O artigo visa realizar uma reflexão sobre os aspectos textuais e paratextuais da prática tradutória do Coletivo Sycorax, a partir da tradução para o português brasileiro do livro Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation, de Silvia Federici, publicado em 2004 pela editora Autonomedia. A hipótese que se pretende demonstrar ao longo do trabalho é que a tradução coletiva entre mulheres pode ser entendida enquanto estratégia política feminista transnacional, sobretudo ao situar a experiência de tradução de textos do Norte ao Sul Global e vice-versa. Assim, buscamos evidenciar os processos que envolvem desde a escolha do título a ser traduzido até a movimentação coletiva com o texto e paratextos, além de permitir processos editoriais mais equitativos e formas de circulação da obra que questionem as atuais condições de acesso ao conhecimento.
O Coletivo Sycorax surgiu em 2016, na cidade de São Paulo, Brasil, como um projeto de tradução coletiva e independente para divulgação de textos feministas e anticapitalistas em português. O nome do coletivo vem precisamente da leitura do livro Caliban and the Witch, de Silvia Federici. Nesta obra, a autora afirma a importância de entender a figura da bruxa, que no título remete à Sycorax, mãe de Calibã, enquanto “encarnação de um mundo de sujeitos femininos que o capitalismo tentou destruir: a herege, a curandeira, a esposa desobediente, a mulher que se encoraja a viver só, a mulher obeah que envenenava a comida dos senhores e inspirava os escravos à rebelião” (Federici, 2017, p. 24).
Assim, a escolha do texto Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) para sua tradução precedeu a fundação do próprio coletivo: a ideia surgiu dentro do coletivo editorial responsável pela Revista Geni, uma revista virtual e de acesso aberto sobre gênero e sexualidade publicada em trinta números entre 2013 e 2016.1 Originalmente, o livro traduzido seria publicado em fascículos nesta Revista.
Porém, com o fim da Revista Geni, um grupo de mulheres que colaborava com a publicação decidiu seguir com o projeto de tradução da obra de Federici (2004), passando a atuar por meio do Coletivo Sycorax, ao qual se somaram novas integrantes. Assim, a partir das formas de trabalho e do ativismo impulsionados pela Revista, em 2016 o Coletivo Sycorax publicou em site próprio uma primeira versão aberta da tradução, que foi consolidada em 2017, ano de publicação da edição física e digital, em parceria com a editora Elefante.
O coletivo é composto por mulheres das mais diversas áreas de atuação e experiências de vida e não se propõe ser um grupo de tradutoras profissionais. Embora nos reunamos na região metropolitana de São Paulo, algumas integrantes tiveram a experiência de percorrer territórios da América Latina e da Europa, inclusive estabelecendo residência em países como Argentina, Uruguai, México, Rússia e França. As trajetórias das integrantes em movimentos estudantis, feministas e a aproximação com outros movimentos sociais latino-americanos convergiram no sentido de nos acercar a Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) a partir dos debates gerados em torno da importância da obra para as lutas políticas locais.
De volta a São Paulo, nos reunimos em coletivo e buscamos conectar nossas práticas a uma concepção de tradução política e contestatória, que foi surgindo a partir de reflexões realizadas no decorrer do trabalho com este livro e de balanços críticos que passaram a guiar nossas práticas futuras. A preocupação com a circulação de conteúdos não veiculados na mídia hegemônica, já existente na Revista Geni, também permaneceu na forma de organização do Coletivo Sycorax. Por isso, desde o início assentou-se como sua base de ação o acesso aberto das obras por meio eletrônico2 e, caso as obras fossem impressas, a garantia de distribuição gratuita de exemplares para coletivos e movimentos sociais, escolas e bibliotecas comunitárias e em oficinas realizadas pelo próprio Coletivo Sycorax.3
Em setembro de 2016, durante a primeira visita de Silvia Federici ao Brasil, realizamos o lançamento da versão beta da tradução de Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) ao português brasileiro, sob o título: Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, disponível gratuitamente online e aberta a comentários e sugestões de pessoas que a lessem. Em julho de 2017, foi possível estabelecer uma parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo4 e a Editora Elefante e publicar a edição impressa, depois de negociar uma cota de livros para distribuição gratuita em oficinas e eventos. A partir de uma série de eventos realizados em torno da obra, o livro ganhou ampla circulação com a edição impressa de Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2017).5
Definimos o Coletivo Sycorax como um sabá de mulheres que conjuram traduções. Acreditamos que a reivindicação da figura de Sycorax revela o sentido político e pós-colonial que conjurar traduções pode adquirir.6 Dessa forma, buscamos também visibilizar o trabalho de tradução, neste caso feito coletivamente por mulheres, no intuito de nos aproximar de uma genealogia de curandeiras, parteiras, feiticeiras, sacerdotisas, agricultoras e outras trabalhadoras, mulheres engajadas em garantir a sobrevivência de conhecimentos e a sua transmissão para as gerações seguintes.
A necessidade política de traduzir antecedeu considerações teóricas sobre a prática da tradução do Coletivo Sycorax, embora o ato de traduzir em si mesmo tenha pressuposto, a todo tempo, escolhas e processos que se abrem necessariamente à reflexão. Neste artigo realizamos um esforço importante de sistematização das práticas e da história do Coletivo, pois pretendemos refletir sobre a nossa tradução de Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) ao português brasileiro à luz dos referenciais teóricos da tradutologia feminista transnacional (Alvarez, 2009; Castro e Ergun, 2017; Costa, 2003, 2013; Costa e Alvarez, 2013; Flotow, 2017). Como já indicado acima, buscamos demonstrar a potencialidade da tradução coletiva entre mulheres como uma estratégia política feminista transnacional, sobretudo em seu papel de movimentação com o texto para outros contextos de recepção (Norte-Sul e Sul-Sul).
Para isso, o artigo foi dividido em quatro partes: na primeira parte, tratamos a escolha da tradução desta obra ao português, a fim de ressaltar o interesse em conectar o trabalho de feministas anticapitalistas nos eixos Norte-Sul e Sul-Sul aos contextos locais de luta. Na segunda parte, discorremos sobre o método de trabalho do coletivo durante a tradução de Calibã e a bruxa, para apontar a importância dos paratextos e demonstrar como esse método se conecta à nossa perspectiva política de tradução. Já na terceira parte, abordamos a prática tradutória em sua amplitude, com o propósito de ressaltar a tradução como prática política que inclui a aproximação linguística, mas que acontece mesmo após a publicação do texto traduzido, com o fomento e a participação nos espaços de discussão da obra. Por fim, na quarta e última parte traçam-se as considerações finais sobre os temas levantados para conectar todos os passos desenvolvidos ao longo do texto, a fim de defender, à luz da experiência de tradução de Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) ao português brasileiro, que a tradução coletiva entre mulheres pode ser considerada como uma estratégia feminista transnacional.
A escolha de traduzir a obra Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) deu-se a partir das seguintes motivações: (i) o potencial teórico da obra em realizar uma análise feminista e marxista da origem da opressão e da exploração das mulheres no capitalismo; (ii) sua recepção e acolhimento na América Latina com a participação ativa da autora em debates na região; (iii) o fato da licença de publicação original permitir a circulação aberta da obra; e (iv) a possibilidade de estimular uma reflexão sobre as violências do passado e as do presente por meio da tradução coletiva, ressignificando a obra a partir das narrativas de diversos grupos de mulheres e das experiências em seus contextos.
