Ricardo Prestes Pazello2
Resumo: O presente ensaio pretende apresentar uma fundamentação gnosiológica a respeito do diálogo, entendido como necessário, entre marxismo e teoria descolonial. Em primeiro lugar, realiza um questionamento acerca de haver ou não um eurocentramento marxista, concluindo pela sua rejeição a partir das fontes originais bem como das interpretações latino-americanas e das demais periferias do sistema mundial capitalista. Em segundo lugar, defende a necessidade do materialismo histórico para a efetivação do giro descolonial, complementando a análise da especificidade latino-americana com a da totalidade do mundo do capital. Em terceiro lugar, passa em revista as contribuições da crítica marxista à dependência, produzida desde a América Latina, como a mais conseqüente síntese entre marxismo e descolonialismo. Por fim, aplica toda a reflexão ao campo das teorias críticas do direito, propondo a categoria de relação jurídica dependente como nodal para a construção de um direito insurgente.
Palavras-chaves: Marxismo; Giro Descolonial; Dependência; Relação Jurídica Dependente; Direito Insurgente.
Resumen: Este ensayo pretende presentar una fundamentación gnosiológica respecto del diálogo, entendido como necesario, entre marxismo y teoría descolonial. En primer lugar, cuestiona si existe o no un eurocentramiento marxista, concluyendo por su rechazo basado tanto en las fuentes originales como en las interpretaciones latinoamericanas y de otras periferias del sistema mundial capitalista. En segundo lugar, defiende la necesidad del materialismo histórico para llevar a cabo el giro descolonial, complementando el análisis de la especificidad latinoamericana con el de la totalidad del mundo del capital. En tercer lugar, se revisan los aportes de la crítica marxista a la dependencia, producida en América Latina, como la más consecuente síntesis entre marxismo y decolonialismo. Finalmente, aplica toda la reflexión al campo de las teorías críticas del derecho, proponiendo la categoría de relación jurídica dependiente como punto nodal para la construcción de un derecho insurgente.
Palabras clave: Marxismo; Giro Descolonial; Dependencia; Relación Jurídica de Dependiente; Derecho Insurgente.
Abstract: This essay intends to present a gnosiological foundation regarding the dialogue, understood as necessary, between Marxism and Decolonial Theory. Firstly, it questions whether or not there is a Marxist Eurocentrism, concluding by its rejection based on the original sources as well as those from Latin American interpretations and the other peripheries of the capitalist world system. Secondly, it defends the need of the Historical Materialism to carry out the decolonial turn, complementing the analysis of Latin American specificity with that of the totality of the world of capital. Thirdly, it reviews the contributions of the Marxist critique of dependency, produced in Latin America, as the most consequential synthesis between Marxism and Decolonialism. Finally, it applies all the reflection to the field of critical theories of law, proposing the category of dependent juridical relation as a nodal point for the construction of an insurgent law.
Keywords: Marxism; Decolonial Turn; Dependency; Dependent Juridical Relation; Insurgent Law.
Consumado o golpe militar fascista, que é incompatível com a cultura, a destruição da edição deste livro foi um pequeno detalhe em meio à situação de barbárie que se estabeleceu no Chile, onde foi decretado um estado de guerra à ciência, à arte e à cultura (Bambirra, 1974, p. 22).
O depoimento que epigrafa nosso ensaio é de Vânia Bambirra, em nota à edição mexicana de seu livro A revolução cubana: uma reinterpretação. A versão chilena da obra é de 1973, ano do golpe pinochetista naquele país. A coincidência implicou a destruição da quase totalidade dos exemplares editados, devendo esperar o ano seguinte para ser republicado no México. A violenta censura e a tentativa de apagamento, em definitivo, do texto de Bambirra é um de tantos exemplos da perseguição contra todo pensamento crítico, notadamente daquele que pretende se comprometer com a descolonização. Sua análise sobre os eventos revolucionários ocorridos em Cuba tinha esse condão. E, para “piorar”, tinha-o de um ponto de vista marxista.
Não há dúvidas de que a perspectiva marxista rejeita, via materialismo histórico, o mundo de exploração dos trabalhadores pelo capital e anuncia um mundo onde o comum prevaleça. Se é assim com relação ao marxismo, o mesmo pode se dizer em referência ao contemporaneamente difundido giro descolonial do poder e do saber propalado pela teoria social latino-americana? É certo que a perspectiva descolonial parte de uma situação bem definida: a periferia do capitalismo, notadamente a América Latina. Mas o que o descolonizar enuncia?
Para respondê-lo, gostaríamos de começar afirmando o ponto de vista latino-americanista, que deve informar – para os latino-americanos, por óbvio – o marxismo, entendido como a mais potente teoria anticapitalista. Mas o descolonizar deve ser preconizado de modo a também atingir seu máximo potencial. Descolonizar é verbo e, como ação, significa denúncia do colonialismo historicamente assentado na política de conquistas territoriais e corporais pelas metrópoles europeias que, após as independências formais, resultaram em permanência de suas estruturas como colonialidade das relações sociais. A questão é saber o que, de fato, afirma o giro descolonial. Certamente, afirmar a descolonialidade é tão vago quanto propor o anticapitalismo. O momento negativo é fundamental, mas tão crucial quanto é estabelecer a sua paralela dimensão positiva.
O presente texto pretende ensaiar uma argumentação cuja destinação é a de apresentar a necessidade complementar, para o pensamento crítico latino-americano, de um marxismo em diálogo com o giro descolonial na gnosiologia. Como uma de suas resultantes, é possível aplicar essa dialogicidade ao âmbito da crítica jurídica em nosso continente. Sobre o marxismo, há grande conhecimento divulgado, ainda que não seja bem assim quanto às exegeses criativas feitas desde a América Latina. Autores e desdobramentos teóricos do continente, os mais diversos, ainda são pouco visitados, seja por marxistas ou não. Por sua vez, a descolonização compromete-se demasiado fluidamente com o pós-descolonial. Já quanto ao direito, a síntese que apresentaremos, apesar de lastreada em tradição anteriormente assentada, tem o condão de demonstrar nosso esforço de categorialização, fundada em aludido diálogo marxista-descolonial.
Até para vencer a lacuna que a complementaridade preencheria, a seguir nos questionaremos sobre o que há por descolonizar no marxismo, expondo um inventário das transformações teóricas do próprio Marx e dos autores – e contextos revolucionários – que apostam nessas suas viragens político-epistêmicas. Em paralelo, também proporemos um giro descolonial que albergue uma aproximação materialista-histórica, em que um acerto de contas com os antecedentes anticoloniais, abertamente influenciados pelo marxismo, se faz sentir. Aliás, dialogando com perspectivas teóricas diversas, as quais incluem desde a teoria do sistema-mundo até as abordagens pós ou de-coloniais, é que fazemos questão de defender a grafia – e a pronúncia – do descolonial com “s”.
Em outro lugar, já escrevemos que, de nossa parte, o descolonial quer reivindicar “a tradição criativa do marxismo na América Latina, tal como a teoria da dependência, a pesquisa-ação e a política da libertação fazem revelar, ou seja, desenvolvendo uma crítica ao sistema capitalista sem deixar de estar com o pé no barro de nossa América” (Pazello, 2014, p. 39). Além disso, o descolonial tem três outras dimensões como vernáculo político-epistemicamente defendido: representa uma inversão, didaticamente apreensível para os setores populares não acadêmicos, da problemática colonial; encarna com o “s” mantido na palavra, em nossa interpretação simbólica, o Sul que tal perspectiva gnosiológica enfatiza; e, ainda, recusa o translúcido anglicismo que os autores migrantes – em geral, da América Latina para os Estados Unidos – fazem bilinguajar em seu vocabulário. O essencial, porém, é criticar o colonialismo e sua permanência como colonialidade, ancorando-nos em um marxismo sul/latino-americano. Daí o porquê do descolonial em nossa discursividade, sem olvidar que para cada autor há uma justificativa sobre esta opção terminológica.
Podemos, ainda, dizer que realizar a tarefa da qual resulta a conjunção entre um marxismo descolonial e um giro descolonial marxista importa, necessária e obrigatoriamente, estabelecer a centralidade teórica das análises da dependência do capitalismo latino-americano no contexto do sistema mundial colonial/moderno. Foram autores marxistas – como Gunder Frank, Marini, Dos Santos e Bambirra – que o encabeçaram e legaram-no como ponto de partida geopolítico de compreensão da parte do mundo que nos cabe. Sem superação da estrutura centro-periférica do capital não há descolonização alguma, assim como nem mesmo marxismo, para nós, faz sentido.
Por fim, do ponto de vista do direito, é a categoria de relação jurídica dependente que pode contribuir para a reconstrução de um direito insurgente, como exporemos ao final de nosso percurso. Metodologicamente falando, portanto, o presente artigo é um ensaio (com linguagem reflexiva, por vezes especulativa, por outras excessivamente descritiva, mas sempre crítica no sentido teórico proposto pelo materialismo histórico) que visa a expor os fundamentos necessários para se produzir um direito insurgente, desde as críticas marxista, descolonial e dependentista. Não se trata, assim, de um texto que tenha condições, quanto a espaço e tempo, de apresentar o que entendemos por direito insurgente, propriamente – esforço que temos envidado e em vista do que remetemos a nossas produções anteriores (Pazello, 2014; 2021); antes, nosso compromisso é com os desdobramentos dessa leitura e, a um só tempo, com seus pressupostos. Quer dizer, no final das contas, propomos fazer teoria crítica do direito cimentando seus fundamentos que, no caso, aparecem radicalmente críticos, a partir do marxismo, da descolonização e da realidade do capitalismo dependente latino-americano. Por isso, o que será exposto a seguir tem mais diretamente a ver com marxismo e giro descolonial, bem como com o que interpretamos ser sua síntese dialética – a crítica a dependência –, do que com o direito insurgente mesmo, apesar de não nos esquivarmos de para ele apontar, anunciando a precisão de continuidade do presente debate.
