Fisiologia do Exercício.

       Prof02: sete anos de carreira docente, quatro anos como professora efetiva na RME Florianópolis, mestrado em Educação Física e doutorado em Educação em andamento.

       Prof03: seis anos de carreira docente, quatro anos como professora substituta na RME Florianópolis, mestrado em Educação Física.

       ProfAF: 14 anos de carreira docente, 11 anos como professor efetivo na RME Florianópolis, sete anos afastado – assessor junto à Secretaria Municipal de Educação, mestrado em Educação Física. Atuou como assessor da Educação Física no Departamento do Ensino Fundamental, auxiliando o coordenador da formação continuada entre 2008 e 2011.

       ProfAP: 26 anos de carreira docente, 26 anos como professora efetiva na RME Florianópolis, aposentada há um ano, especialista em Educação Física Infantil.

 

Um dado relevante a ser observado já na identificação dos professores é o fato de que todos os entrevistados possuem em seu currículo formação em nível de pós-graduação, seja lato ou stricto sensu. As duas professoras com mais tempo de carreira docente (Prof01 e ProfAP) cursaram pós-graduação lato sensu –que, de modo geral, no contexto brasileiro, tem como foco principal a formação profissional–, enquanto os outros três professores, mais jovens e com menos tempo de carreira docente, possuem ao menos formação em nível de mestrado. Esse dado é algo relevante também no perfil dos professores da RME estudada. Segundo informações divulgadas pela própria Secretaria de Educação, em 2011, 71,4% dos professores efetivos possuíam formação em nível de pós-graduação lato sensu e 9,7% possuíam mestrado concluído. É importante enfatizar que, tanto nos concursos públicos quanto nos processos seletivos anuais (mecanismos de entrada para a carreira docente na RME Florianópolis), está incluída uma etapa de análise de currículo acadêmico, na qual são valorizados os diplomas de cada uma dessas etapas da formação, as quais são atribuídas pontuações que são somadas ao resultado de uma prova aplicada para avaliar o conhecimento específico da área de atuação do professor candidato. Além disso, os professores efetivos contam com um Plano de Carreira em vigor, que possibilita o incremento dos vencimentos na medida em que se avança para outras etapas de formação, além de tempo de serviço e horas de cursos complementares. Também é relevante mencionar que, nos últimos 10 anos, a RME de Florianópolis tem permitido, de forma recorrente e como parte da política de formação continuada, que seus professores se afastem parcial ou integralmente de suas atividades laborais, mantendo seus vencimentos, para realizarem formação acadêmica em nível de mestrado e/ou doutorado.

 

A EXPERIÊNCIA COM A FORMAÇÃO CONTINUADA DA REDE

No primeiro momento da conversa com os professores investigados, a intenção foi instigar que expusessem suas experiências e opiniões sobre a participação na formação continuada promovida pela RME. Todos os professores entrevistados afirmaram participar dos encontros da formação continuada. No entanto, algumas questões foram levantadas, como nas falas abaixo:

 

Sempre fui às formações, quando tinha. As formações não eram muito constantes, não me lembro de ser tão forte [frequente] assim [como são atualmente]. (Prof01)

 

[Da formação] Do [ensino] fundamental, participei sempre que foi oferecida, na verdade... geralmente é uma convocação por mês ou menos, dependendo de como a Secretaria organiza. (Prof02)

 

No meu primeiro ano na rede eu não tive a oportunidade de participar, a escola [na qual trabalhava] não liberava, em 2008. Em 2009 ocorreu a mesma situação: a escola não liberava porque, como tinha muitos professores, se trabalhava no dia da formação. E a escola não liberava pra isso. Nos outros dois anos, minha participação foi um pouco mais assídua, mas também em alguns momentos a escola marcava reunião no dia da formação. (Prof03)

 

O que podemos perceber a partir do depoimento dos docentes é que, ao contrário do que afirma o Plano Municipal de Educação do município e as demais legislações em âmbito municipal e federal, a RME de Florianópolis não tem um histórico de continuidade do processo de formação, pelo menos não no caso da área de Educação Física. E, no caso da Prof03, quando há a oportunidade de participar dos encontros, aparentemente não há a contribuição da unidade de ensino na qual ela trabalha e da equipe diretiva daquela instituição. Um fator preponderante para essa falta de apoio pode ser o fato de que a entrevistada em questão é substituta, ou seja, não é uma funcionária pública com estabilidade e lotação definida, mas contratada como ACT. Em geral, os professores substitutos mudam de escola anualmente (ou até com uma periodicidade menor, dependendo da duração do contrato firmado), possuem um vínculo de trabalho bastante precário, e portanto, é provável que tenham menos vínculos e poder de negociação com a equipe diretiva das unidades em que trabalham. O que o exemplo dessa professora demonstra é que a rotatividade afeta a participação nos processos de formação continuada oferecidos pela rede municipal em um ambiente externo ao da unidade escolar.