Boa parte do interesse teórico pela obra se dá por conta da análise que Federici faz das mudanças introduzidas pelo capitalismo no processo de reprodução social e, especialmente, na reprodução da força de trabalho. A autora traz contribuições significativas ao resgatar a história da caça às bruxas no período de transição do feudalismo para o capitalismo, ampliando assim o conceito marxiano de acumulação primitiva do capital ao tratar do fenômeno na Europa e nas Américas.
Para Marx, a ideia de acumulação primitiva estava ligada ao fato de que o capitalismo não poderia ser desenvolvido sem uma concentração prévia de capital e de trabalho, o que demandou a separação dos trabalhadores e das trabalhadoras dos meios de produção. Para isso, foi essencial o processo de cercamentos de terras comunais e a consequente expulsão do campesinato para as cidades na Europa. O autor também identifica no colonialismo uma das respostas para a questão, ao tratar da “descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravidão e o soterramento da população nativa das minas, o começo da conquista e saque das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles negras” (Marx, 2013, p. 821).
Federici, por sua vez, coloca no centro da análise da acumulação primitiva a caça às bruxas dos séculos XVI e XVII, ao sustentar que a perseguição às mulheres, tanto na Europa quanto no assim chamado “Novo Mundo”, foi tão importante para o desenvolvimento do capitalismo quanto a colonização e a expropriação do campesinato europeu de suas terras. Como consequência deste processo, houve “o desenvolvimento de uma nova divisão sexual do trabalho”, “baseada na exclusão das mulheres do trabalho assalariado” e na “transformação de seus corpos em uma máquina de produção de novos trabalhadores” (Federici, 2017, p. 26). Em suas palavras:
A caça às bruxas não só condenou a sexualidade feminina como fonte de todo mal, mas também representou o principal veículo para levar a cabo uma ampla reestruturação da vida sexual, que, ajustada à nova disciplina capitalista do trabalho, criminalizava qualquer atividade sexual que ameaçasse a procriação e a transmissão da propriedade dentro da família ou que diminuísse o tempo e a energia disponíveis para o trabalho. (Federici, 2017, pp. 349-350)
Além disso, a partir de Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2004), entendemos que os mecanismos de ampliação da expropriação de terras e de recursos naturais, bem como de aumento da opressão contra as mulheres, relacionam-se à necessidade constante do capitalismo de superar seus momentos de crise estruturais, por meio de processos recorrentes de acumulação primitiva de capital. Em nossa experiência prática, pudemos relacionar esse fenômeno aos altos índices de feminicídio na América Latina,7 sobretudo em regiões de conflitos e, por isso, parecia-nos urgente difundir a análise trazida por Federici (2004) para oferecer instrumentos de luta contra a opressão das mulheres nas periferias do capitalismo, sobretudo no Brasil, onde ainda não havia tradução da obra.
Por conseguinte, a partir do contato que algumas integrantes do coletivo tiveram com o livro na América Latina, iniciou-se uma discussão sobre a necessidade de incorporar as reflexões trazidas por Federici (2004) às lutas travadas no Brasil. Isto aconteceu sobretudo durante a produção do número 23 da Revista Geni (2015), prévia à tradução,8 que tinha o campo como eixo temático. Buscávamos naquela edição evidenciar as experiências populares de resistência à privatização de terras comunais e de recursos naturais na América Latina. No Brasil, um exemplo importante dessas experiências de resistência é a Marcha das Margaridas, uma das maiores manifestações de mulheres trabalhadoras do campo e da floresta, que surge em 2000 como uma denúncia ao projeto neoliberal de desenvolvimento.
Quando decidimos traduzir a obra, pesquisamos outras edições com o intuito de refletir sobre sua recepção. Isso nos permitiu conhecer projetos editoriais que ampliaram a compreensão das nossas possibilidades de atuação com ela. Além da edição original, publicada nos Estados Unidos (2004) pela editora Autonomedia, também consultamos as edições em espanhol publicadas na Espanha (2010) e na Argentina (2011) pela Traficantes de Sueños e Tinta Limón, respectivamente. Nestes casos, a publicação se vinculava às editoras e projetos independentes que procuram oferecer ferramentas intelectuais para o ciclo de lutas em curso.
Este livro ganhou pertinência na América Latina, também por sua contribuição para o debate sobre as bases e as fontes do conhecimento no Ocidente, pauta fundamental em particular para os movimentos feministas, que têm realocado conceitos e debatido os pressupostos das ciências. Conforme escreve Federici, ao tratar do processo de caça às bruxas na transição do feudalismo para o capitalismo: “a substituição da bruxa e da curandeira popular pelo doutor levanta a questão sobre o papel que o surgimento da ciência moderna e da visão científica do mundo tiveram na ascensão e queda da caça às bruxas” (Federici, 2017, p. 364). A caça às bruxas ocorreu durante o ápice do desenvolvimento da ciência moderna e teve adesão de alguns de seus principais representantes, como Francis Bacon, demonstrando que não se tratava de uma crendice popular, mas de uma iniciativa política que aprovou a perseguição como forma de controle social, o que também foi aplicado na América.
Outro aspecto sobre a recepção da obra de Federici (2004) na América Latina é mencionado por Cielo e Vega (2015, p. 138) enquanto reconhecem que, ao articular lutas em diferentes partes do mundo, a própria autora propõe conexões com o presente e ajuda a compreender os processos atuais de ataque aos meios de reprodução da vida e as diferentes resistências a esse processo. Para Cielo e Vega (2015) o processo de domesticação e violenta redução da autonomia das mulheres descrito por Federici (2004) se conecta com a globalização e a imposição de agendas econômicas neoliberais na região, com uma notável expansão do extrativismo impulsado por governos ditos progressistas e reproduzidos em comunidades sustentáveis da Amazônia equatoriana, que foram incorporadas à economia monetarizada global quando transformadas pelo governo equatoriano em cidades planificadas conhecidas como “Ciudades del Milenio”, como contrapartida pela implementação de projetos extrativistas em seus territórios.
Entendemos também que uma tradução permite escolhas na experiência com o texto e além dele. Esse movimento destaca a importância deste trabalho em termos políticos, práticos e teóricos para a formação de alianças feministas pós-coloniais, ao estabelecer redes de conhecimento que se conectam de forma transnacional. A partir das redes que tecemos em outros países da América Latina e na Europa, visamos aproximar Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2004) ao contexto brasileiro e lusófono. Consideramos então que, conforme nos ensinam os estudos da tradução feminista transnacional (Alvarez, 2009), a intersecção das opressões de raça, classe, gênero e sexualidades deve perpassar toda nossa prática tradutória e, inclusive, mediar nossos interesses políticos de difusão das obras como ferramenta para capacitar nossas lutas contra o capitalismo.