Seria o marxismo, afinal, eurocêntrico? Este questionamento vem sendo feito há algum tempo, em especial no bojo das perspectivas teóricas críticas da modernidade, as quais concebem – com grande razão – a explicação europeia de mundo como um etnocentrismo de escala global e implicam suas teorias, ademais de suas práticas, como artífices desta mirada. Dentre elas, estaria o marxismo. Mas esta imputação de eurocentrismo se sustenta?
Seja no marxismo de Marx seja no de seus continuadores, a questão possui uma complexidade que não pode ser determinada pelo local de nascimento geográfico da teoria – ainda que assim possa ser condicionada, por certo (e, logo, estamos distinguindo determinismo de condicionamento). Por Marx propor, em termos de método, uma análise de totalidade ao mesmo tempo em que de especificidade do capital, o problema adquire uma compleição toda própria. Em resumo: o capitalismo não seria capitalismo sem a destruição dos modos de vida europeus não-modernos e sem o projeto colonial (que é a aniquilação – ou, no mínimo, sua inviabilização autônoma – dos modos de vida não-europeus).
A nosso ver, esta constatação pode ser feita a partir das cristalinas palavras de Marx a respeito da acumulação originária do capital, no capítulo 24 do livro 1 de O capital:
a descoberta das terras auríferas e argentíferas na América, o extermínio, a escravização e o soterramento da população nativa nas minas, o começo da conquista e saqueio das Índias Orientais, a transformação da África numa reserva para a caça comercial de peles-negras caracterizam a aurora da era da produção capitalista. Esses processos idílicos constituem momentos fundamentais da acumulação primitiva (Marx, 2014, p. 821).
Marx di-lo após expressar seu entendimento de que a acumulação originária é resultado do “processo histórico de separação entre produtor e meio de produção” (Marx, 2014, p. 786), exatamente como ocorreu na dissolução da sociedade feudal e sua passagem para a capitalista.
Pois bem, estas podem ser consideradas as duas grandes pilastras da origem do capitalismo: desterritorialização européia e colonialismo americano-africano-asiático. Uma nada mais é que o espelho da outra em suas geopolíticas próprias – dentro e fora da Europa. Só que isto se dá não sem a percepção de qual a ancoragem que empresta subsistência e unidade a tais processos: o desenvolvimento do capitalismo europeu. Marx constata, portanto, o capital como uma realidade-mundo (em desenvolvimento) e dedica sua atenção – acerrimamente crítica, lembremos – ao seu centro de irradiação – a Europa ocidental. Ocorre que compreender existir um centro implica reconhecer suas periferias.
É exatamente esse ponto que um marxismo latino-americano procurou sublinhar ao perceber a existência de um Marx “desconhecido” (Dussel, 1988) ou ainda “em seu terceiro mundo” (Kohan, 1998). E esta senda de descobertas marxológicas de um Marx periférico decorre de suas fundamentais análises sobre Irlanda, Polônia e Rússia, que permitem continuar florescendo interpretações – mesmo que não alocadas na periferia geográfica do capital – como a de um Marx “tardio” (Shanin, 2017) ou “nas margens” (Anderson, 2019).
A verdade é que há todo um conjunto de reflexões que busca enfrentar a questão a qual já houvera sido levantada em face da figura histórica do peruano José Carlos Mariátegui. Justamente Mariátegui, que é considerado o pioneiro marxista latino-americano criativo, foi o primeiro a ser acusado de eurocentrismo por seus contemporâneos – notadamente pelos integrantes da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) sob a liderança de Victor Raúl Haya de la Torre (ver Löwy, 2006, p. 11). Só por isso um inventário de posições já teria sua razão de ser, no entanto o levantamento de tais posicionamentos revela ainda mais. Inventariá-las-emos sem, contudo, esgotá-las. Nosso desiderato é mostrar a posição heurística da questão da dependência (inclusive para o direito) como elemento sem o qual descolonização alguma haverá.
Se em 1928, com o lançamento dos seus Sete ensaios de interpretação da realidade peruana, Mariátegui (2010) inaugurou as condições de possibilidade do marxismo latino-americano, o século XX assistiu aos desdobramentos da montagem de um longo quebra-cabeças dos textos de Marx que o posicionariam para muito além de um eurocentrismo ou de uma apologia do desenvolvimento das forças produtivas. Já na década de 1960 – mais especificamente em 1961 –, por exemplo, Jorge Enea Spilimbergo (2002) escreve sobre A questão nacional em Marx, aproximando revoluções nacional e socialista e tendo por ápice argumentativo a questão irlandesa interpretada por Marx. Em linha muito parecida com a de Spilimbergo – que, aliás, se manteve unificada com ele até uma fratura político-organizativa nos anos de 1980 –, Jorge Abelardo Ramos defendeu O marxismo de Índias (1973), como intitulou publicação que reuniu ensaios relativos a seu “marxismo bolivariano”, a qual também incorporava capítulos de sua clássica História da nação latino-americana (2012), escrita em 1968. Interessante é destacar que, nesta obra, traça um paralelo entre os estudos de Marx sobre a Espanha e a Irlanda, o que lhe deu condições de superar suas posições mais retrógradas sobre a colonização da Índia e a invasão do México. Ramos chega a espelhar o Inca Yupanqui a Marx, antes mesmo de se referir a Bolívar.
Adentrando o ano de 1980, José Aricó lança seu Marx e a América Latina, talvez um dos mais potentes estudos do marxismo latino-americano opondo-se a uma leitura que aceita (para criticá-lo ou não) o eurocentramento de Marx. No centro de sua argumentação sobre uma “fenomenologia do subdesenvolvimento” reside o caso irlandês, ainda que antecedido pelo estudo do caso polonês e sucedido pelo caso russo. Aricó destaca que todas essas análises geopolíticas se destinam a uma compreensão de totalidade do capitalismo: “admitir qualquer tipo de separação na unidade originária estabelecida por Marx entre ‘capitalismo desenvolvido’ e ‘capitalismo colonial’ leva, inevitavelmente, a silenciar, menosprezar, ou invalidar partes importantes do sistema teórico de Marx e de sua perspectiva metodológica” (Aricó, 1982, p. 48).
Na mesma década, Enrique Dussel se dedica a escrever uma trilogia sobre o pensamento de Marx recôndito nas sombras do marxismo esquemático que então se divulgava. O terceiro dos livros conclui pela existência de uma sua “viragem” a partir da “questão russa” que tem vez com a difusão de O capital, na Rússia, a partir de 1868. Segundo Dussel (1990, p. 260-261), o giro operado por Marx, ainda que apenas em um “nível histórico, concreto”, indica que sua análise contempla duas “vias diferenciadas” para a compreensão do desenvolvimento capitalista – a dos países centrais e a dos periféricos. E todo este debate permitiu uma recepção de um Marx “político” na América Latina, como conseqüência das discussões dos casos irlandês, polonês e russo: “o descobrimento da nova posição política da Irlanda – cuja emancipação nacional é condição da revolução inglesa –, da Polônia, da Rússia, tal como vimos, é o que implica uma verdadeira ‘viragem’ na posição de Marx” (Dussel, 1990, p. 273).
Para Dussel, o giro teórico de Marx é limitado à dimensão política. Para Néstor Kohan (1998, p. 236), porém, a mudança é de paradigma: “a partir de fins da década de 50 e sobretudo nas de 60 e 70 do século XIX se produz em sua trajetória teórica e científica uma forte descontinuidade que diz respeito a sua compreensão dos problemas específicos originados na relação do capital europeu ocidental com os povos e países da periferia colonial ou dependente”. E Kohan arremata que se trata de um “verdadeiro câmbio de paradigma”. Reaparecem a centralidade dos debates irlandês e russo, bem como uma lista de fontes a serem compulsadas para o entendimento de tal giro marxiano – os Grundrisse; o capítulo sobre a acumulação originária no livro 1 de O capital; a seção sobre a renda da terra no livro 3; seus textos periodísticos, enciclopédicos, bem como correspondências; e, por fim, seus cadernos etnológicos.
O percurso pós-mariateguista foi dominado, coincidentemente ou não, por argentinos – Spilimbergo, Ramos, Aricó, Dussel e Kohan – no inventário aqui construído. No entanto, é possível observar outras repercussões, assim como sugerir novos inventários. Entre os brasileiros, dois textos mais recentes são bastante sugestivos sobre o assunto. Um deles, mais heterodoxo, é o de Jean Tible (2013), que descreve um Marx selvagem, valendo-se de franco diálogo crítico a partir de Pierre Clastres e relendo seus textos sobre a periferia do capitalismo, em especial os esboços antropológicos. Outro, mais filológico, é escrito por Rafael Afonso da Silva (2020) e analisa os Ventos que sacodem Marx, especificamente as suas “páginas irlandesas”, para discutir as temáticas hoje candentes do colonialismo, do nacionalismo e do racismo.