Há outro aspecto, indicado por Bracht, Pires, Garcia & Sofiste (2002), com relação aos professores que possuem esse vínculo profissional provisório: o fato de não terem alcançado ainda estabilidade empregatícia é um aspecto bastante relevante no processo de construção da identidade docente, já que, em muitos casos, a atuação como professor em uma escola compete com outras frentes de trabalho paralelas, como, por exemplo, clubes esportivos ou academias de ginástica. Neste caso, o professor encontra-se em uma “situação conflituosa”, pois diferentes tipos de saberes precisam ser mobilizados em cada uma destas instâncias e o grau de investimento em cada uma delas pode ser reduzido por conta da concorrência na formação desta identidade.

Esses mesmos autores identificam também outro fator que pode interferir na participação de professores (tanto efetivos quanto ACTs, neste caso) em uma proposta de formação centralizada, ou seja, fora da escola em que atuam diariamente: o status que a disciplina goza no contexto escolar. Se houver desvalorização do campo da Educação Física em um contexto em que precisam ser definidas as disciplinas que prioritariamente participarão de determinada atividade, pode ser que uma disciplina que enfrenta esta dificuldade no imaginário dos demais membros da comunidade escolar seja a primeira a ser excluída. Evidentemente, professores com menos vínculos na comunidade escolar seriam duplamente penalizados nesta situação.

Por outro lado, uma outra perspectiva, identificada por Cabral (2013) ao entrevistar professores que atuam na Educação de Jovens e Adultos (EJA) da RME de Florianópolis, é a de que ocorre também um menor avanço e acúmulo nas discussões, temas e propostas abordadas na formação continuada justamente “por conta da inserção, todos os anos, de professores contratados em caráter temporário” (Cabral, 2013, p.99). Dessa forma, é como se o processo precisasse recomeçar do princípio a cada ano e perdem-se, pelo menos em parte, os progressos produzidos no ano anterior. Fica claro que o problema da rotatividade no quadro docente é percebido também como um problema pelos próprios professores.

Ainda assim, os professores pesquisados, ao relembrarem seu histórico de participação na formação continuada na RME, indicam momentos de qualidade desse processo:

 

E outro período que eu vejo, mas daí só pelo relato de professores mais antigos, era na época da Gestão Popular [1993-1996] em que os professores também eram ouvidos, apesar de ser uma formação mediada por professores da Universidade Federal, existia um departamento, uma diretoria só de Educação Física, que podia produzir só pra isso. (ProfAF)

 

Mas teve períodos em que a prefeitura foi muito bem organizada em termos de formação, foi na época do Grando [ex-prefeito de Florianópolis entre 1993-1996], muito bem estruturado, tinha uma sistemática de trabalho, tu ias na escola e nas outras formações com os outros professores, tinha uma fundamentação, "fechava" o trabalho da gente. (ProfAP)

 

Dois dos professores citam um momento histórico (da Gestão Popular, prefeito Sérgio Grando, entre 1993 e 1996) como sendo de maior qualidade na organização do trabalho por parte dos gestores municipais. O fato de haver um setor na Secretaria de Educação voltado especificamente para a área de Educação Física e que atuava no sentido de promover formação continuada junto aos professores, pode ser um sinal de busca da superação da precarização do trabalho docente (para utilizar o termo usado por Sampaio & Marin, 2004), ao menos no âmbito da capacitação e formação continuada.

Wendhausen (2006, p.122), por exemplo, ao analisar a formação continuada dos profissionais que atuam na Educação Física da Educação Infantil dessa mesma RME, ouviu o relato de uma professora que começou a trabalhar em 1990 e que reconhece em 1993 um momento de inflexão no debate da Educação Física, a partir da mobilização dirigida pela SME, com a valorização do lugar social dessa disciplina nas instituições educacionais, como creches, pré-escolas e escolas.

