Original article
Maria José Quina Galdino¹
Laio Preslis Brando Matos de Almeida²
Luiza Ferreira Rigonatti da Silva³
Edivaldo Cremer4
Alessandro Rolim Scholze5
Júlia Trevisan Martins6
Maria do Carmo Fernandez Lourenço Haddad7
1 Enfermeira, Doutora. Professora, Universidade Estadual do Norte do
Paraná (UENP), Bandeirantes, Brasil. Email: mariagaldino@uenp.edu.br
2 Graduando em enfermagem. UENP, Bandeirantes, Brasil. Email:
laioalmeida34@gmail.com
3 Graduanda em enfermagem. UENP, Bandeirantes, Brasil. Email: luziaferreirarigonatti@gmail.com
4 Enfermeiro, Doutor. Professor. UENP, Bandeirantes, Brasil. Email: edvaldocremer@uenp.edu.br
5 Enfermeiro, Doutorando. Professor. UENP, Bandeirantes, Brasil. Email:
scholze@uenp.edu.br
6 Enfermeira, Doutora. Professora, Universidade Estadual de Londrina
(UEL), Londrina, Brasil. Email: jtmartins@uel.br
7 Enfermeira, Doutora. Professora, UEL, Londrina, Brasil.
Email: carmohaddad@gmail.com
Conflictos de interés: ninguno.
Recibido: Junio 9, 2019.
Aprobado: Febrero 7, 2020.
Cómo citar este artículo: Galdino MJQ, Almeida LPBM,
Silva LFR, Cremer E, Scholze AR, Martins JT, et al. Burnout among
nursing students: a mixed method study. Invest. Educ. Enferm. 2020;
38(1):e07.
DOI: https://doi.org/10.17533/udea.iee.v38n1e07
https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/4.0/
Abstract
Objective. Investigate the burnout syndrome among
undergraduate students in nursing. Methods. Explanatory
sequential mixed method study conducted at a public university in
Brazil. Of the 119 nursing students, 114 consented to participate and
answered a questionnaire composed of sociodemographic, academic
variables, and the Maslach Burnout Inventory - Student Survey, which
were analyzed by multiple linear regression. The participants of the
quantitative phase with the indicative / risk of burnout were
interviewed individually (n=21) to provide an in-depth understanding of
the students' experiences regarding the dimensions of the syndrome,
whose statements were analyzed by the Collective Subject Discourse. Results.
The prevalence of burnout syndrome was 10.5% among the
surveyed. The more advanced the school year, the higher were the
exhaustion (p=0.003), depersonalization (p<0.001) and low academic
effectiveness (p=0.012) scores. Students with a higher workload of
assignments also had higher scores of exhaustion (p=0.001),
depersonalization (p<0.001) and academic (in)effectiveness (p=0.042).
Dissatisfaction with the course was related to higher exhaustion
(p=0.049) and depersonalization (p=0.001). The collective speeches
showed the daily demands of the course, considered as intense, producing
overload and exhaustion, which produced symptoms of physical and mental
illness. Thus, there was the student's distancing from the course
activities, as a defensive attitude, which culminated in feelings of
incompetence and frustration. Conclusion. The
occurrence of burnout syndrome dimensions among nursing students was
related to the activities of academic daily life. It is urgent to invest
in health promotion and prevention actions of these individuals in the
university context.
Descriptors: burnout, profesional; students, nursing;
surveys and questionnaires.
Resumen
Objetivo. Estudiar el síndrome de Burnout entre estudiantes
de enfermería. Métodos. Estudio de método mixto
secuencial explicativo realizado en una universidad pública de Brasil.
De los 119 alumnos de enfermería, 114 consentieron en participar y
respondieron un cuestionario compuesto por variables sociodemográficas,
académicas y el Maslach Burnout InventoryTM - Student Survey. Los
participantes de la fase cuantitativa con el indicador de riesgo de
burnout se entrevistaron individualmente (n=21) para proporcionar una
comprensión profunda de las experiencias de los estudiantes acerca de
las dimensiones del síndrome, cuyos testimonios se analizaron con la
técnica de Discurso del Sujeto Colectivo. Resultados.