É evidente, entrementes, que, se o Marx “imprescindível” (Kohan, 1998, p. 238) para a América Latina é o que estudou realidades do capitalismo periférico – ou seja, não apenas o capitalismo britânico –, há contribuições de intelectuais forjados nos atuais centros do sistema capitalista mundial. Vejamos, muito rapidamente, três exemplos. Com divulgações recentes, Domenico Losurdo (2020) pode ser lembrado por conta de suas contribuições sobre aspectos mais contemporâneos da relação entre marxismo e anticolonialismo (mesmo que tenha falecido em 2018). É, porém, com o percurso inaugurado por Teodor Shanin, lituano radicado na Inglaterra, que um aprofundamento da relação entre Marx e a Rússia se completou. O livro de 1983 sobre Marx tardio e a via russa (Shanin, 2017) aponta para a riqueza do debate com os russos no qual Marx se envolveu e acaba por defender que o Marx tardio gerou um marxismo periférico e até mesmo regional. Como uma espécie de representante dessa tradição no centro do capitalismo também poderíamos arrolar Kevin B. Anderson, professor na Califórnia, que publicou Marx nas margens (Anderson, 2019), em 2010, tratando não só dos textos sobre Polônia, Irlanda e Rússia, mas também Índia, Indonésia, China, Estados Unidos, entre tantos outros escritos marxianos.
Como podemos perceber com este pequeno e incompleto inventário, há um mundo de coisas por se estudar e por se estabelecer, em definitivo, do ponto de vista gnosiológico. A relação de Marx com as periferias do capitalismo é bastante difusa e desafiadora, mas certamente necessária para os que querem, como nós, apreender o capitalismo latino-americano (e periférico em geral) sem perder de vista sua dinâmica de totalidade. Para tanto, iniciar pelos textos de Marx é imperioso e, nesse sentido, ainda temos gigantes lacunas editoriais por vencer. Para além de seus textos clássicos – muitos dos quais, como vimos, aportam o debate aqui proposto, como os Grundrisse (Marx, 2011; 1991) e O capital – podemos registrar algumas publicações, em espanhol ou português, que reúnem seus escritos sobre a Rússia (ver Marx & Engels, 2013; e Fernandes, 1982), a China (Marx & Engels, 1974a), a Espanha (Marx & Engels, 1975) e a América Latina (Marx & Engels, 1974b; ou o polêmico texto sobre Simón Bolívar [Marx, 2008]).
O capitalismo periférico, como tema bem assentado em Marx, logo se tornaria mote nodal para várias pesquisas marxistas subseqüentes. E, com esse sentido, tornar-se-ia na “questão colonial”. Evidentemente, não temos condições de inventariar tudo o que sobre o assunto foi escrito pelos clássicos do marxismo no século XX, mas é possível fazer notar alguns debatedores privilegiados do assunto. Entre os exemplos que não podem faltar, encontram-se Rosa Luxemburgo (1984) e Lênin (2012). A primeira, em seu A acumulação do capital, de 1913, estuda com profundidade contextos para onde o capitalismo avançou na passagem do século XIX para o XX, na Ásia (Índia e China), África (Argélia, África do Sul e Egito), fronteira da Europa (Turquia), América do Norte (Estados Unidos e Canadá) e até mesmo América Latina (citando vários países, inclusive o Brasil). Já o segundo trabalhou a problemática em várias chaves de leitura, sendo que uma delas sagrou-se clássica, em Imperialismo, estágio superior do capitalismo, escrito em 1919 e publicado no ano seguinte, destacando os movimentos internacionais do capital e a partilha do mundo entre as grandes potências. Ambos, como é possível notar, partem do problema do imperialismo, avaliação sem a qual toda a crítica marxista, mormente a do século XX, não faria sentido.
Como poderia, portanto, ser o marxismo eurocêntrico se a problemática do capitalismo periférico e do imperialismo sempre esteve entre suas preocupações mais relevantes? Os críticos certamente dirão que o eurocentrismo marxista tem a ver com uma dimensão epistêmica e não apenas com os conteúdos com os quais maneja ou com os lugares geográficos de onde os marxistas mais importantes vêm (basta lembrarmos a origem húngara de Lukács ou a argelina de Althusser para pormos isso em revista). Mas se é assim, como explicar que o anticolonialismo do século XX tenha florescido sendo marxista? Talvez rememorar o Congresso de Bacu dos Povos do Oriente não seja suficiente para os detratores, já que se deu sob a direção soviética. De todo modo, reunir quase dois mil representantes de todo o mundo, no Azerbaijão em 1920, para debater o colonialismo, o islamismo, o nacionalismo e o campesinato não parece ser desprezível. Ponhamos de lado este evento assim como sua conseqüência mais imediata, o fato da criação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, em 1922, composta por Rússia, Bielorrússia, Ucrânia e a Transcaucásia – que então era formada por Geórgia, Armênia e Azerbaijão – tendo se agregado a ela, entre 1924 e 1940, Cazaquistão e Turcomenistão (na região do Mar Cáspio), bem como Uzbequistão, Tajiquistão e Quirguistão (na fronteira sul-asiática) e ainda Letônia, Lituânia e Estônia (no Mar Báltico) e Moldávia, (no Mar Negro).
Quiçá seja mais convincente sublinhar a influência central do marxismo nas revoluções sociais ocorridas durante o século XX, nas descolonizações a que este mesmo século assistiu, bem como nos giros epistêmicos oportunizados por este contexto. Entre as revoluções sociais, após a russa de 1917, caberia mencionar a experiência norte-coreana entre 1945 e 1948, a chinesa em 1949, a cubana em 1959, a vietnamita e a laosiana em 1975 e a nicaragüense em 1979. Em cada um desses lugares, um debate marxista se fazendo sentir por via de Kim Il-sung (Coréia do Norte), Mao Zedong e Zhou Enlai (China), Fidel Castro e Ernesto Guevara (Cuba), Ho Chi-Mihn e Vo Nguyen Giap (Vietnã), Souphanouvong e Kaysone Phomvihane (Laos), Carlos Fonseca, Tomás Borge e Daniel Ortega (Nicarágua), para citar apenas os mais conhecidos. Isto para não falar dos êxitos dos marxistas em Querala, na Índia, com nomes como os de Elamkulam Manakkal Sankaran Namboodiripad ou M. N. Govindan Nair.
Por sua vez, os processos de descolonização africana conviveram com o ímpeto revolucionário em prol da construção de um socialismo próprio em África. E, nesse contexto, figuras intelectuais e políticas como as de Agostinho Neto (Angola), Patrice Lumumba (Congo), Kwame Nkrumah (Gana), Sékou Touré (Guiné), Amílcar Cabral (Guiné-Bissau), Modibo Keita (Mali), Samora Machel (Moçambique), Léopold Senghor (Senegal) e Julius Nyerere (Tanzânia) irrompem em seu cenário continental e adentram estrepitosamente o terreno das revoluções do século XX. É desta conjuntura, inclusive, que surge a mais impactante elaboração intelectual, resultando em um verdadeiro giro epistêmico anticolonial (que viria a influenciar várias das futuras tendências teóricas, tanto as pós-coloniais como as descoloniais): a obra do argelino-martinicano Frantz Fanon. Para fazer uso de apenas uma passagem de seu pensamento em diálogo com o marxismo, indiquemos sua criativa aproximação ao problema colonial a partir do vocabulário do materialismo histórico, em Os condenados da terra: “nas colônias, a infraestrutura econômica é também uma superestrutura. A causa é consequência: alguém é rico porque é branco, alguém é branco porque é rico”. E ele conclui, metodologicamente: “é por isso que as análises marxistas devem ser sempre ligeiramente distendidas, a cada vez que se aborda o problema colonial” (Fanon, 2005, p. 56).
Aos poucos, então, o que vamos vendo é a preocupação marxiana com a totalidade do sistema capitalista ir se periferizando geopoliticamente até adquirir aspectos propriamente políticos que passarão a ser enfrentados nos marcos de debates sobre o imperialismo e a questão colonial, até chegarem aos domínios da gnosiologia mesma. Para tanto, processos organizativo-revolucionários e produção teórica anticapitalista são fundamentais. Tal transformação categorial – periferia, imperialismo, colonialismo, anticolonialismo – encontrará um sucessor explicativo fundamental, qual seja, o do problema estrutural da dependência.
Assim é que, sem abrir mão do método – a totalidade – e da crítica da economia política – a partir da teoria do valor –, é possível distinguirmos um marxismo que não se deixa subsumir por um eurocentramento, justamente porque faz parte de sua lógica de interpretação do capital como totalidade o mapeamento de sua estrutura centro-periférica. Foi exatamente o que o egípcio Samir Amin (1999) percebeu quando esculpiu seu discurso crítico sobre O eurocentrismo, a partir da oposição entre centro e periferias; ou o que Dussel (1985) encontrou em Marx mesmo, qual seja, a relação capital-trabalho como sendo uma relação centro-periférica que alcança patamares geopolíticos. Levando em consideração a problemática jurídica, como veremos ao final, teremos condições de defender que o debate jurídico soviético (de Lênin, Stutchka e Pachukanis) é periférico, igualmente, algo que vem sendo sublinhado inclusive hodiernamente, caracterizando a necessidade de estudo da forma jurídica em contextos, como o russo, de capitalismo periférico dependente (ver Solomko, Soares & Pistelli Ferreira, 2024).
A discussão sobre um giro descolonial do poder e do saber vem ganhando cada vez mais atualidade. Entretanto, o debate que o forja parece ser cada dia mais desconhecido. Acreditamos que um acerto de contas é preciso ser feito para se poder extrair o que de mais potente essa corrente carrega consigo, o que implica, inclusive, apresentar o marxismo como uma de suas fontes e não como um seu opositor.
Em verdade, foram vários os debates que tornaram possível um giro descolonial ao pensamento crítico latino-americano. Acreditamos que teologia da libertação e teoria da dependência, a partir de abordagens polarizadas entre si, foram as suas condições de possibilidade. Sobre a questão da dependência falaremos mais adiante e quanto à teologia da libertação basta lembrar que as décadas anteriores germinaram obras como Teologia da revolução, de Joseph Comblin (1970), tratando de temas como subdesenvolvimento, revoluções (incluindo as da China, Cuba e Vietnã) e marxismo; ou Teologia da libertação, de Gustavo Gutiérrez (1984), que abre um item, com bibliografia bastante atualizada para 1971, sobre a teoria da dependência (dentre os citados estão Gunder Frank, Dos Santos, Quijano, Hinkelammert, Caputo, Pizarro, Salazar Bondy, Fals Borda e González Casanova, ainda que também Cardoso e Faletto).
