Em 1944, o então prefeito da cidade do Rio de janeiro, Henrique Dosdworth, determinava a desapropriação das habitações situadas na “zona adjacente à Estrada da Gávea”, através do decreto municipal nº 7.711.1 Segundo um articulista da Gazeta de Notícias, aquela medida tinha como alvo claro o “lugar denominado Rocinha”, no bairro da Gávea.2 Ao tentar traçar o perfil dos moradores da localidade, o repórter da folha chegou a reconhecer que a maior parte deles eram “operários” e “pequenos lavradores”.3 O jornalista tratava de deixar claro portanto, que a medida pretendia extinguir uma pequena comunidade situada na zona sul carioca, formada por trabalhadores de baixa renda. Não por caso, o núcleo de moradias era identificado mais recorrentemente como mais um bairro operário da região naquele momento.4
Pois foram justamente esses trabalhadores que residiam na Rocinha, em resposta à aprovação do decreto municipal, que levaram uma comissão de moradores às redações do Jornal do Brasil, A Manhã, Correio da Manhã, Diário da Noite, Gazeta de Notícias e Diário Carioca, cujo resultado era a publicação de diversas matérias nesses periódicos.5 Ao procurarem alguns dos jornais mais populares da cidade, eles ampliavam para a sociedade como um todo a discussão do seu problema - iniciando um debate público acerca do próprio direito à habitação ao apontar a Rocinha o seu centro.
De fato, o texto do decreto demonstrava que, àquela altura, a localidade se afirmava como um problema para as autoridades públicas, cuja medida determinada pelo prefeito parecia tentar apresentar uma solução. Alegando “a necessidade de urbanizar-se a zona adjacente à Estrada da Gávea (...)”, o ato pretendia na prática extinguir a ocupação ali fixada, desapropriando os terrenos por “utilidade pública”. É possível perceber, portanto, que a tentativa de desapropriar a Rocinha em 1944 é um indício de que o seu processo de ocupação desencadeou a disputa pelo espaço urbano e embate social naquele momento.
Ainda assim, poucos dentre os estudiosos que abordaram a história das favelas cariocas durante o período chegaram a dispensar atenção mais detida ao episódio e a mobilização desses indivíduos para tentar pressionar o prefeito a revogar a medida.6 Tais estudos chegaram a citar uma matéria publicada no Diário de Notícias em 1943, destacando a formação de uma comissão de moradores da Rocinha que procurou o repórter da folha para informar que eles haviam entrado com uma ação judicial coletiva contra a Castro Guidão & Cia., diante da sua dificuldade de formalizar a venda dos terrenos. Ainda que os acontecimentos que se seguiram a aprovação do decreto municipal não tenham se constituído em objeto de análise, tais análises fornecem um caminho de investigação cujos moradores locais se constituem como protagonistas de suas lutas pelo direito à moradia. No rastro de perspectivas como essas, estudos mais recentes têm se voltado para as diferentes formas de organização e mobilização dos moradores das favelas cariocas durante o período.7
A partir dessas contribuições, o objetivo principal deste trabalho é o de analisar os diferentes interesses, experiências e estratégias mobilizadas pelos moradores da Rocinha para tentar reverter o decreto municipal em 1944. Antes, porém, é preciso compreender a lógica de ação municipal ao aprovar a medida, que se ligava ao contexto de valorização turística e especulação imobiliária da zona sul carioca naquele momento. Em seguida, a investigação é centrada no modo pelo qual os moradores da Rocinha fizeram daquele espaço um complexo campo de disputa, que abrangia diferentes esferas do seu cotidiano associadas a problemática urbana. Dito de outra maneira, busca-se compreender como as experiências cotidianas vivenciadas por tais indivíduos naquele espaço informaram às suas diversas formas de organização, negociação e luta, e, ao mesmo tempo, construíam seus laços de pertencimento com o território. Para enfrentar tal desafio, é necessário recorrer a uma diversidade de fontes que permitem analisar, por lógicas diversas, tanto as tensões e disputas pelo solo urbano quanto acompanhar as trajetórias e experiências daqueles sujeitos durante o período abordado. É o caso, em particular, da imprensa que se constituiu em uma importante fonte utilizada neste trabalho, que contribui para compreender os diálogos e redes nas quais os moradores da Rocinha estavam inseridos, modo pelo qual eles forjaram suas estratégias e lógicas de atuação na afirmação do seu espaço de moradia.8
Cabe, portanto, retomar o fio dessa história voltando ao ano de 1943, momento em que começaram os rumores de que a prefeitura pretendia desapropriar os imóveis situados na Rocinha, e acompanhar nas páginas dos jornais cariocas os desdobramentos posteriores à determinação do decreto municipal em 1944.