La prevalencia de sindrome de burnout fue de 10.5% entre los
investigados. Cuanto más avanzado el año de estudio del alumno, eran
mayores los puntajes de agotamiento (p=0.003), despersonalización
(p<0.001) y baja eficacia académica (p=0.012). Los estudiantes con
mayor carga horaria de asignaturas también presentaron mayores
puntuaciones de agotamiento (p=0.001), despersonalización (p<0.001) e
(in)eficacia académica (p=0.042). La insatisfacción con el curso se
relacionó con un mayor agotamiento (p=0.049) y despersonalización
(p=0.001). En los discursos colectivos se evidenciaron las exigencias
cotidianas del curso, consideradas como intensas, generadoras de
sobrecarga y agotamiento, que producían síntomas de enfermedad física y
mental. Por lo tanto, como una actitud defensiva, hubo distanciamiento
del estudiante de las actividades del curso que culminó en sentimientos
de incompetencia y frustración. Conclusión. La
aparición de las dimensiones del síndrome de burnout entre los
estudiantes de enfermería estuvo relacionada con las actividades de la
vida diaria académica. Es urgente establecer acciones de promoción y
prevención en salud para estos individuos en el contexto de la
universidad.
Descriptores: agotamiento professional; estudiantes de
enfermería; encuestas y cuestionarios.
Resumo
Objetivo. Investigar a síndrome de burnout entre estudantes
de graduação em enfermagem. Métodos. Estudo de método
misto sequencial explanatório realizado em uma universidade pública do
Brasil. Dos 119 alunos de enfermagem, 114 consentiram a participação e
responderam a um questionário composto de variáveis sociodemográficas,
acadêmicas e o Maslach Burnout InventoryTM - Student Survey, que foram
analisados por regressão linear múltipla. Os participantes da fase
quantitativa com indicativo/risco de burnout foram entrevistados
individualmente (n=21) para fornecer uma compreensão aprofundada das
experiências dos estudantes acerca das dimensões da síndrome, cujos
dizeres foram analisados pelo Discurso do Sujeito Coletivo. Resultados.
A prevalência de síndrome de burnout foi de 10.5% entre os pesquisados.
Quanto mais avançado o ano letivo maiores foram os escores de exaustão
(p=0.003), despersonalização (p<0.001) e baixa eficácia acadêmica
(p=0.012). Os estudantes com maior carga horária de disciplinas/matérias
também apresentaram maiores pontuações de exaustão (p=0.001),
despersonalização (p<0.001) e (in)eficácia acadêmica (p=0.042). A
insatisfação com o curso foi relacionada a maior exaustão (p=0.049) e
despersonalização (p=0.001). Nos discursos coletivos evidenciaram-se as
exigências cotidianas do curso, tidas como intensas, produtoras de
sobrecarga e exaustão, que produziam sintomas de adoecimento físico e
mental. Assim, houve o distanciamento do estudante das atividades do
curso, como uma atitude defensiva, que culminou em sentimentos de
incompetência e frustração. Conclusão. A ocorrência
das dimensões da síndrome de burnout entre os estudantes de enfermagem
esteve relacionada às atividades do cotidiano acadêmico. Torna-se
premente investir em ações de promoção e prevenção da saúde desses
indivíduos no contexto da universidade.
Descritores: esgotamento profissional; estudantes de
enfermagem; inquéritos e questionários.
Níveis significativos de distúrbios psicológicos e sofrimento psíquico
entre estudantes de ensino superior têm sido relatados mundialmente,
dado que durante esses anos há um pico na prevalência muitos transtornos
mentais, particularmente de transtorno depressivo maior (18.5% a 21.2%),
transtorno de ansiedade generalizada (18.6% a 16.7%) e transtorno por
uso de drogas (45.9% a 59.8%).(1) Essa alta prevalência é significativa
tanto pelo sofrimento que causa em um período de grande transição da
vida, quanto pelo prejuízo substancial no desempenho acadêmico,(2) bem
como pensamentos e comportamentos suicidas.(3) Nesse contexto, um
distúrbio psicológico amplamente utilizado como indicador de saúde
mental nesta população é a síndrome de burnout ou “burnout acadêmico”,
que ocorre quando as estratégias de defesa do indivíduo são ineficazes
para o enfrentamento do estresse e da sobrecarga provenientes do
ambiente acadêmico, afetando a saúde biopsicossocial. (4,5)
A síndrome de burnout entre estudantes caracteriza-se por um sentimento
de sobrecarga, denominado de exaustão emocional; postura distanciada e
defensiva em relação ao estudo, os docentes e os colegas de curso,
processo conhecido como despersonalização; e a percepção de ser um
estudante incompetente que tipifica a reduzida eficácia acadêmica.(4,6)
Na área da enfermagem a síndrome já foi demostrada entre
estudantes,(7,8) residentes,(9) mestrandos e doutorandos(10) devido as
várias demandas existentes no processo de formação. Contudo, entre os
estudantes não foram explorados os fatores que estão associados à
síndrome de burnout, tampouco utilizando uma abordagem mista que engloba
a representatividade e a verdade implícita na subjetividade.