Destes encontros, surgiu toda uma perspectiva gnosiológica das teorias latino-americanas da libertação, que incluíram a pedagogia do oprimido, a psicologia da libertação, o teatro do oprimido, a geografia crítica e a história dos vencidos, mas não só. É verdade que cada um desses campos se apropriava a sua maneira dos debates anteriores, mas ainda assim os impactos se fizeram sentir. No quadrante dos campos do conhecimento que mais coerentemente desenvolveram tal influência está a filosofia da libertação. O famoso debate sem perdedores protagonizado por Augusto Salazar Bondy e Leopoldo Zea a respeito da existência de uma filosofia autêntica e original da América Latina é bastante sugestivo sobre o assunto. O peruano Salazar Bondy, em 1968, publicou seu livro-pergunta: Existe uma filosofia de nossa América? Sua resposta reticente foi contrarrestada pelo mexicano Zea (2005), em A filosofia americana como filosofia sem mais (a edição brasileira traduziu “sin más” por “pura e simplesmente”), no ano seguinte. Ambos diagnosticaram o subdesenvolvimento e a dependência e ambos queriam sua superação. Sua divergência a respeito da filosofia girava em torno de saber se era possível haver um filosofar próprio nessas condições ou não. Para o marxista Salazar Bondy, não; já para o culturalista Zea, sim.
A partir daqui, surge uma filosofia da libertação, com vários autores e correntes. Entre os mais significativos encontra-se justamente a figura de Enrique Dussel, já citado anteriormente (e que exerce profunda influência em nosso discurso). Dussel, na década de 1970, envolve-se em uma polêmica com seu compatriota, também exilado no México, Horacio Cerutti Guldberg. No livro Filosofia da libertação latino-americana, escrito em 1977, Cerutti Guldberg (1992) desfere duras críticas a Dussel (assim como a outros setores da “filosofia da libertação” e a outras correntes como a própria “teoria da dependência” e a “teologia da libertação”, para citar alguns exemplos). A principal é de que se trataria de uma filosofia “populista”. Em face disso, Dussel mobiliza seus estudos para se aprofundar nos textos de Marx, já que a crítica vinha de um marxista. Com isso dedica toda a década de 1980 para estudar a obra marxiana, incluindo seus manuscritos, levando-o a escrever uma trilogia sobre (ver Dussel, 1985, 1988, 1990).
A partir daí, Dussel vai se deixar influenciar profundamente pelo marxismo, contribuindo para sua renovação no continente (vários textos que fazem o balanço do marxismo latino-americano o reconhecem, como Fornet-Betancourt, 1995; e Löwy, 2006). Um destaque para sua contribuição gira em torno da recepção do debate da dependência.
Seguindo outro percurso, também Aníbal Quijano contribui para o marxismo latino-americano de maneira bastante vigorosa. Apesar de partir de influências estruturalistas cepalinas, podemos dizer se tratar de um dos autores da teoria da dependência, em especial debatendo marginalidade e imperialismo. O livro Redefinição da dependência e marginalização na América Latina (Quijano, 1970) é exemplar nesse sentido. Além disso, até por sua origem peruana, Quijano dedicou-se igualmente ao resgate da obra de Mariátegui, sabidamente um marco para o marxismo do continente. Interessante notar, ainda, que travou fecundo contato com Florestan Fernandes (2009), sociólogo brasileiro que também abordou o problema da dependência. Assim sendo, Quijano se apresenta como um teórico marxista latino-americano, ainda que, é verdade, no último período de sua produção teórica tenha operado o que ficou conhecido como giro descolonial. Nesta viragem, desenvolve-se um pós-marxismo, por certo, mas sem um abandono completo de suas perspectivas de cariz marxiano, afora suas contribuições mais criativas como as relativas ao debate metodológico sobre uma heterogeneidade histórico-estrutural, o problema do poder e a dimensão étnico-racial de suas proposições. O não abandono de Marx, ainda que convivendo com a crítica a um certo marxismo, origina, obviamente que com o acréscimo de outras influências, sua proposta a respeito da crítica à colonialidade do poder, que tem no ensaio Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina (Quijano, 2005), publicado já no ano 2000, um de seus pontos mais altos. Nele, o papel da divisão racial do trabalho dialoga com a divisão social no mercado mundial, estabelecendo nexos evidentes, ainda que não delimitativos, com o marxismo.
Muitos outros autores propiciaram o diálogo entre “teorias de libertação”, marxismo e crítica à dependência, como Franz Hinkelammert (1989; 1970), ao tratar do círculo da dependência da dívida externa na América Latina ou da problemática do subdesenvolvimento do continente como um caso de desenvolvimento. Hinkelammert atuou, assim, como intelectual que partilhou dos círculos dependentistas e da teologia da libertação. Outro exemplo interessante a ser lembrado é o de Marta Harnecker e Gabriela Uribe (1980) que, em um esforço de difusão popular do marxismo, dedicam um volume de seus “Cadernos de educação popular” à questão do Imperialismo e dependência, atacando dimensões econômicas (como exportação, tecnologia, capital estrangeiro, comércio e finanças) e políticas (tais quais as do colonialismo e do neocolonialismo). Harnecker e Uribe, por sua vez, têm compromisso com um marxismo mais ortodoxo, mas nem por isso deixam de enfrentar o problema da dependência.
Ocorre, porém, que Dussel e Quijano exerceram papel de verdadeiros precursores nos debates sobre o giro descolonial do poder e do saber na América Latina. O primeiro, mais por conta do conteúdo de suas reflexões filosóficas transmodernas (criticando a modernidade sem aceitar a celebração da pós-modernidade); o segundo, mais por decorrência de sua capacidade de articular suas pesquisas no diálogo com as perspectivas do sistema-mundo, de Immanuel Wallerstein. Ambos, assim, integram-se, de algum modo, ao movimento do “Grupo modernidade/colonialidade”, na década de 1990, que vai oportunizar a reflexão a respeito de um giro descolonial, compartilhado com um conjunto amplo de outros intelectuais. O fato é, porém, que a trajetória marxista de ambos não pode ser anulada. E mesmo que eles tenham críticas ao marxismo após operarem a proposta de seu giro epistêmico – mais Quijano que Dussel, é bem verdade – não abandonam de todo suas fundamentações marxistas e isto precisa ser mais bem visibilizado.
Vários outros intelectuais do “Grupo modernidade/colonialidade” ganharam notoriedade e puderam difundir suas perspectivas teóricas. Também, vários deles fizeram acérrimas críticas ao marxismo, tais como Walter Mignolo (2003), Edgardo Lander (2007) e Ramón Grosfoguel (2010) – este último dedicando alguma atenção à questão da dependência, inclusive. No entanto, do mesmo modo há contracríticas feitas por autores de inspiração marxista que também demonstram alguma fragilidade na recepção de autores e na abordagem social por parte dos pós/de/descoloniais (lembremos os exemplos de Sotelo Valencia, 2008; e Chibber, 2013).
De nossa parte, contudo, não há intenção de incorrer em um jogo simples de oposição entre marxismo não-descolonial e descolonialidade não-marxista. Diríamos até o contrário. Uma perspectiva potencializa a outra, ainda que a medida deste fortalecimento passe pelo não desprezo das estruturas mundiais do capital assim como das especificidades, inclusive culturais, dos povos periféricos – no nosso caso, da América Latina. Ocorre, porém, que, para esta potencialização ter sorte melhor que a do dualismo teórico, se faz necessário não haver uma rejeição genérica do marxismo (seja o de Marx ou não) assim como não uma imputação igualmente abstrata a qualquer busca por particularidade como culturalismo.
Por isso, urge compreender a recepção de autores anticoloniais como Frantz Fanon ou Amílcar Cabral ou teóricos da libertação como Paulo Freire não a partir de roturas com relação ao marxismo, mas antes o contrário, ou seja, como uma latinoamericanização do marxismo, na linha mariateguiana. O mesmo, tendemos a dizer, vale para a compreensão da imbricação entre classe, raça e gênero, na melhor tradição da qual fazem parte Lélia Gonzalez ou Heleieth Saffioti. Quando Silvia Rivera Cusicanqui (2018) se pergunta: “é possível descolonizar e desmercantilizar a modernidade?” – quando ela formula tal questão, resgata Marx, sem deixar de partir de um conhecimento situado que mobiliza outros pensadores marxistas do continente como René Zavaleta Mercado, Ludovico Silva ou Bolívar Echeverría –, ela aponta para uma das dimensões mais importantes desse horizonte, qual seja, a da necessidade da crítica da economia política. Ainda que suas saídas criativas e heterodoxas tomem a teoria do valor em um sentido bastante diverso do marxiano, mesmo assim aparece como interessante a sua propositura a respeito de uma teoria ch’ixi do valor, na senda, aliás, do que já defendera Álvaro García Linera (2009) em seu ensaio que aproxima Forma valor e forma comunidade, a partir da organização incaica do ayllu. No caso de Rivera, a perspectiva aimara que o ch’ixi representa refere-se à diversidade que se percebe quando se aproxima de povos não ocidentais, ainda que de longe sejam vistos homogeneizadamente. García Linera teoriza desde o marxismo, Rivera Cusicanqui o faz para além dele, sem o desprezar. A síntese heterogênea de um ayllu ch’ixi parece promissora, ainda que de muito difícil consecução.