O trabalho de mediação permite que textos como os de Silvia Federici, oriundos do Norte Global, possam dialogar com teorias e práticas locais. Assim, segundo Costa (2014, p. 932), contestam-se “as formas pelas quais o Sul é consumido e conformado pelo Norte -integrando a crítica em diálogos não apenas Norte-Sul, mas também Sul-Sul”. A partir da discussão conjunta que tivemos sobre Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004), antes e ao longo do processo tradutório, conectamos as ideias de Federici às de outras autoras de nossos contextos latino-americanos, como Rita Laura Segato, Débora Diniz, Lorena Cabnal, Gladys Tzul Tzul, Julieta Paredes, María Galindo, Silvia Rivera Cusicanqui, entre outras.
Entendemos, de acordo com Alvarez (2009), que a América Latina pode ser entendida enquanto formação cultural transfronteiriça e não territorialmente delimitada; portanto, deve ser vista como translocal.9 Por essa razão, a publicação do livro no Brasil também representava a possibilidade de ampliar a compreensão sobre as consequências do processo de acumulação primitiva do capital nas Américas, como a invisibilização de grupos politicamente minoritários e a perda de direitos sociais arduamente conquistados outrora. Além disso, a obra também amplia o conhecimento a respeito da pesquisa histórica sobre a perseguição às mulheres na Europa e América e permite conectá-la à necessidade de maiores pesquisas sobre o exercício de múltiplas formas de violência contra as mulheres nos nossos territórios (Coletivo Sycorax em Federici, 2017, p. 8).
Nosso interesse na tradução de Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2004) também se deve ao fato da licença da publicação original já permitir o acesso aberto ao livro. A “abertura” dos direitos autorais é normalmente concedida por meio do uso de licenças alternativas, como as licenças Creative Commons.10 A editora Autonomedia, um projeto de mídia radical fundado em 1974, publicou a edição original de Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) com uma licença anticopyright,11 o que não apenas viabilizou a tradução da obra por um coletivo que começava a se formar, mas significou o início de nosso interesse no debate sobre direitos autorais e o acesso aberto como pré-requisito para viabilizar nossas práticas feministas de tradução e alternativas de publicação.
Nesse sentido, entendemos que os direitos de propriedade intelectual se configuram como um entrave ao acesso à produção e, sobretudo, à circulação do conhecimento. Haraway (2004) traz importante leitura sobre como a produção literária passou por cercamentos semelhantes aos enclosures, ao demonstrar que os terrenos comunais literários também foram cercados e que os processos coletivos de produção do saber foram apropriados por proprietários individuais, que passaram a ser entendidos como autores exclusivos. Argumento semelhante é trazido por Federici (2017), que considera a existência de uma nova forma de cercamento: a expropriação dos conhecimentos que as mulheres haviam transmitido de geração em geração sobre a produção e a reprodução da vida.
Acreditamos que a tradução coletiva entre mulheres tenha um efeito desestabilizador dessas lógicas, na medida em que recusamos a associação entre a pessoa que traduz individualmente, detentora única dos direitos autorais da tradução e pulverizamos essa figura em um grupo de pessoas que procura somar diferentes saberes, atuações e experiências políticas. Além disso, nos é muito cara a possibilidade de tecer conjuntamente as narrativas das mulheres do coletivo, ao gerar um debate sobre como as obras que traduzimos também dizem respeito aos nossos corpos e narrativas enquanto mulheres que resistem à lógica capitalista da divisão sexual do trabalho. Dito em outras palavras, quando nos definimos como um sabá de mulheres que conjuram traduções, evidenciamos que os textos selecionados também disseminam a agenda política que defendemos.12
A tradução coletiva parte de um conhecimento compartilhado da obra a ser traduzida e de um interesse mútuo em aproximá-la a nossos contextos de luta, ao considerar as experiências políticas das tradutoras. Além disso, todo o processo de tradução envolve diálogo e pesquisa. Embora Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) tenha sido originalmente publicado sob licença aberta, foi essencial o diálogo com a autora, que respondeu afirmativamente à nossa consulta sobre a possibilidade de publicar a tradução do livro no Brasil, bem como a comunicação com a editora Autonomedia, que gentilmente nos cedeu as imagens utilizadas na obra.
Na experiência do Coletivo Sycorax, o diálogo interno entre as tradutoras e revisoras pressupõe uma metodologia não sexista de tradução dos textos, também atenta aos aspectos raciais e geopolíticos. De acordo com Castro (2010), uma tradução não sexista deve basear-se na compensação de gênero, no transtorno linguístico para visibilizar a flexão feminina, na correção do texto, quando este utiliza expressão considerada sexista e no uso de paratextos que explicitem as escolhas tradutórias quando não é possível transmitir todos os significados em torno de determinado termo ou frase ao longo do corpo do texto traduzido. Tais estratégias devem ser replicadas a partir de um debate mais profundo sobre a aproximação de textos do Norte para o Sul Global e sobre a importância da interseccionalidade de gênero com aspectos raciais e de classe.
O momento em que se decidiu realizar a tradução foi sucedido pela definição das integrantes responsáveis por aquele projeto a nível organizacional no coletivo. Essas pessoas tiveram a responsabilidade de intermediar as etapas da tradução, facilitar o diálogo entre as tradutoras e organizar o fluxo de textos traduzidos e revisados. Quando o processo envolve a publicação impressa, também são estabelecidas responsabilidades quanto à revisão final e à entrega dos textos à editora.
Estas etapas foram sendo definidas ao longo da tradução de Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) iniciada em 2015. Cada uma das tradutoras ficou responsável por traduzir um trecho da obra e, ao longo desse processo, elencar as dificuldades, os termos que pudessem gerar debate e os que precisariam ser padronizados em toda a obra. A relação de termos foi organizada em um documento coletivo, que foi alimentado por todas as envolvidas, para serem debatidos coletivamente ao longo do processo da tradução.
Na primeira revisão de tradução, cada tradutora revisou um trecho que não havia traduzido e cotejou com a versão em inglês e, em caso de dúvidas, conferiram-se as edições em espanhol, a fim de ampliar a colaboração entre as tradutoras no contato com o texto e de apreender algumas das soluções já desenvolvidas pela tradução para o espanhol. A partir dessa etapa, passamos a consolidar a relação de termos a serem debatidos coletivamente, o que garantiu que as escolhas tradutórias fossem assumidas em conjunto.
Na segunda revisão de tradução, dessa vez coletiva, todas as tradutoras se encontraram presencialmente e os termos problemáticos foram debatidos entre as integrantes do coletivo (ver Tabela 1). Neste ponto foram estabelecidas coletivamente as decisões de alguns termos que haviam ficado em aberto e as necessidades de inclusão de notas de rodapé ou de outros recursos paratextuais.
Houve ainda uma terceira revisão, que chamamos de “revisão final”, essa foi feita por uma única pessoa para padronizar as diferenças de tradução que não puderam ser equalizadas anteriormente. A revisão final tomou como base as decisões coletivas que tinham sido tomadas na etapa de discussão conjunta.
Após a decisão de que a tradução brasileira de Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2004) - publicada virtualmente em 2016 - fosse editada e impressa em 2017, adicionamos mais etapas de revisão coletiva do texto, bem como de preparação e de revisão da prova diagramada; esta fase envolveu também uma etapa de preparação do texto por parte da editora. No caso em questão, a editora realizou uma revisão final e nos encaminhou sugestões, questões e dúvidas específicas. O documento foi revisado coletivamente e devolvido com as sugestões finais.