Entre as dificuldades vivenciadas pelos estudantes de enfermagem durante
sua formação citam-se: os esquemas de estudo; cumprimento atividades em
prazos reduzidos; a gerência do tempo; a relação de poder entre
professor-aluno; as práticas em serviços de saúde; o contato direto com
o paciente, seu sofrimento e a possibilidade de sua morte; dilemas
éticos; medo de cometer erros e lidar com as exigências internas,(11,12)
situações que exigem adaptação do estudante ou podem sobrecarrega-lo e
predispor a síndrome de burnout. Isto posto, a síndrome de burnout não
deve ser considerada um distúrbio individual, atribuído unicamente ao
estudante que adoece, deve-se considerar a responsabilidade da
instituição no processo de formação que pode levar ao adoecimento do
aluno.(13)
Neste contexto, analisar a síndrome de burnout entre estudantes de
graduação em enfermagem pode fornecer subsídios para que os gestores
implementem estratégias de prevenção e manejo em relação a síndrome, a
fim de garantir a saúde e o bem-estar durante o processo de formação
profissional, bem como propiciar a formação de enfermeiros engajados e
preparados para prestar uma assistência de qualidade. Assim, este estudo
teve como objetivo investigar a síndrome de burnout entre estudantes de
graduação em enfermagem.
Estudo de método misto, do tipo sequencial explanatório, que associou as
abordagens quantitativa e qualitativa. Neste delineamento, os dados
qualitativos (entrevistas) fornecem um quadro mais aprofundado sobre os
dados quantitativos (questionários) obtidos inicialmente.(14) Pelo
caráter de complementaridade, esta integração possibilita neutralizar as
limitações e fragilidades de cada abordagem de pesquisa.(15)
A investigação foi realizada com estudantes de graduação em enfermagem
de uma universidade pública da Região Sul do Brasil, desde que atendesse
ao critério de não estar afastado das atividades acadêmicas por
licenças. O curso forma enfermeiros generalistas por meio de uma matriz
curricular com 4490 horas (seriado anual e duração mínima de cinco anos
em período integral), que insere o estudante em atividades teóricas, de
laboratório e práticas clínicas em serviços de saúde.
A etapa quantitativa foi realizada no período de julho a agosto de 2016,
na qual todos os 119 matriculados no referido curso foram convidados a
participar do estudo. A coleta de dados foi realizada em sala de aula,
onde os participantes foram esclarecidos sobre o estudo e o questionário
foi distribuído para 114 (95.8% do total) estudantes que concordaram em
participar voluntariamente, dos quais 31 cursavam o primeiro ano, 23 o
segundo, 17 o terceiro, 21 o quarto e 25 o quinto ano.
Para obtenção dos dados, os autores elaboraram um questionário
semiestruturado contendo variáveis sociodemográficas (sexo, idade,
estado civil, ter filhos e com quem reside), hábitos de vida (atividade
física e de lazer) e acadêmicas (ano letivo, número de
disciplinas/asignaturas cursadas, carga horária total destinada as
disciplinas/asignaturas, horas dedicadas aos estudos extraclasse,
receber bolsas de estudo de iniciação científica ou de extensão e
satisfação com o curso) para a caracterização dos participantes. Esse
questionário foi submetido a um refinamento por meio da avaliação de 5
(cinco) professores doutores com experiência em ensino e saúde
ocupacional, que consideraram que esses itens eram suficientes para
atingir ao objetivo do estudo.