Também é interessante perceber que um dos professores entrevistados não atuava na rede no momento histórico citado, mas que ouviu “relato de professores mais antigos”, ou seja, é provável que essa experiência tenha sido relevante a ponto de se tornar referência de qualidade no imaginário do conjunto de professores.

A partir do relato de suas experiências com a formação continuada, foi solicitado a eles que indicassem os fatores que caracterizavam os momentos de maior e menor qualidade desse processo promovido RME. A partir de seus depoimentos, sintetizamos indicadores que podem auxiliar na definição de quais iniciativas têm maior potencial para influenciar positivamente na prática pedagógica dos docentes. Os principais fatores citados pelos professores foram organizados em quatro eixos que apresentaremos e discutiremos na sequência do texto.

 

1.     Participação efetiva dos docentes – protagonismo

Os entrevistados argumentam que os melhores momentos foram aqueles em que os professores foram chamados a contribuir na construção de documentos balizadores ou na discussão de suas práticas, ou nos momentos em que, tendo em vista uma ausência de iniciativa por parte da SME, os professores organizaram-se por conta própria para promover momentos de formação.

 

Então já ia para a formação sabendo que nós vamos construir a matriz [curricular]. Segundo, porque tinha a participação efetiva dos professores na formação. Os professores contribuíam, eles eram formados e eram formadores ao mesmo tempo. (Prof02)

 

Os professores como atores. Foi mais evidente pra mim, por isso que eu digo que 2012 foi o pico, a melhor forma, foi que os próprios professores conseguiram se perceber como atores desse processo, não se colocando apenas como ouvintes ou apenas como participantes isolados, e sim apresentaram [relatos de suas experiências pedagógicas]. O grupo se sentia mais completo, porque trazia uma realidade da escola, não era aquela realidade ideal da academia, da vitrine, da academia [sic], da universidade, seja ela federal, particular, estadual ou o que quer que seja, e traziam experiências literalmente do “chão de fábrica”, da escola. (ProfAF)

 

O que podemos perceber é que parte dos entrevistados viu na intervenção direta uma possibilidade de os professores se reconhecerem –e eventualmente também se estranharem– nas suas práticas e de se envolverem de forma intensa com a formação continuada.

Este desejo de participação também foi encontrado por Günther e Molina Neto (2000, p. 81-82), em estudo que buscou compreender os significados atribuídos pelos professores às atividades de Formação Permanente[5] desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Ensino (SMED) de Porto Alegre:

 

Os significados expressos pelos professores, no entanto, trazem uma ênfase na necessidade e desejo em participarem de forma mais efetiva em todos os momentos deste processo, desde a concepção das atividades até sua execução e avaliação [...]. O aspecto que talvez mereça maior atenção parece ser a reivindicação dos professores por uma participação mais efetiva na construção de uma política de formação permanente, assim como uma valorização maior da escola como espaço de formação, onde suas práticas pedagógicas possam ser tomadas como referência inicial para reflexões e possíveis transformações.

 

O ProfAF ressalta na sua fala a situação que está se desenvolvendo desde o segundo semestre de 2012, em que um grupo de professores se organizou de forma independente da iniciativa da Secretaria de Educação, propondo encontros de formação em que os próprios docentes contribuem e se organizam. Sobre essa iniciativa, a Prof03 opina da seguinte forma:

 

Eu estou gostando muito deste ano, esta questão de estar pensando a formação, por mais que isso leve um prazo, a gente sabe que leva um prazo mais longo para implantação, mas acho que eu gostei muito desta questão: os professores estarem construindo isso.

 

O papel da promoção de cursos, palestras ou quaisquer outras formas de formação em serviço, deve ser a construção de uma prática pedagógica coerente com o que se crê e que se construa uma reflexão sobre a própria ação. Esta constatação aumenta ainda mais a necessidade de que os professores sejam trazidos para o papel de protagonistas, e introduz o segundo aspecto citado pelos investigados para os momentos de maior qualidade percebida na formação da RME de Florianópolis.