Os primeiros aspectos textuais da tradução que pontuamos diziam respeito à flexão de gênero, o que sempre é um debate nas traduções do inglês para línguas latinas como o português. Na obra em questão, por exemplo, discutimos quando o termo workers se referia a homens trabalhadores, a mulheres trabalhadoras ou a ambos. Esse debate apresenta certa centralidade na obra, tendo em vista que Federici entende que o trabalho não remunerado das mulheres no lar foi o pilar sobre o qual se construiu a exploração do trabalho assalariado masculino, o que é representado por seu conceito de patriarcado do salário. Optamos então por traduzir a palavra workers como trabalhadoras apenas quando o termo estivesse em um contexto em que fosse possível depreender que se tratava de mulheres. Utilizamos a mesma lógica quando optamos por trabalhadores, sobretudo levando em consideração a relação das passagens com a crítica apresentada pela autora à divisão sexual do trabalho no capitalismo, conforme exemplo a seguir:
Thus, even in times of population decline, cottage workers apparently continued to multiply; their families were so large that a contemporary 17th-century Austrian, looking at those living in his village, described them as packed in their homes like sparrows on a rafter. What stands out in this type of arrangement is that though the wife worked side-by-side with her husband, she too producing for the market, it was the husband who now received her wage. This was true also for other female workers once they married. In England “, married man ... was legally entitled to his wife’s earnings” even when the job she did was nursing or breast-feeding. Thus, when a parish employed women to do this kind of job, the records “frequently hid (their) presence as workers” registering the payment made in the men’s names. (Federici, 2004, p. 98) (itálicas nossas)
Que optamos por traduzir:
Desse modo, até mesmo em tempos de declínio populacional, os trabalhadores da indústria doméstica continuaram aparentemente se multiplicando. Suas famílias eram tão numerosas que, no século XVII, um austríaco, observando os trabalhadores que moravam em seu vilarejo, os descreveu como pardais num poleiro, apinhados em suas casas. O que se destaca nesse tipo de organização é que, embora a esposa trabalhasse junto ao marido, produzindo também para o mercado, era o marido que recebia o salário da mulher. Isso também ocorria com outras trabalhadoras, assim que se casavam. Na Inglaterra, “um homem casado […] tinha direitos legais sobre os rendimentos de sua esposa”, inclusive quando o trabalho que ela realizava era a amamentação. Dessa forma, quando uma paróquia empregava uma mulher para fazer esse tipo de trabalho, os registros “ocultavam, frequentemente, sua condição de trabalhadoras”, computando o pagamento em nome dos homens. (Federici, 2017, p. 194) (itálicas nossas)
Elencamos abaixo alguns dos termos que geraram discussão ao longo do processo tradutório, como exemplos de termos homogeneizados durante a revisão da tradução, e que serão detalhados na sequência. Com isso, não pretendemos abarcar todas as discussões ocorridas dentro do grupo, mas demonstrar algumas das questões que nortearam nossas escolhas (Tabela 1).
Já no título do livro tivemos o primeiro debate coletivo quanto ao nome Caliban. Existe a hipótese de que o nome Caliban teria sido utilizado por Shakespeare (2002) como um anagrama de canibal, inspirado pela leitura do ensaio Dos canibais de Michel de Montaigne de 1535, sobre os Tupinambás (Montaigne, 2010) e pelos muitos relatos fantasiosos da época sobre os povos encontrados no Novo Mundo. No entanto, outra hipótese, levantada por Jules Bloch no livro Les tsiganes (1953), indica que Shakespeare teria utilizado a palavra cigana kaliben ou cauliban, que significa escuridão, trevas. Segundo este autor, o povo cigano teria começado a migrar para a Inglaterra um século antes da escrita de A tempestade. Ao traduzirmos, contudo, o nome Caliban por Calibã, optamos pelo aportuguesamento, ainda que isso implique na eventual perda da sua interpretação como anagrama de canibal.
No caso do verbo denigrate, com quatro ocorrências na versão em inglês (Federici, 2004, pp. 17, 101, 102, 221), optamos por traduzí-lo com “difamar” (Federici, 2017, p. 37), “depreciar” (Federici, 2017, p. 203), “vilipendiar” (Federici, 2017, p. 383) e “rebaixar” (Federici, 2017, p. 386). Dentro do coletivo foi discutido se denigrate, em inglês, teria a conotação racista que possui “denegrir” no contexto brasileiro e, se era o caso, de fazermos uma nota de rodapé da tradução para explicar nossa opção, fosse ela a de substituir ou a de manter-nos mais fiéis ao texto fonte. Por fim, nos pareceu que explicar o fundo racista da palavra “denegrir” criaria uma espécie de ruído desnecessário no texto em português, já que não era essa discussão de linguagem que estava sendo posta ali. Levamos em conta que tanto em inglês quanto na língua materna de Federici, o italiano, a conotação racial não é o primeiro sentido do uso corrente da palavra, embora apareça em sua etimologia.13
Entendemos que a tarefa da tradução também pressupõe a compreensão das mudanças de sentido de determinados termos ao longo do tempo, na medida em que isso pode criar uma marca desnecessária, ou mesmo indesejável, no texto de chegada. Trata-se de um equilíbrio delicado, uma corda bamba, que deve sempre levar em conta o risco de higienizar a linguagem original de suas marcas regionais, temporais e políticas e, assim, descaracterizar o texto.
No caso de colonial subjects (Federici, 2004, pp. 13, 18, 102, 198), pensamos em duas opções: súditos coloniais e sujeitos coloniais, já que ambas apareciam na tradução ao espanhol. Acabamos optando por sujeitos coloniais para assegurar o diálogo com o vocabulário da teoria pós e decolonial, como parece proposto pela autora ao se utilizar de referências com perspectivas críticas ao eurocentrismo.
O termo maroon (Federici, 2004, pp. 23, 50) foi para nós uma descoberta interessante. Maroons eram comunidades de pessoas africanas escravizadas nas Américas, que escapavam para o mato e criavam comunidades autogovernadas, como os quilombos no Brasil. Marron, nègre marron ou negmarron são inclusive as maneiras usadas em francês para se referir às pessoas negras que escapavam à escravidão. Como não podíamos usar quilombo, por ser uma palavra usada exclusivamente no contexto brasileiro, e na falta de palavra melhor, optamos por chamar de comunidade autogovernada (Federici, 2017, p. 47) e mantivemos a nota de rodapé original, que explica o contexto de inserção do termo.