A síndrome de burnout foi avaliada pelo Maslach Burnout InventoryTM -
Student Survey (MBI-SS), um instrumento elaborado por Schaufeli e
colaboradores que avalia a síndrome de burnout especificamente em
estudantes,(4) que foi validado para o português do Brasil em 2006.(16)
Esta versão apresenta propriedades psicométricas satisfatórias atestadas
por análise fatorial e alfa de Cronbach entre 0,65 e 0,94. Trata-se de
instrumento constituído por 15 itens que aferem três dimensões: exaustão
emocional, despersonalização e eficácia acadêmica em respostas em escala
do tipo Likert de sete pontos (0-6). Considera-se que há indicativo de
burnout no estudante que apresentar altos escores em exaustão emocional
(≥16 pontos) e despersonalização (≥11 pontos) e baixos escores em
eficácia acadêmica (≥10 pontos).
Os dados foram analisados no programa Statistical Package for the Social
Sciences, versão 20.0. Calcularam-se frequências e porcentagens para as
variáveis categóricas, e medidas de tendência central e de dispersão
para as variáveis contínuas. Realizaram-se três regressões lineares
múltiplas, pelo método stepwise forward, considerando as dimensões da
síndrome de burnout como variáveis dependentes e todas as variáveis
independentes (características sociodemográficas e acadêmicas) que
apresentaram p≤0,20 na análise bivariada por regressão linear simples.
Em cada modelo permaneceu o conjunto de variáveis que melhor explicavam
o desfecho, sendo aplicados como critérios estatísticos: (1) apresentar
significância estatística (p<0,05) e (2) ajustar os valores de β em,
no mínimo, 10%.
Na sequência iniciou-se a fase qualitativa, em que foram incluídos
apenas os participantes da fase quantitativa que apresentaram indicativo
para a síndrome de burnout ou que manifestaram simultaneamente altos
escores em exaustão emocional e despersonalização. Os estudantes que
atendiam a esses critérios foram inseridos em um sorteio para organizar
a sequência das entrevistas, de modo a incluir minimamente dois
estudantes por série do curso, a fim de representar os seus diversos
momentos. Esses indivíduos foram contatados por telefone e convidados a
participar de uma entrevista individual gravada, agendada conforme sua
disponibilidade, sendo que não houve recusas. Para determinar o número
de entrevistados utilizou-se o critério de saturação teórica dos
discursos, isto é, as entrevistas foram cessadas quando não se
identificou novos elementos para aprofundar a teorização, o que ocorreu
com 21 estudantes. As entrevistas foram realizadas no período de
novembro a dezembro de 2016, por um pesquisador treinado e com
experiência prévia neste método de coleta. As entrevistas foram
norteadas pelas seguintes questões: Conte-me como você caracteriza a sua
experiência de ser estudante de enfermagem? Existem atividades do curso
que são desgastantes ou promovem exaustão e sobrecarga? Que estratégias
você usa para lidar com isso? Como você avalia o seu envolvimento e o
seu desempenho no curso?
As fontes produzidas nas entrevistas foram analisadas de acordo com os
pressupostos do Discurso do Sujeito Coletivo. Este referencial
metodológico foi adotado por ser indicado para desenhos metodológicos
mistos e se constituir em uma forma de expressar o pensamento de uma
coletividade sobre dado fenômeno, como se fosse uma “pessoa
coletiva”.(15) Para apoiar a análise dos dados qualitativos, utilizou-se
o programa DSCsoftTM, que segue as etapas: análise de discurso, na qual
todas as narrativas foram analisadas individualmente; a seguir as
Expressões-Chave foram identificadas, isto é, os trechos das
transcrições literais com o conteúdo essencial ou as teorias
subjacentes; na sequência, as Ideias Centrais foram retiradas de cada
expressão chave, descrevendo-as de forma sintética e pontual;
posteriormente, foram estabelecidas as Ancoragens, que manifestaram
explicitamente a teoria adotada. Finalizada a análise, os depoimentos de
diferentes entrevistados que possuíam o mesmo sentido foram reunidos em
um discurso-síntese redigido na primeira pessoa do singular.(15) Foram
elaborados três discursos-síntese: exaustão emocional, despersonalização
e reduzida eficácia acadêmica na perspectiva dos estudantes de
enfermagem, que são as dimensões da síndrome de burnout nesta população.