O relevante a se notar, aqui, é que Silvia Rivera, mesmo desposando uma perspectiva descolonial, esquiva-se do modismo que a corrente propugna e não alija de suas interlocuções os clássicos do pensamento crítico, dentre os quais Marx. Longe está ela de ser uma marxista em sentido estrito, que isto fique bem entendido, mas sua postura sugere aquela potencialização mútua à qual nos referíamos.
Pois bem, sem abrir mão do ponto de partida geopolítico, de uma história própria e do resgate cultural, o giro descolonial do poder e do saber (percebamos aqui a nomenclatura de viés pós-estruturalista que os descoloniais utilizam e em face do que também poderiam ser criticados, dada a origem eurocentrada de suas epistemes críticas fundadoras) precisa se enriquecer com o materialismo histórico. Desconhecer a materialidade imposta pelo modo de produção da vida baseado no capital, sua violência originária mas também normalizada, implica inviabilizar a descolonização de quaisquer de nossas relações sociais justamente porque permanecerão mercantilizadas. Daí que, acompanhando a consigna de descolonizar o marxismo, devemos ecoar igualmente a prédica relativa à materialização – histórica! – do giro descolonial. Para tanto, cremos nós, a crítica marxista à dependência é fundamental, o que será imprescindível, também, para nossa construção em torno da compreensão do que seja uma relação jurídica dependente. Esta última, por sua vez, pretende ser um salto de qualidade – e, justamente por isso, influenciado por ele (ver, por exemplo, Chivi Vargas, 2009; Medici, 2012; De la Torre de Lara, 2013; Ariza Santamaría, 2017; Segato, 2022) – em relação a uma perspectiva jurídica descolonial, transformando-se em verdadeira crítica descolonial – e marxista – ao direito.
O argumento que costura o presente ensaio tem a ver com a defesa de um criativo marxismo latino-americano, o qual deve servir de base para uma perspectiva que opere um giro descolonial (desembocando, ao fim, no direito). Mas este giro, para se tornar possível, precisa atacar os fundamentos capitalistas do sistema mundial tornado possível a partir das conquistas coloniais européias, forjando realidades particulares na periferia de tal sistema.
Atribuímos aos estudos de crítica marxista à dependência um papel chave, tal como aparece na seguinte formulação:
o crivo da dependência, em sua totalidade, relacionalidade, condicionalidade, internalidade e rigor tipológico, é o único a dar conteúdo material (ou seja, de cunho revolucionário e não meramente simbólico, ainda que este não seja desimportante) para o giro descolonial que se posiciona, criticamente, em um sistema-mundo colonial/moderno ou ainda, para usar formulação descolonialista, em um “sistema-mundo patriarcal/capitalista/colonial/ moderno” (Grosfoguel, 2010, p. 458). Portanto, o único a possibilitar um verdadeiro giro descolonial (Pazello, 2014, p. 61).
Naquele momento, buscávamos encontrar o crivo necessário para se pensar em um efetivo giro descolonial. Ainda que fizéssemos uso bastante extensivo das obras de Quijano, Mignolo e Dussel – as três grandes referências dos estudos descoloniais com que trabalhamos – entendíamos que suas análises, sem um correto posicionamento da formação social latino-americana nos quadros da modernidade capitalista, não fariam mais que apresentar novas tendências acadêmicas que não resistiriam ao tempo. Daí encontrarmos na crítica marxista à dependência o crivo central para perfectibilizar tal abordagem.
Como vimos, a questão da dependência foi forjada por um amplo conjunto de debates do pensamento crítico latino-americano, tendo sido as intepretações de Mariátegui, em meio a grandes polêmicas, suas precursoras. Nildo Ouriques (1995), pesquisando a história das idéias dependentistas, ressalta que Mariátegui (1987) inaugurou a discussão em ensaio de 1929, Ponto de vista anti-imperialista. A partir de então, a questão povoou as preocupações de nossa intelectualidade mais arguta e acabou por gerar uma verdadeira corrente teórica. A “teoria marxista da dependência”, como chegou a ser conhecida (ainda que esta nomenclatura não seja pacífica, por alguns argumentarem não se tratar de uma “teoria” propriamente), foi protagonizada por autores como André Gunder Frank, Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vânia Bambirra – afora outros, já citados de passagem anteriormente – e a algumas de suas proposições teóricas nos dirigiremos a fim de encontrar pontos de diálogo, mas sobretudo lastro, com as perspectivas descoloniais.
A crítica ao eurocentrismo feita por tais autores é inegável e expressa-se pela refutação de idéias que fizeram confluir, em algum sentido, teses cepalinas e dos partidos comunistas. É bem verdade que este debate é muito mais complexo, no entanto o que nos interessa é contextualizar o surgimento da crítica marxista à dependência em um ambiente onde grassavam a lógica de aposta em um desenvolvimento do capitalismo latino-americano, como defendido pelos intelectuais da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), ligada à Organização das Nações Unidas, e o etapismo dos PCs (partidos comunistas) interpretando precisar haver uma transição do semifeudalismo ao capitalismo em nosso continente, por meio de uma revolução burguesa. Os “dependentistas” promovem uma demolição de tais perspectivas, sem deixar de reconhecer suas contribuições – de um lado, a metáfora espacial centro-periferia, dos cepalinos; de outro, a trajetória de lutas e organização dos PCs a partir do marxismo.
Uma das idéias inaugurais neste âmbito é a que Gunder Frank desposou em 1966, sobre o “desenvolvimento do subdesenvolvimento”. Dentre tantas outras suas contribuições, esta nos conduz ao posicionamento da América Latina em uma “estrutura colonial capitalista mundial” (Frank, 1976, p. 340). Em verdade, nosso subdesenvolvimento é “resultado de sua participação secular no processo do desenvolvimento capitalista mundial” (Frank, 1976, p. 24) e sem a superação desta condição não há possibilidade de descolonização alguma. Portanto, no bojo desse entendimento, não só o subdesenvolvimento não é um erro de percurso, como não há possibilidade mesma de desenvolvimento autônomo, sob o capitalismo. Apenas uma etnocêntrica visualização de nossa inserção no modo de produzir a vida baseado no capital, baseada na dualização das sociedades (com partes internas desenvolvidas, ao sabor dos centros capitalistas, e partes arcaicas), pode propor à periferia do sistema capitalista a mimetização de suas metrópoles, políticas ou não. Justamente por essa visão de totalidade, Gunder Frank incorpora, com o tempo, o debate teórico sobre o sistema-mundo e oferece uma teoria social bastante bem fundamentada, histórica e metodologicamente, sem a qual teria sido difícil operar qualquer giro descolonial, ainda que adstrito a uma perspectiva epistemológica. Seu livro Re-orientar: a economia global na era do predomínio asiático, publicado em 1998, traz, aliás, uma introdução metodológica que propõe, não sem ironia, substituir o eurocentrismo das ciências sociais por um “globalismo” que considere uma “perspectiva econômica global” (Frank, 2008, p. 64), para além de a Europa, portanto, compreendendo o papel central da Ásia.
Algumas dessas idéias dão azo para que Ruy Mauro Marini, influenciado por Gunder Frank, ainda que divergindo quando necessário, constitua uma verdadeira interpretação sobre a Dialética da dependência, em ensaio publicado em 1973. Concebendo a “dependência” em uma perspectiva relacional, na senda aberta por Frank, explicita a problemática do nexo entre independência formal e subordinação material dos países que servem para a reprodução do capitalismo em escala global. Os fundamentos da dependência, por sua vez, residem na superexploração da força de trabalho e na transferência de valor da América Latina para os centros capitalistas. Um giro descolonial que não diagnostique essas questões e sobre elas proponha uma intervenção revolucionária, certamente, não há de virar mundo algum. Marini, aliás, foi pródigo em realizar um debate criativo desde o marxismo latino-americano. No próprio ensaio de 1973, contrapôs “ortodoxia” a “dogmatismo” ou “ecletismo”, sendo estes dois últimos igualmente desvios dos marxistas. Nem hipostasia dos modelos marxistas desenvolvidos até então nem abandono do marxismo mesmo. Para Marini, em posição inglória (que, humildemente, reivindicamos em analogia ao que estamos aqui apresentando), o rigor categorial não deve deformar a realidade e nem as dificuldades reais de apreensão da realidade devem desfigurar a teoria. Segundo ele, “é o conhecimento da forma particular que acabou por adotar o capitalismo dependente latino-americano o que limita o estudo de sua gestação e permite conhecer analiticamente as tendências que desembocaram neste resultado” (Marini, 2000, p. 106). Noções como as de dependência, superexploração e transferência de valor estão incubadas no pensamento marxiano e são desenvolvidas por Marini, de acordo com as necessidades teóricas que a análise da realidade social da América Latina impõe. Interessante é lembrar, também, que Marini se dedicou aos estudos latino-americanos, com profundidade, organizando inclusive quatro volumes da coleção A teoria social latino-americana, ao lado de Márgara Millán, entre 1994 e 1996. Neles, Marini e Millán recuperam o debate inaugural crítico do continente, sempre em convergência com o marxismo (com textos de Mariátegui, Caio Prado Júnior ou Sergio Bagú), passando pela teoria da dependência em toda sua pluralidade (incluindo seus opositores como Cardoso e Serra), até chegar a debates novos ou contemporâneos como os da teologia da libertação, da globalização ou da cultura. Certamente, se tivesse vivido para ver as propostas descoloniais, Marini teria com elas dialogado, ainda que, também sem dúvidas, criticamente (Marini falece em 1997, enquanto o “Grupo modernidade/colonialidade” se constituiria em 1998, para exemplificar com datas).