 

2.     Oportunidade de sistematizar, socializar e repensar a prática pedagógica

 

Os professores citam momentos em que o foco das reuniões era a apresentação de suas próprias práticas ou em que foram discutidas propostas de sistematização da prática pedagógica. Vejamos:

 

Em 2011 nós começamos a discutir a Matriz [curricular do município]. Terminamos em 2011, mas não terminamos muito, ela está meio em aberto, essa matriz curricular para nós está em stand by porque ainda temos muito o que discutir sobre matriz curricular, mas como a gente tinha que entregar os documentos e tem sempre um prazo. Então aí parece que começou a ser mais significativa a formação porque a gente começou a repensar as nossas práticas, em 2011, em função da matriz. (Prof01)

 

Qual é a dificuldade nossa? É de planejamento? É de avaliação? Então vamos estudar sobre isso, vamos fazer um planejamento aqui, vamos ver se encaixa lá. Nem todo mundo vai encaixar, cada um tem uma realidade, um contexto diferente. Mas vamos tentar fazer: deu certo lá o que a gente estudou aqui na formação? [...] Então assim: como fazer isso? Como trabalhar com isso? Então tem várias formas, ideias para as pessoas passarem isso. Eu acho que tem que unir a teoria lá e a prática. (ProfAF)

 

Falando sobre a importância dos momentos de reflexão sobre a prática, Günther & Molina (2000, p.75) trazem a contribuição de Pérez Gómez (1998), que propõe diferentes perspectivas para a formação docente. Para este autor, a perspectiva mais relevante para a prática do professorado é a da reconstrução social, que toma a reflexão como um dos suportes para uma transformação das práticas sociais, entre elas o ensino”.

Cabral (2013, p.105), por sua vez, no estudo anteriormente referido com professores de EJA, ao tratar das oportunidades de reflexão da prática nos encontros de formação, revela que esses profissionais percebem e identificam a dificuldade que possuem para expor suas opiniões, serem ouvidos e atendidos em suas demandas. Inclusive as falas de três professores entrevistados pela autora indicam que os formadores, que conduziam os encontros, tinham o interesse de manter a proposta pedagógica em vigor e, portanto, não permitiam ao grupo dos professores o debate e a reflexão para a superação das dificuldades encontradas.

Segundo os professores que entrevistamos, os momentos mais profícuos da formação continuada seriam aqueles em que a prática cotidiana é colocada sob análise e reflexão. Neste caso, são percebidos como momentos que possibilitariam a superação das dificuldades que surgem na atuação de cada professor, melhorando a prática pedagógica individual, mas também da rede como um todo. Nesse sentido, os professores reconhecem a importância que experiências e projetos de ensino de Educação Física, quando planejados, registrados e analisados criticamente pelos próprios docentes –no sentido de verificação de seus limites e possibilidades– têm nesse processo de formação. Por meio da singularidade e particularidade dessas experiências pedagógicas postas sob reflexão, mas também nos aspectos que as tornam semelhantes a outros contextos, nutre-se a expectativa de que sejam capazes de servir de referência –mas não de modeloou “receita”– para outros profissionais.

 

3.     Falta de objetividade

 

O extrato da fala da Prof03, abaixo citado, resume o que os demais entrevistados identificam como sendo um fator que diminui a qualidade percebida na formação continuada da rede: a falta de objetividade.

 

Nos momentos em que eu estive presente, vi que não havia princípios claros, assim, não havia uma sistematização de formação proposta pela rede. Era sempre a vontade dos professores, aquilo que o pessoal via de necessário. Em alguns outros momentos servia como um divã, o pessoal ia ali, colocava suas reclamações, socializava, mas não [estavam] claros os objetivos a serem alcançados com essa formação.

 

Como dito, outros professores pesquisados também citaram esse problema como sendo um limitador e também como um fator de desmotivação para o grupo. Dois motivos citados nas entrevistas são: falta de uma equipe ou de um assessor junto à Secretaria de Educação para tratar especificamente dos assuntos da Educação Física, e falta de consultores que contribuam com o grupo na busca de soluções para os problemas enfrentados e na organização das discussões e na proposta de novos pontos de vista. Em ambos percebemos o reflexo de uma política pública que não dá o devido valor para o processo de formação continuada, apesar da ênfase dada nos documentos oficiais.

Falando sobre a dificuldade de participação dos professores em cursos oferecidos na realidade do município de Chapecó (SC), Sichelero & Rezer (2013, p. 35) constatam que “o modelo no qual se edifica o sistema escolar (tanto público como privado) não reconhece, na maior parte das vezes, a necessidade da formação continuada.