Esta pesquisa foi realizada em consonância com as normas nacionais e
internacionais de pesquisas que envolvem seres humanos, incluindo
aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer n. 354.514). Todos os
participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Entre os 114 estudantes de enfermagem participantes do estudo, a idade
variou entre o mínimo de 17 e o máximo de 40 anos, com média de 21.3±3.5
anos. A maioria dos estudantes pertencia ao sexo feminino (89.5%), era
solteiro (96.5%), sem filhos (92.1%), residia com seus familiares
(63.2%), realizava atividades de lazer (53.3%), não trabalhava (95.6%) e
não praticava atividade física (76.3%).
Quanto à caracterização acadêmica, as disciplinas/asignaturas são
ofertadas no formado seriado anual e, assim, os estudantes cursavam, em
média, 7 com extremos em 3 e 14, sendo que a carga horária total das
disciplinas/asignaturas cursadas no ano letivo variou entre 558 e 960
horas, com média de 783 horas. Além das atividades obrigatórias do
curso, dedicavam diariamente, em média, 1.8 horas aos estudos
extraclasse, variando entre zero e 6 horas. Verificou-se que 28.9%
recebiam bolsas de estudo de iniciação científica ou de extensão e 83,3%
manifestaram estar satisfeitos com o curso.
No que concerne as dimensões do MBI-SS, verificou-se que 76.3% dos
participantes apresentaram alta exaustão emocional, 31.6% alta
despersonalização e 21.1% baixa eficácia acadêmica. Agregando-se essas
dimensões identificou-se que 10.5% dos estudantes de enfermagem possuíam
indicativo para a síndrome de burnout, bem como 30.7% apresentaram
concomitantemente alta exaustão emocional e despersonalização e,
portanto, estavam predispostos a desenvolver a síndrome.
A Tabela 1 mostra as análises de regressão linear
múltipla realizadas para as três dimensões da síndrome. Os maiores
escores de exaustão emocional foram associados aos estudantes de
enfermagem sem relacionamento conjugal estável, que cursavam as séries
mais avançadas do curso, com maior carga horária de
disciplinas/asignaturas e que estavam insatisfeitos com o curso de
enfermagem. O segundo modelo indicou que quanto maior a idade do
estudante, mais avançado o ano letivo e maior carga horária cursada, bem
como estar insatisfeito com o curso, maiores foram os escores de
despersonalização; enquanto que os bolsistas de iniciação científica ou
de extensão obtiveram os menores escores nesta dimensão. Em relação à
eficácia acadêmica, quanto mais avançado o ano letivo, maior a carga
horária de disciplinas/asignaturas cursadas e menos horas de estudo
diário extraclasse, menores foram os escores apresentados pelos
estudantes nesta dimensão.
Tabela 1. Modelos multivariados das
dimensões de burnout entre estudantes em enfermagem
Modelos |
β (Beta) |
β IC95% |
p-value |
Exaustão emocional (R=0.420; R2=0.176)* |
|
|
|
Ano letivo |
4.061 |
1.462; 6.660 |
0.003 |
Carga horária total das disciplinas/asignaturas cursadas |
0.032 |
0.014; 0.051 |
0.001 |
Satisfação com o curso |
-2.812 |
-0.011; -5.613 |
0.049 |
Relacionamento conjugal estável |
-4.612 |
-9.953; 0.729 |
0.090 |
Despersonalização (R=0.562; R2=0.316)* |
|
|
|
Ano letivo |
4.487 |
2.238; 6.736 |
<0.001 |
Carga horária total das disciplinas/asignaturas cursadas |
0.031 |
0.016; 0.046 |
<0.001 |
Satisfação com o curso |
-4.049 |
-1.704; -6.394 |
0.001 |
Idade |
0.251 |
-0.020; 0.523 |
0.069 |
Bolsista de iniciação científica ou de extensão |
-1.633 |
-0.294; -3.561 |
0.096 |
Eficácia acadêmica (R=0.326; R2=0.106)* |
|
|
|
Ano letivo |
-3.527 |
-6.253; -0.802 |
0.012 |
Carga horária total das disciplinas/asignaturas cursadas |
-0.020 |
-0.039; -0.001 |
0.042 |
Horas de estudo diário extraclasse |
0.799 |
-0.033; 1.631 |
0.059 |
Os dados sociodemográficos dos participantes desta pesquisa em relação
ao sexo, estado civil e ausência de prole também foram observados por
outros estudos, em que identificou-se uma tendência da atividade
feminina na profissão, bem como esses estudantes priorizaram a formação