Entre abril e maio de 1943, os periódicos A Manhã e O Jornal divulgaram, com poucos dias de diferença, uma matéria idêntica anunciando que cerca de 400 moradores da Rocinha protocolaram uma ação coletiva contra a Castro Guidão & Cia. Alegavam que a empresa não havia finalizado o processo de legalização da venda de terrenos, embora seus compradores já tivessem quitado as prestações dos lotes adquiridos há mais de 20 anos.9 Alguns dias depois, o Diário de Notícias publicou uma extensa matéria que nos ajuda a acompanhar os desdobramentos dessa disputa judicial.10
De início, o matutino relatava que os próprios habitantes da Rocinha que formavam a comissão procuraram a folha para solicitar aos representantes legais da empresa e a Prefeitura esclarecimentos sobre o caso. Segundo a comissão, ao quitarem todas as prestações dos terrenos, e mesmo estando de posse do recibo de quitação passado pela empresa, eles “encontraram dificuldade em obter as guias de transmissão de propriedade”, documento que garantia as escrituras definitivas de suas terras, “por se negar a fazê-lo a Prefeitura”. O repórter explicava ainda que alguns desses indivíduos, “já apelaram para o Tribunal de Segurança denunciando a referida firma como responsável do fato”.
Procurado pelo Diário de Notícias para maiores esclarecimentos, o dr. Gastão Neri, liquidante judicial da companhia, alegou que “todos os lotes vendidos foram entregues aos compradores por ocasião do pagamento da primeira prestação”. No entanto, o representante da empresa afirmou que “a Prefeitura pretende desapropriar os terrenos da ‘Rocinha’ onde planeja executar obras de interesse público”. O dr. Gastão Neri chegou a assegurar que caso essa informação se confirmasse, os “compradores serão indenizados na base do valor venal atual dos terrenos”, avaliados em cerca de 8.000.000 de cruzeiros.
O jornalista da folha procurou o diretor da Comissão Especial de Desapropriações, sr. Firmo Barroso, que confirmou a notícia. O órgão municipal foi criado no contexto específico em que Dosdworth era prefeito do Distrito Federal, período que se estendeu por todo o Estado Novo. Ao promover a reestruturação administrativa da Prefeitura Municipal, ele reorganizou os serviços da Secretaria Geral de Viação, Trabalho e Obras Públicas, que teve como um marco importante a nomeação do engenheiro Edison Junqueira Passos como seu chefe. Destacava-se, nesse processo, a Comissão do Plano da Cidade vinculada diretamente a secretária chefiada pelo engenheiro Passos, que estava encarregada de elaborar um Plano Diretor para o Distrito Federal (SOUZA, 2014, p. 361-377; SILVA, 2017).11 Nesse documento constava que os planos de urbanização da cidade seriam elaborados pela Secretária Geral de Viação e Obras, com a colaboração da Secretária Geral de Finanças e por intermédio das comissões especiais, como no caso da própria Comissão Especial de Desapropriações.12 Interessa destacar que era como parte de um empreendimento mais amplo de realização do planejamento de obras públicas para a cidade elaborado pela municipalidade que tramitava na repartição pública o processo que pretendia desapropriar os terrenos onde encontrava-se a Rocinha, cuja finalidade era exatamente a urbanização da área.