Na realidade apontada pelos autores, a dificuldade era de os professores acessarem oportunidades de formação continuada, seja pela oferta muito restrita, seja pelo excesso de carga horária em aula, nas escolas. Na realidade que investigamos existe a garantia de carga horária reservada para formação, no que se chama “hora-atividade”[6], e também a oferta de encontros promovidos pela própria Secretaria Municipal de Educação, em espaço apropriado. Entretanto, como vimos por meio das falas dos profissionais pesquisados, a falta de uma organização e condução adequada dos encontros, que busque tanto estabelecer objetivos e temas quanto valorizar a participação e contribuição dos professores nesse processo, leva a certa despotencialização desse tempo-espaço de formação.

De alguma forma, esse fator percebido pelos docentes entrevistados pode ser a causa da postura da própria escola, relatada pela Prof03, anteriormente citada, de agendar reuniões para o mesmo dia e horário dos encontros da formação continuada ou mesmo organizar sua grade horária de modo que os professores tenham que ministrar aula nestes dias.

 

4.     Falta de continuidade

O segundo indicador dos momentos de má qualidade, segundo a percepção dos professores, pode ser percebido nos seguintes extratos das entrevistas:

 

Do ensino fundamental é precária. Precário porque falta um pouco de estruturação, de organização, não tem, digamos assim, uma política de formação, não tem um direcionamento para as ações que são feitas. Os professores vão lá e nunca sabem qual vai ser o tema que vai ser tratado ou se vai ter tema, por acaso. Se chega lá, algumas delas não são (ou a maioria) não são específicas, como teve algumas sobre a farra-do-boi, sobre como funciona o processo de licitação (pra justificar porque que não chega material nas escolas), teve como se contabiliza as horas de curso e de formação, enfim, várias outras coisas... Hum, uma psicóloga falando sobre autoestima [risadas]. (Prof02)

 

Eu acho que deveria estar acompanhando, ter um grupo de formação, ir pra escola também, é isso, o dia a dia da escola, ver: planejei assim, mas apareceu um projeto sobre (lá da prefeitura que veio muito), um curso sobre a pele, e nós professores temos que trabalhar isso, mas no meu planejamento não estava isso. Então tem muita coisa que vem assim, chega de paraquedas, sem a gente estar planejando. (ProfAP)

 

Na percepção de ambas as professoras, o que fica evidente é que em diversos momentos da formação há interrupções ou descontinuidades do processo, o que remete aos indicadores anteriores. Por conta da “falta de organização”, muitos docentes interrompem sua participação ou comparecem aos encontros apenas por conta da convocação[7] enviada pela Prefeitura, sem, no entanto, estarem comprometidos com as discussões que terão lugar nos encontros.

Neste sentido, os resultados do estudo de Rossi & Hunger (2012, p. 927) corroboram em alguma medida a opinião dos professores de Educação Física de Florianópolis entrevistados nesta pesquisa, pois, de acordo com esses autores, não basta a implementação de ações de diferentes naturezas, em espaços e com conteúdos diferenciados, já que precisam ser contínuas: “para o grupo de entrevistados, emerge pensar na formação continuada como um processo efetivamente contínuo, superando atividades pontuais. A continuidade das ações é elemento fundador para a evolução da profissionalidade docente e prática pedagógica.

 

A formação continuada na modalidade Educação à Distância

 

Uma das questões abordadas nas entrevistas com os professores e que expôs aspectos relevantes da relação com a formação é a oferta de cursos de curta duração, semipresenciais (40h, sendo 6h presenciais e 34h a distância), através de uma plataforma digital e encontros presenciais no primeiro e no último dia de curso. A participação dos professores neste caso é totalmente voluntária, sendo que semestralmente são ofertados quatro cursos, e os professores interessados se matriculam em apenas um deles. Esse modelo começou a ser ofertado sistematicamente no segundo semestre de 2011, mas em anos anteriores houve ofertas pontuais de cursos nesses moldes.