Marini fez parte de uma verdadeira célula de intelectuais comprometidos com o estudo da dependência, mas mais que isso, intelectuais militantes da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), no contexto de combate à ditadura de 1964, no Brasil. A seu lado, estiveram Vânia Bambirra e Theotonio dos Santos – e os três conformam a chamada “teoria marxista da dependência”, como contribuição brasileira a este debate. No Centro de Estudos Sócio-Econômicos (CESO), da Faculdade de Economia da Universidade do Chile, é que o grupo aprofunda suas investigações, já no período de exílio. Ou seja, os principais textos de Marini aparecem nesse contexto, assim como os de Bambirra e Dos Santos.
Theotonio dos Santos realizará vários debates nos marcos de investigações sobre a dependência: imperialismo, fascismo ou classes sociais. Algo, porém, que é importante ressaltar em sua obra é seu interesse pela história do Brasil presente já no ensaio Quais são os inimigos do povo?, de 1962, inserido nos “Cadernos do povo brasileiro”, dirigidos por Álvaro Vieira Pinto e Ênio Silveira e que reverbera apoteoticamente no livro Evolução histórica do Brasil: da colônia à crise da nova república, escrito em inglês e espanhol na década de 1970 e revisado para publicação em português em 1994. No primeiro livro, ele aponta para quem são os inimigos do povo – do imperialismo às classes dominantes, divididas em latifundiários, especuladores, banqueiros e industriais (Dos Santos, 1962); no segundo, vai da formação colonial até a nova república tendo por pressuposto o seguinte: “o conhecimento da evolução socioeconômica do Brasil é de importância vital para a compreensão do mundo atual” (Dos Santos, 1994, p. 16). Ou seja, trata-se de uma espécie de contraponto convergente à ênfase dada por Gunder Frank à China. O Brasil é um exemplo forte de como se constitui o capitalismo em nível mundial – isto nunca se dá meramente a partir de suas relações de produção internas ao desenvolvimento dos países centrais – e, portanto, é fundamental conhecer o maior país do Terceiro Mundo depois da China e sua história de interdição de desenvolvimento autônomo, o que comprova a centralidade do problema da dependência para entender o mundo do capital por ser seu condicionante. Não por outro motivo senão por esse mesmo é que Dos Santos se aproximou das perspectivas da teoria do sistema-mundo, dando sua contribuição às pesquisas deseurocentradas de Wallerstein ou Frank.
Por fim, mas não menos importante, cabe mencionar Vânia Bambirra e seu destacado papel, junto a Marini e Dos Santos, como formuladora da crítica marxista à dependência. Contribuição decisiva foi seu estudo tipológico sobre O capitalismo dependente latino-americano, realizado no exílio chileno mas publicado, em definitivo, no México, em 1974 – e só recentemente traduzido e editado no Brasil (Bambirra, 2012). No entanto, como era de se esperar, seu legado não se reduz a este ensaio, já que suas reflexões vão para além de questões sociológicas e econômico-políticas a respeito da dependência, mas alcançam a teoria política e o debate de gênero. Uma de suas mais relevantes contribuições, inclusive para os fins do presente ensaio que escrevemos, é sua análise sobre a insurgência, notadamente sobre a revolução cubana. A nosso ver, sua reorientação de pesquisa a partir do estudo dos eventos de Cuba tem potentes implicações teórico-metodológicas, porque pode sugerir o estudo da sociedade do capital por estranhamento. Quer dizer, é possível estranhar (no sentido não só de desnaturalizar mas também de ativar o horizonte da ação política) o capitalismo latino-americano por intermédio de uma experiência que aponte para sua superação, como ocorreu – mesmo que não finalizadamente – após a revolução de 1959. Tendo por base a problemática da transição desde os clássicos do marxismo, Bambirra aplica seus conhecimentos ao caso cubano e demonstra como algumas interpretações correntes erravam ao dizer que o foquismo era a grande característica daquela revolução. Para Vânia Bambirra tal caracterização – não à toa a que mais se difundiu na Europa, via o francês Régis Debray – restava pendente de questões fulcrais como as da luta de massas e da formação do partido revolucionário, exigindo análise dos conflitos urbanos também. Além disso, alarga a compreensão de socialismo: “questionamos a interpretação da Revolução que define seu caráter socialista desde o momento em que se verifica a tomada do poder, subestimando a etapa de transição, que ocorre entre a destruição completa da ordem militar, política e econômica burguesa e a instauração de uma nova ordem socialista” (Bambirra, 1974, p. 20).
Vânia Bambirra figura, para nós, como uma espécie de exemplo a ser seguido, uma vez que assenta sua análise teórica de tal modo a pô-la a serviço da luta política dos trabalhadores e, portanto, da práxis – único antídoto para evitar a fascistização da sociedade. Intelectual e militante, rigorosa e antidogmática, preocupada com a economia política mas também com a cultura, sua história merece ser reverenciada, não devendo em nada ao legado também deixado por seus camaradas dependentistas.
A tese principal aqui defendida é a de que todos estes autores – notadamente Gunder Frank, Marini, Dos Santos e Bambirra – foram contundentes críticos do eurocentrismo e denunciaram, em suas obras, o que ocorre do lado de cá do imperialismo, a dependência. Logo, é mister não olvidar sua contribuição nem sombrear o problema da dependência, porque sem sua ultrapassagem não haverá descolonização das relações sociais (pois elas também são relações de produção da vida). Ademais, autores como Quijano e Dussel são bastante tributários de tais contribuições. Unamos a todos estes posicionamentos, ainda, as propostas de crítica ao colonialismo intelectual e interno que, respectivamente, pensadores como Orlando Fals Borda (1970) e Pablo González Casanova (2002) fizeram, em franco diálogo – ainda que não propriamente aderindo a ela – com a crítica marxista à dependência. Com isso, a chave da crítica à dependência fica demonstrada como pedra de toque para se descolonizar o que há de colonial no marxismo mas também para materializar, historicamente, o que ainda não o foi no giro descolonial. Daí o problema da dependência adquirir, com o perdão do trocadilho, uma verdadeira centralidade para se compreender a periferia do sistema capitalista colonial/moderno. Aplicando-se esse dimensionamento ao plano do direito, podemos chegar à categoria de “relação jurídica dependente” (conforme viemos pesquisando, em Pazello, 2024), que propomos a seguir.
No fundo, o que apresentamos até aqui foram os pressupostos gnosiológicos para uma teoria que seja, ao mesmo tempo, marxista e descolonial desde a América Latina. Nosso objetivo, com isso, é aplicar essa fusão ao campo jurídico, mais especificamente às teorias críticas do direito. O intento, no final das contas, é propor uma leitura marxista-descolonial latino-americana à crítica jurídica, ainda que tenhamos total consciência de que aqui não teremos condições de aprofundar a proposta, apresentando apenas seu delineamento geral.
Sublinhemos que o presente ensaio se apresenta como a exposição de uma fundamentação teórica prévia à especificidade do direito. Suas conclusões nos conduzem a uma abordagem que defende um marxismo não colonizado assim como um descolonialismo com materialidade histórica, encontrando na crítica marxista à dependência uma de suas mais potentes sínteses (ainda que forjada por nossa interpretação e, portanto, trata-se de uma aproximação de nossa inteira responsabilidade).
Como, contudo, manejar tais concepções no âmbito da teoria crítica do direito? De nossa parte, entendemos que sejam três passos, espelhando os três movimentos anteriores: o primeiro é tomar o principal legado da crítica marxista ao direito pós-Marx e Engels como sendo o que ela de fato é, vale dizer, uma produção teórica advinda da periferia da Europa, pois é disso que se trata a tradição de interpretações que se desprendem de Lênin, Stutchka e Pachukanis; o segundo tem a ver com a reconstrução da crítica jurídica pela via do que chamamos de direito insurgente, cujo sentido encontra na reunião do debate jurídico soviético com as experiências jurídicas insurgentes latino-americanas, ao nível da práxis; por fim, o terceiro passo diz respeito a realizar um esforço categorial em torno do diálogo entre crítica marxista à dependência e ao direito, do que extraímos a noção de “relação jurídica dependente”. Os três passos não podem ser, por ora, detalhados (pois preferimos gastar nossas energias com seus pressupostos, bastante desconhecidos do campo jurídico, em geral), mas podemos antecipar brevemente os traços gerais de sua silhueta.
Retomando o fio da meada do que viemos desenvolvendo em nosso texto, podemos refazer a primeira pergunta, mas agora sob o prisma jurídico: afinal de contas, a crítica marxista ao direito é eurocentrada? Por certo, ela nasce geopoliticamente atrelada ao debate europeu, sendo que seus principais desenvolvimentos pós-escritos marxianos se dão no leste da Europa. Como vimos, o debate russo – ao lado de outros do leste europeu – não era exatamente ocidental, valendo dizer que a Rússia semifeudal tsarista de fins do século XIX e início do XX possuía singularidades históricas e culturais que não admitem caracterizá-la como européia sem mais. Aliás, esse é um tipo de argumento que podemos encontrar, inclusive, no pensamento crítico de um dos precursores da filosofia da libertação latino-americana, Leopoldo Zea (1957, p. 118), ao considerar que está a “Rússia à margem do Ocidente”.
Assim, a despeito de toda a influência direta da crítica de Marx ao capital nos textos dos russos/soviéticos, sua análise crítica sobre o direito, como relação social especificamente burguesa que garante o sistema de relações sociais capitalistas, tanto ao nível da produção quanto ao da circulação, está crivada por uma perspectiva periférica do capitalismo. Esta se faz sentir sobretudo em Stutchka (2023), ainda que também Pachukanis (2017) ou mesmo Lênin (2007) tivessem de lidar com os ecos dessa historicidade e fronteiricidade. Nesse sentido, o modo de contornar certo eurocentramento encalacrado na exegese do debate jurídico soviético passa por não considerar canônicos os comentaristas da Europa ocidental, que acabaram sendo os mais difundidos em sua interpretação, como aqueles das tradições italiana, francesa ou mesmo britânica.