Confirmada a previsão do representante da Comissão Especial de Desapropriações ao repórter do Diário de Notícias, Dosdworth assinou no dia 24 de janeiro de 1944 o decreto nº 7.711, que determinava a desapropriação das residências situadas na Rocinha:
O Prefeito do Distrito Federal, considerando a necessidade de urbanizar-se a zona adjacente à Estrada da Gávea, de modo a corresponder ao seu interesse turístico, nos termos do poder do Conselho Florestal e usando da faculdade que lhe confere o artigo 7º, ns. VII e IX, do decreto-lei n°.96, de 22 de dezembro de 1937, decreta: Art. 1 Ficam desapropriados por utilidade pública os prédios e terrenos compreendidos na área de 554.500 m².13
A medida se amparava, por um lado, no decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, conhecido como Código Florestal. Tratava-se de um documento legislativo federal que estabelecia as normas de preservação e de exploração das florestas no país, assim como as penas para aqueles que descumprissem suas deliberações.14 O dispositivo legal esclarecia que a área onde estava localizada a Rocinha, protegida pelo Código Florestal, poderia ser alienada pela Prefeitura por motivo de “utilidade pública”. Desse modo, a municipalidade teria a preferência para comprar as terras de seus proprietários individualmente por meio de uma indenização, como havia alertado o representando da Companhia Castro Guidão no ano anterior.15
O outro dispositivo legal em que se apoiava a medida que desapropriava as residências dos moradores da Rocinha em 1944 era o decreto-lei n° 96, de 22 de dezembro de 1937. O documento legislativo federal foi aprovado após o golpe que instituiu o Estado Novo naquele ano. A medida regulamentava os termos de administração da capital, determinando que o seu prefeito deveria ser indicado pelo Presidente da República, sendo nomeado em novembro daquele mesmo ano por Vargas para o cargo de interventor Henrique Dodsworth. Os capítulos VII e IX do artigo 7º do documento que estabelecia as competências do prefeito, especificavam que cabia ao governante “decretar as desapropriações necessárias às obras públicas”, além de “promover a organização de planos e projetos de obras públicas, e fazê-los executar dentro dos recursos previstos em lei”.16
Àquela altura, já estava em vigor a chamada Lei de Desapropriações aprovada em 1941, que determinava, “mediante declaração de utilidade pública”, a desapropriação de “todos os bens” “pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios”.17 Embora não fosse citado explicitamente, o dispositivo legal auxiliava o poder executivo na sua ação mais rápida e eficaz para desapropriar imóveis por utilidade pública, que interessavam a municipalidade na execução do plano de obras para a cidade. Desse modo, ele também compôs a base jurídica para a determinação do decreto municipal que desapropriava as residências situadas na Rocinha em 1944.18
Se o Código Florestal de 1934 e o decreto-lei de 1937 combinado a Lei de Desapropriações de 1941 forneciam os instrumentos legais para que a desapropriação da área onde estava situada a Rocinha fosse determinada pelo prefeito da cidade, cabe atentar em outra direção, para os sentidos desse argumento na lógica da administração municipal.
Por se tratar de um período de vigência da ditadura que se estendeu desde 1937 a 1945, os debates legislativos foram suspensos junto à dissolução da assembleia municipal. Desse modo, consta no boletim da prefeitura do Distrito Federal apenas o decreto que desapropriava as moradias situadas na Rocinha, citado integralmente de início, sem as discussões que levaram à sua aprovação. Ainda assim, a sua justificativa se amparava apenas em um ponto que buscava legitimar a medida: a necessidade de realizar obras de urbanização na área adjacente à Estrada da Gávea, “de modo a corresponder ao seu interesse turístico”. Tal justificativa sugere um caminho de investigação para tentar entender a associação das obras de urbanização na área e o incremento do turismo na região como justificativa para a sua medida, voltando assim o olhar para o contexto mais amplo em que se inseria a própria medida do prefeito Dodsworth.
Durante os oito anos que Dodsworth atuou como prefeito da cidade, o reconhecimento das autoridades públicas quanto ao potencial turístico daquela área ganhou um novo impulso. Esse processo era impulsionado pela realização de grandes eventos, como a competição anual que começou a marcar o calendário internacional de provas automobilísticas, conhecido como Circuito da Gávea.19 Não por acaso, a pavimentação de diversos trechos da Estrada da Gávea, onde era realizada a competição, foi incorporada como parte do vasto programa delineado no plano de obras aprovado pelo decreto n° 5.966, de 19 de maio de 1937. Junto a essa constata0ção, somava-se a percepção dessas mesmas autoridades de que comunidades formadas por trabalhadores de baixa renda como a Rocinha tornavam-se verdadeiros obstáculos para a realização do plano de urbanização elaborado pela prefeitura.