Ao serem indagados sobre essa modalidade de formação, ficou evidente uma postura reticente, como pode se ver nas falas a seguir. Três professoras disseram que participaram de cursos a distância, mas em nenhum dos casos foi uma boa experiência. Vejamos:

 

Tentei participar do grupo a distância de Educação Integral, não consegui levar o curso a diante, porque eu não me encaixo neste perfil. Eu não tenho perfil para fazer curso à distância, porque eu preciso estar discutindo com os outros pares e não assim, mandar as questões para o grupo de discussão e um dia depois ver a resposta, aquilo já foi, então o que eu tinha dúvida ninguém me soluciona na hora. Pode ser uma questão minha, mas eu não consigo. (Prof01)

 

Não acrescentou nada. [...]. Nenhum deles eu concluí, porque tinha os encontros. Eram 2 presenciais, um no começo e outro no final. Eu fui no começo, fiz todas as atividade e tarefas que tinha que fazer e não pude ir no último. E apesar de ter entregue os trabalhos todos, ter feito todo o percurso da disciplina, porque eu não fui no último dia, não tive certificado, não conclui. Enfim, mas não faz diferença nenhuma também ter o certificado ou não, se eu cursei toda a disciplina. (Prof02)

 

Fiz um que a prefeitura mandou e até hoje não recebi o certificado, não teve muito retorno. Então fica muito superficial, você fica muito sozinha. Poderia ter alguns encontros de vez em quando. Eu participei de um e eu gosto de estar envolvida. (ProfAP)

 

No caso da Prof01 e da ProfAP, as reclamações são parecidas. O fato de o processo ser solitário e de ter poucos encontros é algo que atribuem como limitação do processo nesta modalidade. Ao mesmo tempo, a Prof02 alega que o fato de não ter participado justamente dos encontros não deveria ser motivo para que não fosse certificada, afinal, em sua opinião, se dedicou durante todo o período do curso.

Fica indicado que a modalidade à distância ainda é uma iniciativa que não está consolidada na RME, e que encontra dificuldades na sua aceitação por parte dos professores. É relevante que se continue a acompanhar esse processo de implantação, inclusive analisando o grau de participação dos professores.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo buscou reconhecer, nas vozes de professores de Educação Física da Rede Municipal de Florianópolis, contribuições que pudessem auxiliar na compreensão do processo de formação continuada oferecido pela Secretaria Municipal de Educação. Por meio de entrevistas com professores que participam de encontros sistemáticos de formação continuada, foi solicitado que contassem sua experiência com esse processo, identificassem os melhores e os piores momentos da formação e que dessem sugestões para qualificar esses momentos.

Com base em seus depoimentos, foi possível identificar claramente quatro fatores que podem afetar a qualidade deste processo, sendo que esses aspectos já foram sugeridos também pela produção científica na área, a saber: a busca da participação efetiva dos professores no planejamento, execução e avaliação das propostas de formação continuada; o foco na sistematização, socialização e reflexão das práticas docentes realizadas na escola; a objetividade nos encontros; e a continuidade das propostas, para além de cursos e ações pontuais e episódicas.

Acreditamos que a formação continuada dos professores na Rede Municipal de Florianópolis já é um processo estabelecido, tendo em vista sua permanência algo contínua com o passar dos anos e a garantia desses momentos nos documentos oficiais do município, como o Plano Municipal de Educação.

No entanto, a qualidade desse processo foi questionada pelos professores entrevistados, tanto os mais experientes quanto aqueles com menos tempo de carreira, tanto pela professora aposentada quanto pelo professor afastado para cargo administrativo e que participou na condução da formação continuada durante alguns anos.

Não basta ao poder público promover o tempo de formação continuada e as condições estruturais para que aconteçam os encontros. Esta etapa é fundamental e aparentemente está garantida pela legislação e por esta rede municipal, mas a atenção aos conteúdos dos encontros e a forma como são trabalhados com o grupo de professores é da maior relevância para que se busque a efetivação de uma maior qualidade na prática pedagógica dos docentes de Educação Física. Além disso, fica claro pela fala dos professores que nem sempre a formação continuada é reconhecida como um momento constituinte do trabalho docente, tanto por parte dos diretores quanto pelos próprios professores, algo a que a SME precisa estar atenta, se tem o interesse de qualificar verdadeiramente a atuação dos profissionais que atuam nas unidades escolares.

 

REFERÊNCIAS

1.      Almeida, C. B., Oppa, D. F., & Moretti-Pires, R. O. (2012). Estudo de Caso. Em S. G. Dos Santos & R. O. Moretti-Pires (Orgs.), Métodos e Técnicas de Pesquisa Qualitativa Aplicada à Educação Física (pp.143-148). Florianópolis: Tribo da Ilha.