Além disso, paratextos (capa, quarta capa, prefácio, posfácio, notas de rodapé, entre outros) perpassam todo o projeto. As notas de rodapé são um recurso importante porque permitem contextualizar à pessoa que lê com informações históricas e culturais além de inserir referências de obras que já foram publicadas no Brasil. Em Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2017), optamos por acrescentar algumas notas da tradução espanhola consultada14 com o intuito de agregar o acúmulo de conhecimentos que o trabalho de tradução do livro para outras línguas desenvolveu e trabalhar em sua complementaridade. Um exemplo de nota incorporada (identificadas com a abreviatura: nte) é a de número 11, sobre o termo commons, muito importante para o trabalho de Federici:
A expressão inglesa commons adquiriu, com seu uso, a condição de substantivo. Refere-se ao “comum” ou ao “tido em comum”, quase sempre com uma conotação espacial. Decidimos traduzi-lo, quando corresponda, como “terras comunais” ou “o comum”. Vários autores contribuíram com a discussão acerca da permanência da “acumulação primitiva” em termos de enclosure (cercamento) dos commons. Entre eles, cabe mencionar, além de Silvia Federici, George Caffentzis, Peter Linebaugh, Massimo de Angelis, Nick Dyer-Witheford, o coletivo Midnight Notes e os que contribuem com a revista The Commoner. [NTP] (Federici, 2017, p. 50)
Entre as notas de tradução que acrescentamos para a edição em português, identificadas com a abreviatura: NTP, sublinhamos como exemplo a inclusão de nota de rodapé n.º 188, sobre os termos communards e pétroleuses. Nos perguntávamos se ambos eram termos suficientemente popularizados no Brasil a ponto de não precisarem de nota explicativa. Na dúvida, optamos por inserir o seguinte texto:
Communards era a denominação dos membros e apoiadores da Comuna de Paris em 1871. Pétroleuses era o termo utilizado para qualificar as mulheres acusadas de terem causado incêndios durante a queda da Comuna, tendo como alvo principal destas acusações as mulheres que haviam participado dos combates armados. [NTP] (Federici, 2017, p. 373)
No campo da comunicação não textual, a capa e a quarta capa de Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2004) foram propostas pelo Coletivo como uma forma de evitar imagens que reforcem a representação caricata da bruxa como uma mulher solitária, excluída ou excepcional. Procuramos, ao contrário, reafirmar a desmistificação realizada pela autora ao apontar que a bruxa é uma mulher comum, além de ressaltar o lugar coletivo da resistência. Nesse sentido, propusemos para as mulheres da equipe de design gráfico da editora, Bianca Oliveira e Karen Ka, unir a representação de mulheres no campo (capa) e na cidade (quarta capa) para que, ao abrir o livro, seja identificada uma continuidade entre ambas, unindo metaforicamente a luta das mulheres do campo e da cidade, que caminham na mesma direção. A proposta foi feita a partir do óleo sobre tela A ceifa do feno de Pieter Bruegel, de cerca de 1565, e a xilografia As mulheres de Paris, reproduzida no jornal The Graphic, de 29 de abril de 1871.
Realizamos uma pesquisa complementar da iconografia mobilizada no livro para verificar as informações das legendas e, quando possível, melhor contextualizá-las. Foi o caso da reprodução de uma miniatura do livro Cidade das damas de Christine de Pizan (1364-1430), obra referencial com concepções sobre a autonomia das mulheres, escrita por uma mulher ainda na Idade Média. Na edição original a legenda não trazia a informação de que se tratava de um detalhe de uma imagem maior, nem remetia à obra de Christine de Pizan. Esta referência tampouco existia nas duas edições consultadas em espanhol. Nós mantivemos a tradução da legenda original: “Female masons constructing a city wall. French, 15 th century” (Federici, 2004, p. 30), traduzida como “Mulheres pedreiras construindo o muro de uma cidade, século XV” (Federici, 2017, p. 65), mas incluímos uma nota da tradução em português:
Detalhe de uma miniatura de Cristina de Pisano antes das personificações de Retidão, Razão e Justiça, em seu estudo, ajudando outra senhora a construir a “Cidade das damas”, presente no manuscrito conhecido como O livro da rainha, que inclui obras de Cristina de Pisano - NTP (Federici, 2017, p. 65).
Na ocasião utilizamos a grafia em português, Cristina de Pisano. Contudo, após a sugestão de Ana Miriam Wuensch, buscaremos adotar Christine de Pizan nas próximas edições do livro, caso estas sejam realizadas, por se tratar da forma como a grafia foi consagrada na tradução da obra ao português por Deplagne (2006). Além disso, seria importante modificar a nota da tradução ao português de forma a melhor explicar a forma alegórica de Christine de Pizan se referir à Razão, Retidão e Justiça como três damas. Também é importante destacar a representação da própria Pizan (de azul) como a dama alegórica da Razão, durante a construção metafórica da “Cidade das Damas”.
Ainda no que diz respeito aos paratextos, em nossa “Nota das tradutoras” (Federici, 2017, p. 7), compartilhamos reflexões que surgiram durante o processo tradutório do texto e pontos relevantes que acreditamos justificar sua tradução. Por meio da “Nota das tradutoras” pudemos visibilizar parcerias que foram fundamentais para a concretização da tradução da obra e dar créditos às tradutoras e colaboradoras. Pudemos, sobretudo, conectar a importância de uma leitura translocal do livro a partir da uma perspectiva histórica sobre os processos de intensificação da violência contra as mulheres no capitalismo. Reproduzimos aqui um trecho da referida nota:
Para além de pensar o tema apenas circunscrito à Inquisição no Brasil e à caça às bruxas do período colonial, entendemos que esse fenômeno ainda está presente no encarceramento massivo de mulheres negras perpetrado pelo Estado; na subrepresentação ou representação deturpada da mulher nos meios de comunicação; nas violências obstétricas contra as cidadãs que recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS); nos corpos das vítimas da violência policial nas periferias; e na experiência cotidiana de perseguição, silenciamento, agressão e invisibilização das mulheres trans, travestis e prostitutas, entre tantos paralelos essenciais. (Coletivo Sycorax, em Federici, 2017, p. 9)
Encaramos nosso trabalho como tendo uma continuidade, que vai desde a identificação de textos que tenham potencial para a formação crítica, sua tradução, com o apoio de textos, paratextos e imagens que acompanhem a sua contextualização e engloba a participação do coletivo em atividades como oficinas, debates e rodas de conversa que relacionem a obra aos nossos contextos de luta. Afinal, reivindicamos a tradução independente e coletiva como um projeto político de caráter formativo, sobretudo em contextos em que o acesso ao conhecimento é um privilégio.
Ao considerar a centralidade da movimentação coletiva para a experiência com o texto, nessa seção do artigo relataremos as experiências que nos permitiram realizar o exercício de diálogo com a obra Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2017) nos contextos em que vivemos. Em outras palavras, buscamos aqui analisar a circulação da obra, demonstrando que o processo de tradução é dialógico, demanda a atualização contínua das obras em seus contextos de aproximação e pode contribuir para a construção de um feminismo transnacional.