Concretamente, estamos sugerindo que um deseurocentramento da crítica marxista ao direito legada pelos soviéticos exige, ainda que sem desprezar a teoria crítica do direito européia, dar centralidade ao contexto latino-americano. Sendo assim, as teorias críticas do direito aqui produzidas podem ser reconformadas a título de tal resgate. É evidente que o pólo oposto ao dogmatismo (eurocentrado) tende ao ecletismo (culturalismo) e, desse ponto de vista, as teorias críticas do direito na América Latina são atravessadas por uma problemática sensível, qual seja, a do contínuo abandono do materialismo histórico (especialmente, após a queda do muro de Berlim). Mas assistimos, mais contemporaneamente, a uma ascensão de leitura própria que tem conseguido fazer dialogar a crítica estrutural ao direito, como forma social do capital, com a necessidade dos usos políticos do direito, a partir das organizações e movimentos populares de luta.
Eis o que denominamos de “direito insurgente” (Pazello, 2021), síntese que resgata a tradição da assessoria jurídica popular na América Latina e posiciona as contribuições teórico-críticas sobre o direito anteriores de modo tal a não as desprezar, porém equacionando eventuais incompatibilidades com a crítica jurídica marxista. Assim, materializamos historicamente as teorias críticas do direito (cf., por exemplo, De la Torre R., 1984; Correas, 1986; Pressburger, 1993; Rivera Lugo, 2014) ao retomarmos sua potencialidade quanto aos usos insurgentes do direito, pois este é compulsório a nossos povos. Isto sem abrir mão da crítica marxista ao direito como relação social típica do capital a garantir sua produção e circulação mercantis.
Assim, depois de darmos nossa visão do que significa descolonizar a crítica marxista ao direito e materializar as teorias jurídicas críticas latino-americanas, propomos um desaguadouro categorial: a compreensão da relação jurídica dependente.
Considerando que a crítica marxista à dependência é a mediação teórica que equaciona, da melhor maneira possível, o marxismo na América Latina, entendemos que se torna necessário conceber uma categorização que conecte a perspectiva da crítica marxista ao direito ao problema do capitalismo dependente, sem renunciar à luta social. A conclusão à qual chegamos é a de que existe uma relação jurídica dependente, intersecção entre ambas as abordagens. Dado que, nesse cenário, o direito é decodificado como relação social jurídica que garante produção e circulação mercantis entre sujeitos de direito iguais e livres entre si; e dado que a dependência implica relações sociais de superexploração da força de trabalho, as quais são compensatórias de transferências de valor das periferias para o centro do capital, formando sociedades onde prevalece a cisão do ciclo entre produção e consumo das massas trabalhadoras; dadas essas duas premissas, a relação jurídica dependente se apresenta como a asseguração tanto do momento afirmativo do valor quanto também do negativo, ou seja, a relação jurídica dependente garante relacionalmente o valor mas também a violação do valor, na periferia do sistema capitalista mundial. Nesse último caso, portanto, é que aparece a especificidade de tal relação jurídica dependente, uma vez garantir a superexploração da força de trabalho, a transferência de valor da periferia para o centro e a cisão do ciclo produtivo do capital nas nações periféricas. Esta é a síntese à qual chegamos (ver pesquisa de pós-doutoramento em Pazello, 2024), a qual registramos aqui apenas como indicador do sentido da questão que propusemos entre marxismo e descolonialismo, aplicada ao direito: na prática, trata-se da percepção da necessidade do estudo crítico das relações jurídicas dependentes. Categoria simbiótica entre marxismo e América Latina, adotando a problemática da dependência como nodal, a relação jurídica dependente é a resultante de todo esse debate convertido em preocupação própria ao campo jurídico, que precisa ser enfrentada por via da insurgência popular que, na esfera jurídica, constitui um direito insurgente.
***
É evidente que não estamos sugerindo que os dependentistas propuseram, com esses termos, um giro descolonial ou uma crítica específica à relação jurídica. Nem desconsideramos que eles partiram do debate, de algum modo rigoroso, do marxismo. Mas o mesmo vale para boa parte do pensamento crítico latino-americano a que nos referimos, de Mariátegui à filosofia da libertação. O que conduz nossa argumentação é o entendimento de que não é possível giro descolonial algum, seja no âmbito das idéias ou das políticas (ou mesmo do direito), sem atacar o centro nervoso do que continua a colonizar nossas relações sociais: o modo capitalista de produzir a vida. Sem este enfrentamento, todas as cosmologias e modos de vida outros continuarão submetidos, assim como nossas clivagens consubstanciais, no plano das classes, das etnias ou do gênero e sexualidades.
A verdade é que há uma forte retomada do marxismo na América Latina, notadamente da análise crítica à dependência. Acreditamos que isto se deve também ao florescimento das perspectivas descoloniais, as quais, por sua vez, surgiram impulsionadas pelo que o próprio marxismo – ainda que não só ele – legou. Há toda uma agenda de interlocuções por ser cumprida, que perpassa não só as áreas do conhecimento de clássica abordagem marxista e/ou descolonial, mas também aqueloutras onde esta entrada é sempre mais recalcitrante. Nós, como pesquisadores do campo do direito, na interface com a economia política e com a antropologia política, pretendemos, com o presente ensaio, fazer jus à complexidade gnosiológica que evocamos, contribuindo para que, como diria Bambirra, a ciência, a arte e a cultura vençam o estado de guerra que os exploradores do mundo querem nos impor. Diante disso, descolonizemos o marxismo e materializemos o giro descolonial, com o contributo central da crítica marxista à dependência, que se transforma em crítica à relação jurídica dependente!
Amin, S. (1999). O eurocentrismo: crítica de uma ideologia. Tradução de Ana Barradas. Lisboa: Dinossauro.
Anderson, K. B. (2019). Marx nas margens: nacionalismo, etnia e sociedades não ocidentais. São Paulo: Boitempo.
Aricó, J. (1982). Marx e a América Latina. Tradução de Maria Celeste Marcondes. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Ariza Santamaría, R. (2017). Descolonización de prácticas judiciales constitucionales en Bolivia-Colombia. Revista direito e práxis, vol. 8, pp. 3004–3036. Recuperado de https://www.e-publicacoes.uerj.br/revistaceaju/article/view/31225/22183
Bambirra, V. (1974). La revolución cubana: una reinterpretación. 2 ed. México, D. F.: Nuestro Tiempo.
Bambirra, V. (2012). O capitalismo dependente latino-americano. Florianópolis: Insular.
Cerutti Guldberg, H. (1992). Filosofía de la liberación latinoamericana. 2 ed. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica.
Chivi Vargas, I. M. (2009). Los caminos de la descolonización por América Latina: jurisdicción indígena originaria campesina y el igualitarismo plurinacional comunitário. Em, Espinosa Gallegos-Anda, C. & Caicedo Tapia, D. (Eds.). Derechos ancestrales: justicia en contextos plurinacionales (pp. 297-355). Quito: Ministerio de Justicia y Derechos Humanos.
Comblin, J. (1970). Théologie de la révolution. Paris: Éditions Universitaires.
Correas, O. (1986). Introducción a la crítica del derecho moderno (esbozo). 2 ed. Puebla: Universidad Autónoma de Puebla.
Chibber, V. (2013). Postcolonial theory and the specter of capital. London/New York: Verso.
De la Torre de Lara, Ó. A. (2013). La nueva guerra de conquista y la defensa campesino/indígena del territorio como práctiva descolonizadora. Revista de investigaciones jurídicas, n. 37, pp. 113-140. Recuperado de https://www.eld.edu.mx/Revista-de-Investigaciones-Juridicas/RIJ-37/Capitulos/5-La-nueva-guerra-de-conquista-y-la-defensa-campesino.pdf
De la Torre Rangel, J. A. (1984). El derecho como arma de liberación en América Latina. México, D.F.: Centro de Estudios Ecuménicos.
Dos Santos, T. Quais são os inimigos do povo? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1962.
Dos Santos, T. Evolução histórica do Brasil: da colônia à crise da nova república. Petrópolis: Vozes, 1994.
Dussel, E. (1985). La producción teórica de Marx: un comentario a los Grundrisse. México, D.F.: Siglo Veintiuno Editores.
Dussel, E. (1988). Hacia un Marx desconocido: un comentario de los Manuscritos del 61-63. México, D.F.: Siglo Veintiuno Editores; Iztapalapa.
Dussel, E. (1990). El último Marx (1863-1882) y la liberación latinoamericana: un comentario a la tercera y a la cuarta redacción de “El capital”. México, D.F.: Siglo Veintiuno Editores; UAM-Iztapalapa.
Fanon, F. (2005). Os condenados da terra. Juiz de Fora-MG: UFJF.
Fals Borda, O. (1970). Ciencia propia y colonialismo intelectual. México, D. F.: Nuestro Tiempo.
Fernandes, F. (2009). Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 4 ed. rev. São Paulo: Global.
Fernandes, R. C. (Org.). (1982). Dilemas do socialismo: a controvérsia entre Marx, Engels e os populistas russos. Tradução de Lúcio F. R. Almeida e Rubem César Fernandes. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Fornet-Betancourt, R.. (1995). O marxismo na América Latina. São Leopoldo-RS: UNISINOS.
Frank, A. G. (1976). América Latina: subdesarrollo o revolución. 2 ed. México, D. F.: Era.