2.      Bracht, V., Pires, R., Garcia, S. P., & Sofiste, A. F. S. (2002). A prática pedagógica em Educação Física: A mudança a partir da pesquisa-ação. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 23(2), 9-29.

3.      Cabral, P. (2013). Formação Continuada de professores na EJA: qual o lugar dos sujeitos estudantes? (Dissertação de Mestrado em Educação). Florianópolis, SC: UFSC.

4.      CNE/CEB Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica. Resolução CNE/CEB 4 de 13 de julho de 2010. Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica. Brasília: CNE/CEB.

5.      CNE/CEB Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Básica. Parecer CNE/CEB 18 de 02 de outubro de 2012. Reexame do Parecer CNE/CEB 9/2012, que trata da implantação da Lei 11738/2008, que institui o piso salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica. Brasília: CNE/CEB.

6.      Davis, C. L. F., Nunes, M. M. R., Almeida, P. C. A., Silva, A. P. F., & Souza, J. C. (2011). Formação Continuada de professores em alguns estados e municípios do Brasil. Cadernos de Pesquisa, 41(144), 826-849.

7.      Folle, A., Farias, G. O., Boscatto, J. D., & Nascimento, J. V. (2009). Construção da carreira docente em Educação Física: Escolhas, trajetórias e perspectivas. Movimento, 15(1), 25-49.

8.      Gonçalves, J. A. (2009). Desenvolvimento profissional e carreira docente: Fases da carreira, currículo e supervisão. Sísifo: Revista de Ciências da Educação, 8, 23-36.

9.      Günther, M. C. C., & Molina, V. (2000). Formação Permanente de professores de Educação Física na rede municipal de ensino de Porto Alegre: Uma abordagem etnográfica. Revista Paulista de Educação Física, 14(1), 72-84.

10.  Oliveira, L. D. (2011). Implicações da Prova Brasil na formação continuada de professores: uma análise da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (2005-2010) (Dissertação de Mestrado em Educação). Florianópolis, SC: UFSC.

11.  Pandolfi, F. N., Medeiros, F. E., Guerra, P. M., & Silva, S. R. (2007). Memórias da prática pedagógica e sua relação com a formação continuada. Motrivivência, 29, 75-86.

12.  Patriarca, A. C., Onofre, T., & Mascarenhas, F. (2008).Especialização em Escolar” - Formação continuada de professores de Educação Física na Universidade Federal de Goiás: Um estudo de caso. Pensar a Prática, 11(3), 225-237.

13.  PMF Prefeitura Muncipal de Florianópolis. Lei Ordinária 2915, de 19 de julho de 1988. Institui o plano de vencimentos e de carreira do magistério público municipal e dá outras providências. Florianópolis: PMF.

14.  PMF Prefeitura Municipal de Florianópolis (2010). Plano Municipal de Educação. Florianópolis, SC: PMF.

15.  PR Presidência da República. Lei 9394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: PR.

16.  Rossi, F., & Hunger, D. (2012). A formação continuada de professores: Entre o real e o “ideal. Pensar a Prática, 15(4), 915-932.

17.  Rotelli, P. P. (2012). A construção e utilização de materiais curriculares como estratégia de formação de professores de Educação Física (Dissertação de Mestrado em Educação). Florianópolis, SC: UFSC.

18.  Sampaio, M. M. F., & Marin, A. J. (2004). Precarização do trabalho docente e seus efeitos sobre as práticas curriculares. Educação & Sociedade, 25(89), 1203-1225.

19.  Sichelero, J. J., & Rezer, R. (2013). Formação Continuada em Educação Física: Algumas reflexões. Motrivivência, 40, 25-40.

20.  SMEF Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis. Portaria 130/13 de 09 de setembro de 2013. Normatiza a jornada de trabalho dos membros do quadro do magistério referente a hora/atividade durante o ano letivo de 2014 e estabelece outras providências. Florianópolis: SMEF.

21.  SMEF Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis. Relatório de Gestão 2011. Florianópolis: SMEF.

22.  Tardif, M. (2000). Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários: Elementos para uma epistemologia da prática profissional dos professores e suas consequências em relação à formação para o magistério. Revista Brasileira de Educação, 13, 5-24.