Após a tradução do texto, promovemos uma série de iniciativas para expandir ainda mais a conexão da obra com as lutas locais. Em 2016, quando lançamos a versão beta da tradução, propusemos um debate sobre a atualidade da caça às bruxas com Silvia Federici, Débora Maria da Silva do Movimento Mães de Maio, Regiany Silva do coletivo Nós Mulheres da Periferia e Monique Prada da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS) e co-editora da página Mundo invisível.15
Durante este debate foram realizadas importantes conexões com o presente. Após a apresentação por Federici das motivações que a levaram a escrever o livro, principalmente a necessidade de compreender a especificidade da violência contra a mulher no capitalismo, Débora Maria da Silva apresentou as mães vítimas do capital, da guerra de combate às drogas, como bruxas que estão sendo caçadas e queimadas vivas. Ao considerar o sofrimento provocado pela perda de seus filhos, assassinados durante os chamados Crimes de Maio,16 lembrou como recai a violência institucional contra as mulheres nas periferias: “Nós já perdemos três Mães de Maio, e perdemos quase todas as mães de Acari, que são as pioneiras no Brasil” (Débora Maria da Silva, 03 de setembro de 2016).17
Regiany Silva, integrante do coletivo de jornalistas, da periferia, relatou a necessidade de se organizar para “usar as ferramentas do jornalismo para contar histórias por nós mesmas” (Regiany Silva, 03 de setembro de 2016). Conectou a fala de Débora Maria da Silva com o que ela mesma havia vivido durante os Crimes de Maio de 2006, rapidamente esquecidos pela grande mídia que faz com que informações sobre chacinas e crimes cometidos nas periferias tenham pouca relevância, como nos casos de Luana Barbosa e Cláudia Silva Ferreira, mulheres assassinadas pela polícia.
Finalmente, Monique Prada aprofundou as contribuições da autora a respeito do trabalho sexual e reprodutivo e ressaltou que o Estado mata às mulheres que estão à margem em nome da Ordem e do Progresso. A forma do patriarcado queimar, torturar, manter mulheres presas e à margem dos direitos tem como objetivo prejudicar a todas as mulheres: convencê-las de que há um péssimo lugar para aquelas que rompem com padrões e regras. Além disso, o fenômeno também diz respeito a como as mulheres foram convencidas a caçarem umas às outras.
Naquele momento, ainda estávamos tentando compreender o momento histórico no qual nos encontrávamos no Brasil após a aprovação da Lei Antiterrorismo, o impeachment da então presidenta Dilma Rousseff e com o Congresso eleito considerado o mais conservador desde 1964 (Souza; Caram, 2014).18 De lá para cá, o Brasil passou a experimentar uma série de medidas de austeridade que impactaram diretamente nas garantias sociais, sobretudo das mulheres.
Em nome de uma pretensa “modernização” das relações de trabalho e sob a justificativa da crise econômica e de uma dívida pública que nunca foi auditada, uma série de reformas foi implementada. Entre elas, a aprovação da Emenda Constitucional 95/2016, que estabeleceu um teto de gastos públicos em áreas sociais fundamentais. Nessa mesma época, fortaleceu-se a tese jurídica ruralista do marco temporal, com a finalidade de dificultar ainda mais a demarcação de terras indígenas e quilombolas no país,19 e houve a aprovação de Medida Provisória (Lei N.° 13.465, 2017) que modificou a forma como são outorgadas as terras públicas no Brasil, para favorecer os interesses especulativos do mercado de terras e aumentar a pobreza e o conflito fundiário no campo (Quadros, 2019).
A conjuntura apresentada já naquele momento refletia um ponto alto do neoliberalismo, da privatização dos comuns, com um impacto maior sobretudo na vida das mulheres, com recorte não só de gênero, mas de raça e classe. Era necessário então considerarmos essas especificidades para repensarmos nossas estratégias de luta e como o processo tradutório estava necessariamente relacionado aos nossos horizontes de transformação social.
Passamos a entender o processo tradutório para além da transferência de significados de um idioma ao outro, abrangendo o próprio ato de fala. No entanto, é apenas a partir do ato de ouvir-para-responder, considerado como imperativo para traduzir, que a tradução se caracterizada como “um processo de abertura à fala da/o outra/o” (Costa, 2013, p. 58). Por isso é necessário criticar a institucionalização de processos de teorização na academia que menosprezem conhecimentos que supostamente não seriam teóricos o suficiente e que pressuponham o enfileiramento de títulos em detrimento da acolhida de conhecimentos produzidos por “sujeitos coloniais”.
Desta feita, a tradução deve ser entendida também como um processo que se conecta com conhecimentos populares e oralidades para gerar novas interações entre teoria e prática. Segundo bell hooks (2013), inspirada na pedagogia do brasileiro Paulo Freire, a teoria tem que poder ser comunicada numa conversa cotidiana, senão não há nenhuma ligação com a realidade vivida. Na experiência do Coletivo Sycorax, esses momentos de aprendizagem mútua têm lugar em rodas de conversa e oficinas, nas quais são abordados os principais temas dos livros traduzidos, a partir das múltiplas realidades das participantes e dos estudos de caso propostos.
No caso de Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2004), durante o lançamento da versão em formato livro em 2017, o coletivo distribuiu gratuitamente um cartaz com uma imagem do livro e a transcrição do debate ocorrido em 2016, para expandir ainda mais a conexão da obra com as lutas locais.20 Além dos eventos de lançamentos iniciamos um ciclo de oficinas de leitura da obra, intitulado Mulheres e resistências periféricas em meio às crises do capital: Oficinas sobre o livro Calibã e a Bruxa, de Silvia Federici, onde os cartazes também foram distribuídos. Nestas oficinas, realizadas em 2018, no campus Itaquaquecetuba do Instituto Federal de São Paulo, abordamos os grandes temas do livro, como a atualidade da caça às bruxas e a violência de Estado, acumulação primitiva e trabalho reprodutivo, a descolonização e lutas pelo comum.21
Optamos por realizar nossas atividades preferencialmente em lugares descentralizados, de forma articulada a iniciativas locais. A escolha por realizar as oficinas no Instituto Federal de São Paulo se justificou, assim, pelo fato de que sua implementação em muitas regiões da cidade é fruto da ação de movimentos sociais locais e algumas iniciativas docentes reforçam o compromisso com o oferecimento de atividades de extensão de forma aberta e gratuita. Além disso, os Institutos Federais de Educação (IFS) e as Universidades Públicas Federais foram recentemente alvo de cortes sistemáticos de verbas pelo Ministério da Educação (MEC), perseguição ideológica e ameaça de adoção de modelo de educação “cívico-militar” (Grabowski, 2019).
Em uma parceria com a Fundação Rosa Luxemburgo, foram realizadas oficinas gratuitas com distribuição do livro. Abrimos também a possibilidade de acolhimento de crianças, pois sabemos que a maternidade não pode ser impeditiva para as mulheres participarem de espaços de debate, sobretudo em atividades em que a própria maternidade está sendo questionada e discutida.
De uma perspectiva de mulheres que traduzem outras mulheres, reconhecemos na tradução um ato íntimo de leitura (Spivak, 2005) e uma posição privilegiada com relação ao texto. Por isso, acreditamos que traduções coletivas realizadas por mulheres possuem um grande potencial de circulação com o texto e devam ser estimuladas, como um protesto contra as falotraduções ou “phallotranslations”, termo cunhado por Henitiuk (1999), para criticar traduções realizadas por intérpretes inadequados da escrita de mulheres, geralmente homens, que omitem e desvirtuam o original, incorporando-o à ideologia dominante por meio de uma tradução patriarcal.