Contudo, não era somente a localidade da Rocinha que chamava a atenção da municipalidade como um problema concreto para a realização do seu projeto de reforma urbana. Sem representar uma ação isolada, a atenção que a municipalidade dispensava aos núcleos formados pela população pobre situados às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas e nos bairros vizinhos se somava a outras iniciativas semelhantes naquela região.20 Por essa lógica, dois anos após a criação dos parques proletários na Gávea e no Leblon que abrigaram indivíduos expulsos das favelas do Largo da Memória e da Praia do Pinto, era aprovado o decreto municipal que desapropriava as moradias dos trabalhadores de baixa renda da Rocinha. Configurava-se, assim, o esforço do poder público de criar uma área de exclusividade social para as elites e camadas médias ascendentes em certos espaços da zona sul da cidade, retirando deles a mancha de um bairro operário que crescia em grandes proporções.
Por esse motivo, o esforço das autoridades que buscavam garantir a seletividade de certas áreas da zona sul, como o próprio espaço onde estava localizada a Rocinha, se associava ao processo de transformação da região amparado na sua crescente especulação imobiliária durante o período. Surgiram, nesse contexto, diversos empreendimentos imobiliários, como o “Jardins Gávea” que anunciava o seu negócio nos jornais no início da década de 1940, como o “mais aprazível bairro residencial e recreativo do Rio de Janeiro, na Estrada da Gávea junto ao Gávea Golf e Country Clube”, chamando a atenção assim para os espaços de lazer voltados para a elite carioca.21
Esse novo impulso de especulação imobiliária da área adjacente a Rocinha que ocorreu durante a década de 1940 era acompanhado por uma transformação significativa das atividades econômicas nos bairros vizinhos, que começavam a perder a sua marca fabril. Era o caso, em particular, da fábrica de tecidos Corcovado que funcionava desde o final do século XIX à rua Jardim Botânico n. 418. Ainda no início da década de 1930, os acionistas da empresa deliberaram fechar a fábrica.22 No início da década de 1940, a companhia tentou minimizar a difícil situação financeira em que se encontrava loteando os terrenos de sua propriedade situados no Jardim Botânico. Não se tratava, porém, de um mero acaso. Seguindo a tendência de valorização dos terrenos da região, os anúncios publicados nos jornais que divulgavam a realização do empreendimento não deixavam dúvidas de que se tratava de um negócio voltado para as camadas médias ascendentes e a elite da cidade. É o que podemos observar através da nota publicada no Correio da Manhã, em 1942, que anunciava o aluguel de “apartamentos de luxo” à rua Abade Ramos n. 47, “local da antiga Fábrica Corcovado”.23 Nota-se, portanto, a significativa valorização daquelas terras em um período relativamente curto e a efervescente especulação imobiliária na área, que afetou a oferta de moradia na região.
O decreto municipal que desapropriava os terrenos da Rocinha assinado pelo prefeito Dodsworth em 1944 era parte de um movimento de transformação da própria cidade, através do planejamento urbanístico implementado na sua gestão. Mas também estava relacionado ao processo de mudança que se operava mais intensamente nos bairros próximos a Rocinha, e que se configurava através do novo perfil de sua ocupação ao longo da década de 1940. Desse modo, por mais que os moradores da Rocinha afetados pela medida tivessem defendido junto às autoridades que “a urbanização da área adjacente à Estrada da Gávea não requer a nossa saída”, pois podia ser feita “sem a desapropriação de toda a área da Rocinha”24, o prefeito optava pela aprovação da medida. Afinal, amparado no artigo 4° da legislação de desapropriações por utilidade pública, Dodsworth poderia incorporar a “área contígua necessária ao desenvolvimento da obra a que se destina” e das “zonas que se valorizarem extraordinariamente, em consequência da realização do serviço”, para então destina - lás “à revenda”.25 Ficava claro, desse modo, que as determinações do decreto municipal que pretendia extinguir o núcleo de habitações da Rocinha atendia as expectativas do mercado imobiliário, cujos interesses pareciam incompatíveis com a permanência dos trabalhadores que formavam a localidade naquele momento.