23.  Wendhausen, A. M. P. (2006). O processo de formação continuada dos professores e professoras de Educação Física que atuam na Educação Infantil no município de Florianópolis: 1993-2004 (Dissertação de Mestrado em Educação). Florianópolis, SC: UFSC.

24.  Wittizorecki, E. S., & Molina, V. (2005). O trabalho docente dos professores de Educação Física na Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. Movimento, 11(1), 47-70.

 

Recepción: 01-12-2013

Aprobación: 01-05-2014

 



[1] A definição deste dia obedece a um calendário definido pelos Departamentos no início de cada ano, e, no caso do DEF, procura seguir um rodízio entre os diversos grupos de formação, de modo que, a cada ano, o grupo tenha sua formação em um dia da semana diferente. No ano em que a pesquisa foi realizada, os professores de Educação Física reuniam-se para formação na segunda quinta-feira de cada mês.

[2] Segundo Pandolfi, Medeiros, Guerra & Silva (2007, p. 76), o GIEFEI “surgiu da necessidade de dar continuidade às discussões que até então eram disponibilizadas apenas pelos cursos de formação continuada organizados pela Secretaria de Educação da Prefeitura Municipal de Florianópolis.” Desde então, o grupo tem atuado paralelamente ao programa oficial da Rede, sob coordenação dos próprios professores.

[3] Um dos autores da pesquisa é professor efetivo de Educação Física da RME de Florianópolis, atuando junto aos anos Iniciais do Ensino fundamental e, como tal, tem participado do processo de formação continuada proposto pela SME. Além disso, coordenava o processo, voluntariamente, no ano em que a pesquisa foi realizada (2013).

[4] Na RME de Florianópolis, são duas as condições de ingresso no magistério: concurso público e o processo seletivo anual. No primeiro caso, os professores aprovados são empossados como funcionários públicos efetivos, e passam por um período de 3 anos, o Estágio Probatório, em que são avaliados semestralmente; ao final deste período adquirem a estabilidade na função. No segundo caso, os professores aprovados são empossados por períodos pré-determinados com duração máxima de um ano letivo; ao final deste período o contrato é encerrado, e o professor, no caso de querer continuar a atuar na RME, deve realizar novo processo seletivo; estes professores estão enquadrados como ACTs (Admitidos em Caráter Temporário). Em 2011, dentre os 5.198 profissionais atuantes na SME, eram efetivos. 57,647%; substitutos ou ACTs; 25,07%; terceirizados, 15,62%; e Temporários, 1,68% (SMEF, 2011).

[5] Os autores utilizam a expressão “formação permanente” no mesmo sentido aplicado à “formação continuada” pela RME de Florianópolis – um programa sistemático de formação para os professores promovido pela administração pública municipal.

[6] Segundo a Portaria n. 130 de 13 (2013) da SME Florianópolis, que normatiza a jornada de trabalho dos membros do quadro do magistério referente à hora/atividade durante o ano letivo de 2014 e estabelece outras providências, a hora-atividade é destinada para atividades de estudo, planejamento e avaliação e deve respeitar o limite de 50% para atividades coletivas, no próprio local de trabalho ou espaços definidos pela Diretoria da Unidade Escolar ou pela SME. As atividades individuais são realizadas em locais de escolha do próprio professor. De acordo com o Parecer CNE/CEB n. 18/2012 (2012), que trata da implantação da Lei 11738/2008 (que institui o piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica), um professor contratado em regime de 40 horas semanais terá obrigatoriamente 13,33 horas dedicadas às atividades de estudo, planejamento e avaliação, ou seja, 1/3 (um terço) da carga horária.

[7] O caráter de convocação para os encontros da formação continuada na RME de Florianópolis é um aspecto questionado pelos professores entrevistados e também por diversos outros. Nesta conformação, o encontro da formação continuada é obrigatório a todos os professores que atuam na rede, a menos que haja um acordo com a chefia imediata (a direção da unidade escolar) para que o professor cumpra este horário na escola. A opção é o caráter de convite, em que os professores participam dos encontros que mais interessam ou não participam, ficando a critério do professor investir na sua formação continuada da forma como achar melhor. De tempos em tempos a Secretaria de Educação tem mudado sua postura, ora adotando a convocação, ora adotando o convite.