profissional e estabilidade financeira, para posterior constituição de
família, visto que pode ser uma tarefa árdua para a mulher conciliar as
atividades acadêmicas em período integral e a vida pessoal.(17,18)
Verificou-se que 10,5% dos participantes deste estudo possuíam
indicativo para a síndrome de burnout, resultado que foi inferior
àqueles obtidos por investigações realizadas com estudantes de
enfermagem no Brasil e no exterior, que variaram de 24,7% a 41%.(7,8)
Tais achados ratificam que a síndrome pode acometer os indivíduos ainda
no processo de formação profissional, o que pode resultar em enfermeiros
recém-graduados com menor domínio das tarefas ocupacionais, menor
utilização de investigação na prática clínica diária, com intenção de
deixar a profissão,(7) menos empáticos e desatentos às necessidades de
usuários dos serviços de saúde, podendo interferir na qualidade da
assistência prestada. Considerando este contexto, torna-se necessário
que as instituições de ensino superior implementem ações para promover a
saúde mental dos seus alunos, por meio de uma abordagem proativa dos
estressores e dos mecanismos de enfrentamento,(19) pois a saúde e o
bem-estar dos estudantes são fortemente influenciados pelo contexto
organizacional.(20) Nesse sentido, há uma iniciativa internacional
denominada "Universidades Saudáveis", em que as universidades se
comprometem com a promoção da saúde e do bem-estar dos estudantes e
funcionários por meio de uma cultura organizacional que as pessoas se
sentem valorizadas, respeitadas, ouvidas, capazes de contribuir e
compartilhar suas opiniões.(13)
Devido à natureza do delineamento de pesquisa mista explanatória
sequencial, os achados da fase qualitativa apoiaram os achados
quantitativos, mas também forneceram significados contextuais.
Demonstrou-se que 76.3% dos pesquisados apresentaram alta exaustão
emocional. Esta é a primeira dimensão da síndrome a se manifestar,
reflete a falta de energia e de recursos psicológicos para lidar com a
sobrecarga acadêmica vivenciada e pode trazer repercussões nefastas para
a formação profissional, por se relacionar ao declínio da saúde mental e
interferir na capacidade de concentração e aprendizado do
indivíduo.(6,7,18)
Neste estudo a exaustão emocional foi associada aos estudantes
solteiros, que cursavam as séries mais avançadas do curso, com maior
carga horária de disciplinas/asignaturas e estavam insatisfeitos com o
curso. Além de corroborar esses achados, o discurso-síntese elucidou que
as fontes de sobrecarga física e mental foram oriundas das aulas
teóricas e práticas, o volume de trabalhos acadêmicos, leituras e
avaliações, que os acompanha diuturnamente. Também referiram a
sobrecarga emocional e física presente na prática da assistência e que
não estão preparados psicologicamente para enfrentar tais situações,
fazendo com que o seu cotidiano seja marcado por sintomas somáticos
peculiares a exaustão e sentimentos de dúvida, decepção, ansiedade,
medo, tristeza, raiva e angústia. Essas informações são importantes por
mostrarem a exposição dos estudantes à longos períodos de atividades
acadêmicas, particularmente em relação a carga de trabalho percebida e
também as demandas emocionais de trabalhar com pessoas que estão
doentes. Estudo indicou que é essencial diminuir a sobrecarga acadêmica
desnecessária e ajudar os alunos a desenvolver habilidades para melhor
gerenciar seu tempo. Contudo, também se refletiu que as horas investidas
na formação são fundamentais e sugere que os cursos sejam bem projetados
para que as longas horas de estudo do aluno não são percebidos como uma
algo monótono e sem relevância.(19)
A despersonalização é uma resposta psicológica adaptativa na qual o
aluno se afasta do estudo porque lhe causa sofrimento e sobrecarga,(18)
e neste estudo verificou-se que quanto maior a idade do estudante, mais
avançado o ano letivo, maior carga horária cursada, estar insatisfeito
com o curso, maiores foram os escores de despersonalização. Esses
resultados são semelhantes aqueles encontrados no ambiente ocupacional