Mais do que isso, conforme Costa:
o conceito de tradução está alojado no cerne da crítica pós-colonial, e tendo em vista que o feminismo é uma prática teórica e política invariavelmente tradutória, [...] urge trazer as contribuições feministas para a mesa da ceia pós-colonial e, num gesto de traição (presente em todo ato de tradução), subverter sua gastronomia patriarcal e descolonizá-la. (2013, p. 45)
A experiência de tradução coletiva da obra Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva (Federici, 2004), nesse sentido, visa dar ênfase às estratégias que o capitalismo relança, a cada grande crise, como forma de se sustentar enquanto sistema para que assim, nós, mulheres, possamos traçar nossas estratégias de luta em sociedade. Desde o Coletivo Sycorax, continuamos com o projeto de traduzir livros de autoras feministas, de uma perspectiva antirracista e anticapitalista, que nos ajudem a compreender o atual ciclo de lutas.
Ao longo deste artigo, buscamos evidenciar a tradução coletiva entre mulheres como uma estratégia política feminista transnacional, a partir da experiência de tradução de Caliban and the Witch ao português brasileiro, realizada pelo coletivo Sycorax. Por meio da sistematização das práticas e da história do coletivo, exemplificamos como o processo tradutório coletivo pode ser entendido à luz da tradutologia feminista transnacional, sobretudo em seu papel de movimentação com o texto para outros contextos de recepção.
Ao abordar as motivações políticas que nos levaram a escolha da obra a ser traduzida, apostamos no potencial de Caliban and the Witch em conectar estudos sobre o processo de acumulação primitiva no capitalismo e o fenômeno da caça às bruxas na Europa e na América com as violências exercidas no presente contra as mulheres e seus meios de reprodução da vida em nossos territórios. O novo ciclo de acumulação ensejado pelo neoliberalismo e a expansão das relações capitalistas precisa ser compreendido também em contextos específicos como uma nova ofensiva contra as mulheres, que se situam na linha de frente das resistências contra o capitalismo.
Entendemos que nosso trabalho de tradução é especialmente importante em contextos em que o acesso à educação de qualidade e ao ensino superior é, ainda, um privilégio de classe e de raça e, no qual, o acesso ao aprendizado de idiomas estrangeiros é um privilégio ainda mais restrito. E para que o acesso às ideias propostas na obra fosse o mais amplo possível, tomamos como projeto político, desde o início, a utilização de licenças abertas que permitissem o compartilhamento da tradução de forma gratuita na internet. A partir do momento em que se vislumbrou a publicação de uma versão impressa da tradução, o coletivo buscou estabelecer parcerias que garantissem que o texto chegasse gratuitamente em lugares em que geralmente os livros não podem ser acessados, sobretudo pelo alto valor com que são comercializados.
Nossa preocupação com o acesso à tradução diz respeito à ampliação das possibilidades de discussão da obra nos mais diversos territórios, tendo em vista a recepção que Caliban and the Witch obteve em outros países ao redor do mundo, sobretudo da América Latina. A necessidade de discussão coletiva sobre os temas propostos no livro não apenas foram a motivação de fundação do coletivo, de início da tradução do texto, mas também do anseio de que a obra pudesse circular e dialogar com as realidades das mulheres brasileiras, fortalecendo os movimentos de mulheres na nossa região e conectando-os às lutas que também estão sendo feitas em outros territórios latino-americanos e que se mobilizam a partir da leitura da obra.
O processo de experimentação coletiva com o texto, dentro do coletivo Sycorax, sinalizou o desafio de trazer as questões que permeavam a leitura da obra para dentro do texto e dos paratextos, culminando em escolhas tradutórias feministas, antirracistas e anticapitalistas. Desafio que implicou no cuidado em fazer escolhas tradutórias éticas, que fossem coerentes com nossos pressupostos políticos e que propusessem uma mediação à obra em diversos contextos de recepção.
Além disso, a possibilidade de trabalhar com o texto coletivamente colabora para considerar a amplitude do projeto como um mecanismo importante para não reproduzir uma divisão alienada das tarefas. Nesse sentido, os debates sobre as dificuldades tradutórias e o compartilhamento de experiências individuais com edição e tradução em oficinas internas também são estratégias que têm sido importantes para a formação coletiva. Com este propósito, identificamos que, para além de divulgar o trabalho da autora, as atividades com o texto após a publicação têm esse potencial de mediação e contribuem, inclusive, para o nosso próprio entendimento do texto e o aprendizado a partir de outras leituras feitas sobre ele.
Em nossas atividades, abordamos o debate específico sobre o trabalho reprodutivo em sua inserção no campo dos feminismos, principalmente em economias periféricas. Apoiadas em exemplos e tópicos trazidos pela autora, os encontros de discussão que promovemos nos lançamentos e nas oficinas (e em atividades para as quais eventualmente somos convidadas) procuram traduzir os conceitos da obra em diálogo com as experiências trazidas pelas participantes, de forma articulada aos saberes e reflexões locais.
A tradução entendida como estratégia feminista transnacional/translocal é uma importante ferramenta já que as desigualdades não estão limitadas a uma ou outra parte do planeta, mas enquanto um fenômeno sistêmico, atingem pessoas de diferentes realidades linguísticas. Portanto, é imprescindível que as ideias das trabalhadoras e trabalhadores de todas as partes se encontrem e se somem na construção de novas realidades, o que é potencializado por meio do trabalho de tradução coletiva. Passamos, assim, a considerar a tradução não apenas como uma tarefa específica, de trazer textos para nossa língua materna, mas também como uma forma de “transbordar para territórios de língua portuguesa, e além-mar, as ideias e os debates que as obras inspiram nos cursos de outros idiomas” (Coletivo Sycorax, em Federici, 2019, p. 7).
As autoras agradecem a Aline Sodré, Carolina Menegatti, Gustavo Motta, Marcos Visnadi, Mariana Kinjo, Nina Meirelles e Raquel Parrine e em particular a Lia Urbini, por trilharem conosco os caminhos que envolveram a tradução de Caliban and the Witch: Women, the Body and Primitive Accumulation (Federici, 2004) ao português brasileiro.
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Emenda Constitucional 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o ato das disposições constitucionais transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. https://www2.camara.leg.br/legin/fed/emecon/2016/emendaconstitucional-95-15-dezembro-2016-784029-publicacaooriginal-151558-pl.html
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William Shakespeare 2002A tempestade Beatriz Viégas-Faria Porto AlegreL&PMhttps://doi.org/10.18542/hendu.v7i1.6005
Souza, Nivaldo; Caram, Bernardo. (2014). Congresso eleito é o mais conservador desde 1964, afirma Diap. O Estado de São Paulo. https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,congresso-eleito-e-o-mais-conservador-desde-1964-afirma-diap,1572528
Nivaldo Souza Bernardo Caram 2014Congresso eleito é o mais conservador desde 1964, afirma DiapO Estado de São Paulohttps://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,congresso-eleito-e-o-mais-conservador-desde-1964-afirma-diap,1572528
[3] As traduções do Coletivo (por enquanto dois livros de Silvia Federici) estão disponíveis em: http://coletivosycorax.org/traducoes/
[4] Mais informações sobre as atividades realizadas pelo Coletivo Sycorax podem ser encontradas em: http://coletivosycorax.org/eventos/
[5] A Fundação Rosa Luxemburgo (https://rosalux.org.br) é uma fundação alemã, com escritórios em diversos países, que atua no Brasil desde 2003. Tem como objetivo apoiar iniciativas democráticas, de pesquisa, reflexão e debate sobre alternativas ao capitalismo, como as oficinas realizadas pelo coletivo, que privilegiam discussões e distribuição de obras em territórios periféricos de nossas geografias urbanas.