Frank, A. G. (2008). Re-orientar: la economía global en la era del predominio asiático. Traducción de Pablo Sánchez León. València: Universitat de València.
García Linera, A. (2009). Forma valor y forma comunidad: aproximación teórica-abstracta a los fundamentos civilizatorios que preceden al ayllu universal. La Paz: Muela del Diablo; Buenos Aires: CLACSO.
González Casanova, P. (2002). Exploração, colonialismo e luta pela democracia na América Latina. Tradução de Ana Carla Lacerda. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: LPP; Buenos Aires: CLACSO.
Grosfoguel, R. (2010). Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global. Em, Santos, B. de S. y Meneses, M. P. (Orgs.). Epistemologias do sul (pp. 455-491). São Paulo: Cortez.
Gutiérrez, G. Teología de la liberación: perspectivas. 10 ed. Salamanca: Sígueme, 1984.
Harnecker, M. & Uribe, G. (1980). Imperialismo e dependência. Tradução de Grupo Aurora. São Paulo: Global, vol. 5.
Hinkelammert, F. J. (1970). El subdesarrollo latinoamericano: un caso de desarrollo capitalista. Buenos Aires: Paidós; Santiago: Universidad Católica de Chile.
Hinkelammert, F. J. (1989). A dívida externa da América Latina: o automatismo da dívida. Petrópolis: Vozes.
Kohan, N. (1998) Marx en su (tercer) mundo: hacia un socialismo no colonizado. Buenos Aires: Biblos.
Lander, E. (2007). Marxismo, eurocentrismo e colonialismo. Em, Borón, A., Amadeo, J., González, S. (Orgs.). A teoria marxista hoje: problemas e perspectivas (pp. 201-234). Buenos Aires: CLACSO; São Paulo: Expressão Popular.
Lênin, V. I. (2007). O estado e a revolução: o que ensina o marxismo sobre o estado e o papel do proletariado na revolução. São Paulo: Expressão Popular.
Lênin, V. I. (2012). Imperialismo, estágio superior do capitalismo (ensaio popular). São Paulo: Expressão Popular.
Losurdo, D. (2020). Colonialismo e luta anticolonial: desafios da revolução no século XXI. São Paulo: Boitempo.
Löwy, M. (2006). Introdução: pontos de referência para uma história do marxismo na América Latina. Em, Löwy, M. (Org.). O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais (p. 9-64). 2 ed. ampl. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
Luxemburg, R. (1984). A acumulação do capital: contribuição ao estudo econômico do imperialismo – Anticrítica. São Paulo: Abril Cultural, vol. II.
Mariátegui, J. C. (1987). Punto de vista anti-imperialista. En Mariátegui, José Carlos. Ideología y política (pp. 87-95). 18 ed. Lima: Amauta.
Mariátegui, J. C. (2010). Sete ensaios de interpretação da realidade peruana. Tradução de Felipe José Lindoso. 2 ed. São Paulo: Expressão Popular.
Marini, R. M. (2000). Dialética da dependência. En Marini, R. M. Dialética da dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini (p. 105-165). Petrópolis: Vozes; Buenos Aires: CLACSO.
Marini, R. M. & Millán, M. (Coords.). (1994-1996). La teoría social latinoamericana. México D.F.: El Caballito; UNAM, vols. I-IV.
Marx, K. (1991). Formações econômicas pré-capitalistas. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
Marx, K. (2008). Simón Bolívar por Karl Marx. São Paulo: Martins.
Marx, K. (2011). Grundrisse – Manuscritos econômicos de 1857-1858: esboços da crítica da economia política. . São Paulo: Boitempo.
Marx, K. (2014). O capital: crítica da economia política – O processo de produção do capital, livro I. São Paulo: Boitempo.
Marx, K. y Engels, F. (1974a). Colonialismo y guerras en China. México, D.F.: Roca.
Marx, K. & Engels, F. (1974b). Materiales para la historia de América Latina. Córdoba: Pasado y Presente.
Marx, K. & Engels, F. (1975). La revolución española: artículos y crónicas, 1854-1873. La Habana: Ciencias Sociales.
Marx, K. & Engels, F. (2013). Lutas de classes na Rússia. São Paulo: Boitempo.
Medici, A. (2012). La constitución horizontal: teoría constitucional y giro decolonial. Aguascalientes: Centro de Estudios Jurídicos y Sociales Mispat; San Luis Potosí: Facultad de Derecho de la Universidad Autónoma de San Luis Potosí; San Cristóbal de Las Casas: Educación para las Ciencias en Chiapas.
Mignolo, W. (2003). Histórias locais/Projetos globais: colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Tradução de Solange Ribeiro de Oliveira. Belo Horizonte: UFMG.
Ouriques, N. D. (1995). La teoría marxista de la dependencia: una historia crítica. México, D. F.: División de Estudios de Posgrado en Economía (Tesis Doctoral) de Universidad Nacional Autônoma de México.
Pachukanis, E. (2017). Teoria geral do direito e marxismo. São Paulo: Boitempo.
Pazello, R. P. (2014). Direito insurgente e movimentos populares: o giro descolonial do poder e a crítica marxista ao direito. Curitiba: Programa de Pós-Graduação (Doutorado) em Direito da Universidade Federal do Paraná.
Pazello, R. P. (2021). Direito insurgente: para uma crítica marxista ao direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
Pazello, R. P. (2024). A relação jurídica dependente: uma introdução. Curitiba: Programa de Pós-Graduação (Pós-Doutorado) em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná.
Pressburger, T. M. (1993). Direito do trabalho, um direito tutelar? Revista de direito alternativo, n. 2, pp. 181-189.
Quijano, A. (1970). Redefinición de la dependencia y marginalización en América Latina. Santiago de Chile: CESO.
Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. Em: Lander, E. (Org.). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais – perspectivas latino-americanas (pp. 227-278). Tradução de Júlio César Casarin Barroso Silva. Buenos Aires: CLACSO.
Ramos, J. A. (1973). El marxismo de Indias. Barcelona: Planeta.
Ramos, J. A. (2012). História da nação latino-americana. 2 ed. rev. e ampl. Florianópolis: Insular.
Rivera Cusicanqui, S. (2018). Un mundo ch'ixi es posible: ensayos desde un presente en crisis. Buenos Aires: Tinta Limón.
Rivera Lugo, C. (2014). ¡Ni una vida más al derecho!: reflexiones sobre la crisis actual de la forma-jurídica. Aguascalientes: Centro de Estudios Jurídicos y Sociales Mispat; San Luis Potosí: Universidad Autónoma de San Luis Potosí.
Salazar Bondy, A. (1988). ¿Existe una filosofía de nuestra América? 11 ed. México: Siglo XXI.
Segato, R. L. (2022) Cenas de um pensamento incômodo: gênero, cárcere e cultura em um visada decolonial. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo.
Shanin, T. (2017). Marx tardio e a via russa: Marx e as periferias do capitalismo. São Paulo: Expressão Popular.
Silva, R. A. (2020). Ventos que sacodem Marx: sobre colonialismo, nacionalismo e racismo nas páginas irlandesas de Marx. São Paulo: Annablume.
Sotelo Valencia, A. (2008). Teoria da dependência e desenvolvimento do capitalismo na América Latina. Londrina: Praxis; Bauru: Canal 6.
Solomko, Z. V., Soares, M. Al. y Pistelli Ferreira, P. P. (2024). Leituras de Pachukanis entre a Rússia e a América Latina: entrevista com Zarianna Vladimirovna Solomko. Insurgência: revista de direitos e movimentos sociais, v. 10, pp. 27-50.
Spilimbergo, J. E. (2002). A questão nacional em Marx. Florianópolis: Insular.
Stutchka, P. (2023). O papel revolucionário do direito e do estado: teoria geral do direito. Organização de Ricardo Prestes Pazello e Moisés Alves Soares. São Paulo: Contracorrente.
Tible, J. (2013). Marx selvagem. São Paulo: Annablume.
Zea, L. (1957). América en la historia. México, D. F.: Fondo de Cultura Económica.
Zea, L. (2005). Discurso desde a marginalização e a barbárie, seguido de A filosofia latino-americana como filosofia pura e simplesmente. Rio de Janeiro: Garamond.
Notas al pie:
1Artigo de reflexão derivado de pesquisa. versão ampliada e modificada com o conteúdo de nossa exposição durante o “II Seminário Nacional Economia, Política e Dependência”, ocorrido entre 20 e 31 de outubro de 2020, em homenagem aos 80 anos de Vânia Bambirra, organizado pelo Grupo de Pesquisa Estado, Direito e Capitalismo Dependente da Universidade Federal de Alagoas. O artigo reflete também, em especial em sua parte final, os resultados de nossa pesquisa de pós-doutorado intitulada “A relação jurídica dependente: uma introdução”, realizada junto ao Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade (PPGTE) da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), entre 2022 e 2024, sob a supervisão do professor Geraldo Augusto Pinto.
2Professor do Curso de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR), onde obteve seu doutorado. Pós-doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Tecnologia e Sociedade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Líder do InSUR – Centro de Investigações em Direito Insurgente, Economia Política e Movimentos Populares na América Latina (anterior Núcleo de Direito Cooperativa e Cidadania – NDCC/PPGD/UFPR). Integrante da Coordenação Editorial da InSURgência: revista de direitos e movimentos sociais. Pesquisador do Grupo Temático de Direito e Marxismo do Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS). Coordenador do projeto de extensão/comunicação popular Movimento de Assessoria Jurídica Universitária Popular - MAJUP Isabel da Silva, integrante do coletivo Planejamento Territorial e Assessoria Popular (PLANTEAR), da UFPR. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9961-0583