dos enfermeiros, em que os mais enfermeiros mais jovens e menos
satisfeitos com seu trabalho têm níveis mais elevados de
despersonalização, devido ao período de transição que vivenciam entre
suas expectativas idealistas e a prática cotidiana.(21)
Identificou-se que ser bolsista de iniciação científica ou de extensão
foi fator de proteção para não se distanciar-se do curso. A participação
dos acadêmicos em projetos de pesquisa e de extensão promove o
fortalecimento de sua identidade e autonomia profissional, e forma um
enfermeiro mais crítico, reflexivo, comprometido com a assistência
prestada, e melhor preparado para atuar nas diferentes áreas de atuação
profissional(22) e assim, este estudante se envolve muito mais com seus
estudos. O distanciamento do estudo também foi relacionado ao processo
de trabalho árduo do enfermeiro, que é repleto por demandas física e
psicológicas, relações interpessoais complexas, falta de reconhecimento,
autonomia e desvalorização da classe, além do convívio diário com o
sofrimento, o que é amplamente relatado pela literatura.(23,24) Assim
este estudante não vislumbra uma recompensa satisfatória para o seu
esforço atual e manifesta seu descontentamento com o curso e desejo de
abandoná-lo.
Por fim, a baixa eficácia acadêmica também se acentuou nos anos letivos
mais avançados, com maior a carga horária cursada, o que repercutiu em
menos horas de estudo diário extraclasse. Identificou-se que os
estudantes se sentiam culpados por não conseguirem estudar mais e
manifestam sentimentos de incompetência, impotência e inferioridade ao
se comparar com seus pares. Ainda, verificou-se o papel que atribuem ao
professor enquanto (des)motivadores nesse processo, o que já foi
observado em investigação realizada na Finlândia, cujos ainda
demonstraram que um relacionamento interpessoal positivo entre
professor-aluno promove a autoconfiança e a motivação no estudante, além
de um processo de aprendizagem mais efetivo e com menor estresse.(25)
Em diversos instituições de ensino superior ainda predomina o pensamento
de que a saúde e o engajamento do aluno são responsabilidades exclusivas
do indivíduo e não da universidade, assim não se valoriza, respeita,
escuta e investe no aprimoramento do aluno que possui uma postura
desinteressada, todavia essa mudança de paradigma é necessária, e deve
partir da alta gestão por meio de políticas institucionais.(20)
Como limitações citam-se o uso de medidas de autorrelato que são
propensas a respostas socialmente desejáveis, o delineamento
transversal, no qual, as causalidades não podem ser inferidas, bem como
deve-se considerar o viés transversal do estudante sadio, pois aqueles
que desenvolveram a síndrome podem estar afastados do curso, o que
aumentaria a prevalência. Os resultados obtidos não podem ser
generalizados, visto que retratam o contexto vivenciado por estudantes
de enfermagem de uma universidade pública brasileira. Contudo, este
estudo fornece uma compreensão mais profunda da natureza complexa deste
fenômeno, como também subsídios aos gestores das universidades e
professores para que desenvolvam estratégias eficazes para promover a
saúde mental e bem-estar dos seus alunos e, por consequência, para
aumentar o engajamento e o sucesso do estudante.
O estudo de método misto possibilitou analisar a amostra de forma
aprofundada e integral, pois apesar do resultado quantitativo de
estudantes com indicativo para a síndrome de burnout ser inferior ao
padrão nacional relatado na literatura para estudantes de enfermagem a
abordagem qualitativa pode demonstrar a fragilidade nos métodos de
enfrentamento, sofrimento mental e a frustração relacionada a auto
cobrança diante da vida acadêmica. Portanto, as instituições de ensino
superior devem aderir a modelos de gestão com políticas de suporte
emocional, por meio de programa de assistência estudantil que contemple
aspectos biopsicossociais, sobretudo estratégias de manejo e
enfrentamento dos estressores acadêmicos.
Referências
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