[6] A tradução beta que publicamos no site do Coletivo Sycorax em 2016 ficou disponível durante um ano, enquanto trabalhávamos em sua revisão para a publicação, impressa e eletrônica, de Calibã e a bruxa (Federici, 2017), o que ocorreu no ano seguinte. A versão que está disponível em nosso site hoje é, portanto, a versão final da tradução.
[7] Segundo Lara (2007), Calibã foi recuperado como símbolo de pessoas ameríndias e africanas oprimidas e escravizadas, que usam a língua do colonizador como uma ferramenta de resistência contra o opressor. Já a representação de Sycorax, sua mãe, permanece na literatura negativamente racializada e sexualizada, em silêncio. A autora reivindica a linguagem de Sycorax como um desafio ao monolinguismo praticado por grupos dominantes que têm poder de narrar a história oficial (Lara, 2007).
[8] Segundo o Mapa da violência (2015), o Brasil é o quinto país com maior taxa de homicídios de mulheres. Somente El Salvador, Colômbia, Guatemala (três países latino-americanos) e a Federação Russa evidenciam taxas superiores às do Brasil. O mapa também revela que o número anual de mortes violentas de mulheres negras aumentou 54% em dez anos, enquanto que a quantidade anual de homicídios de mulheres brancas diminuiu 9,8%. O que revela a importância do componente racial, além da violência doméstica e familiar, como fator de risco para a vida das mulheres no Brasil. Disponível em: http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/ feminicidio/
[10] Utilizamos o termo translocal no sentido invocado por Alvarez (2009), que representa não apenas o deslocamento transfronteiriço, do qual o termo transnacional eventualmente daria conta, mas também se estende às migrações entre localidades culturalmente diferentes, mas sem divisões de fronteiras ou de fronteiras porosas. Para além disso, e em particular, translocal se refere igualmente à ideia de movimento dentro de categorias de posição dos sujeitos (de gênero, raça, etnia, classe, sexualidade, entre outras) e à multidirecionalidade desses movimentos.
[11] Existem vários tipos de licenças Creative Commons, que são licenças públicas que permitem a distribuição gratuita de uma obra protegida por direitos autorais. Este tipo de licença pode ser usada quando uma pessoa quer liberar a possibilidade de compartilhar, usar e construir sobre um trabalho de sua autoria. Em uma licença Creative Commons é possível definir em quais termos o compartilhamento pode ser realizado. Ver: https://br.creativecommons.org/licencas/
[12]Anticopyright se refere a um movimento que se contrapõe às leis de propriedade intelectual que restringem o acesso a obras por meio do uso de direitos autorais, para abrir a possibilidade de acesso aberto a obras sem finalidade comercial.
[13] De forma semelhante, Mainer (2017) estuda como um coletivo anônimo de mulheres anarco-feministas da Espanha traduziu ao espanhol textos selecionados de Rote Zora, um grupo feminista militante ativo na Alemanha Ocidental de 1977 a 1995, conhecido por uma série de ações com explosivos. As tradutoras, por meio de recursos com o texto e paratextos, entendem a tradução como um instrumento de diálogo e contestação necessário para transformar a sociedade e subverter as relações de poder sobre gênero, raça, classe, etc. No caso do Coletivo Sycorax, buscamos evidenciar o trabalho das mulheres na tradução e difundir nossas ações em oficinas e debates, de modo que o anonimato não se coloca como uma estratégia de organização.
[14] Para o inglês, ver: https://www.merriam-webster.com/dictionary/denigrate; para o italiano, ver: http://www.treccani.it/vocabolario/denigrare/
[15] Tradução ao espanhol realizada por Verónica Hendel e Leopoldo Sebastián Touza, com notas de Verónica Hendel para a editora Traficantes de Sueños. Essa também foi utilizada com algumas alterações na edição argentina pela Tinta Limón.
[16] A transcrição da discussão pode ser acessada na íntegra em: Mulheres, luta e capital: relato do lançamento do livro de Silvia Federici, com Débora Silva, Monique Prada e Regiany Silva, disponível em: https://entranhas.org/mulheres-luta-e-capital-silvia-federici/
[17] Os Crimes de Maio ocorreram entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, em resposta a ataques articulados pela organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), agentes do Estado e grupos de extermínio saíram às ruas da cidade de São Paulo e região metropolitana para retaliação. Os ataques deixaram 564 pessoas mortas e 110 feridas, segundo os dados oficiais. Aqui escrevemos “filhos”, no masculino, pois 96 % das pessoas mortas nos Crimes de Maio eram jovens homens negros, com a idade média de 27 anos de idade (LAV-UERJ, 2008, pp. 18-19), dados que corroboram para a compreensão do perfil das vítimas da dinâmica da violência policial no Brasil.
[18] As Mães de Acari são um grupo de mães de vítimas da chacina de Acari, como ficou conhecido o desaparecimento de 11 jovens em Magé (a 60 km do Rio de Janeiro), em 26 de julho de 1990. As mortes estariam relacionadas à ação de um grupo de extermínio formado por policiais militares. Débora Maria da Silva se referia à Edmea da Silva Euzébio, assassinada em 1993, e outras Mães de Acari, que morreram após adoecerem.
[19] A Lei Antiterrorismo (Lei 13.260/2016) foi sancionada pela então presidenta Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), meses antes de o país se tornar sede dos Jogos Olímpicos. A lei foi considerada alarmante por definir condutas imprecisas e prever uma tipificação subjetiva do que viria a ser considerado crime de terrorismo e, por isso, muitas organizações denunciaram o seu uso como uma forma de criminalização dos movimentos sociais. Em agosto de 2013, a então presidenta já havia aprovado a Lei das organizações criminosas (Lei n.º 12.850/2013), logo após um cenário de intensas manifestações que marcaram junho de 2013. Tais legislações podem ser entendidas como estratégias de repressão e de controle do Estado contra protestos e manifestantes. Em agosto de 2016, no segundo ano do segundo mandato, a presidenta Dilma Rousseff sofreu um impeachment e o vice-presidente, Michel Temer, do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), assumiu o governo. O processo de impeachment foi permeado por inconsistências jurídicas e culminou no aprofundamento das medidas de austeridade em direitos humanos ao longo do governo Temer.
[20] A tese do marco temporal restringe o direito constitucional de demarcação de terras e territórios tradicionais caso não haja comprovação de ocupação das áreas reivindicadas na data da promulgação da Constituição Federal de 1988. Para mais informações, acessar Sartori (2016).
[23] Rosas, Cecília; Bittencourt, Juliana; Izidoro, Leila Giovana e Macedo, Shisleni de Oliveira. (2020). Conjurando traduções: a tradução coletiva de Caliban and the Witch ao português brasileiro como estratégia feminista transnacional. Mutatis Mutandis. Revista Latinoamericana de Traducción, 13(1), 117-138. DOI: 10.27533/udea.mut.v13n1a06