Ao se deparar com a possibilidade de desapropriação de seus imóveis, os habitantes da Rocinha forjaram, no entanto, diferentes estratégias e discursos para lutar por seus direitos e garantir seu espaço de moradia. Para investigar esse processo, é preciso enfrentar, em um primeiro momento, a complexidade da relação entre tais sujeitos que se encontravam estabelecidos na localidade e os jornais cariocas que noticiaram o caso nos dias que se seguiram a aprovação do decreto municipal em janeiro de 1944.
Em setembro de 1944, um desconhecido jornalista do Diário Carioca anunciava que, ao visitar a localidade entrevistou “três homens interessados na vida do bairro”. Segundo o articulista, o “sr. Amoacy de Niemeyer nos atendeu de bom grado, quando soube que o nosso objetivo era de defesa dos pequenos proprietários da Rocinha”.26Com essas palavras, o repórter se colocava explicitamente a favor da permanência dos seus moradores naquele espaço.
Em contraste com apoio dado a causa dos habitantes da localidade pelo articulista do Diário Carioca naquela ocasião, durante a primeira metade da década de 1940 eram publicadas diferentes matérias nos jornais cariocas que proclamavam a necessidade de reformas urbanas, particularmente no setor viário da cidade, cuja solução era a elaboração de um planejamento urbanístico para o Distrito Federal27. Nesse contexto, não era incomum que muitos desses veículos de comunicação publicassem matérias apoiando iniciativas de Dodsworth voltadas para a execução de diversas obras, cujo resultado contribuía muitas vezes para que certos bairros se tornassem inacessíveis à indivíduos de baixa renda, como os próprios moradores da Rocinha.
A possibilidade de que um mesmo periódico apresentasse posicionamentos distintos e até mesmo divergentes em suas páginas se explica pelo modelo de imprensa que emergiu no final do século XIX e que se consolidou nas décadas seguintes. Ainda que de maneiras distintas, grande parte da imprensa dedicava colunas e seções aos temas cotidianos da população pobre da cidade, convertendo-se em uma importante iniciativa comercial que tentava aumentar o número de leitores e formar seu público. Como resultado desse novo procedimento, a imprensa comercial se constituía em uma arena de disputa social, tencionada entre os projetos dos seus idealizadores e expectativas dos trabalhadores da cidade. 28
Sendo assim, não se tratava de um mero acaso o posicionamento do jornalista do Diário Carioca encarregado de escrever sobre a desapropriação das casas situadas na Rocinha em 1944. Um indício para tentar compreender porque o repórter se colocou em “defesa dos pequenos proprietários da Rocinha” naquela ocasião é atentar para o espaço do jornal em que a matéria era publicada, a série chamada “Do que necessita seu bairro?”. Tratava-se de uma coluna reservada pelo próprio periódico destinado às reclamações cotidianas da população pobre de diferentes lugares do Distrito Federal - em uma clara tentativa de dar voz às aspirações desses sujeitos e atrair o interesse deles para a folha.
Ainda que outros jornais não publicassem necessariamente suas matérias em colunas específicas, os periódicos que noticiavam o caso compartilhavam de uma lógica semelhante ao se colocarem como porta-voz da demanda dos moradores da Rocinha e intermediários da negociação entre eles e o prefeito da cidade. Era o caso, por exemplo, da nota publicada no Diário da Noite, no dia 3 de maio de 1944, que enviou um representante ao local “a pedido de uma comissão”.29 Dois dias depois, o repórter da mesma folha voltou a publicar uma matéria sobre o caso, na qual ele afirmava que os moradores da Rocinha “fizeram por nosso intermédio um apelo ao prefeito Dosdworth”. Segundo notava ainda o articulista, “[a] reportagem repercutiu profundamente não só entre os milhares de operários residentes em Rocinha, como em outros meios, constituindo os telegramas que transcrevemos abaixo, recebidos pelo DIÁRIO DA NOITE, o testemunho eloquente da repercussão da iniciativa que tomamos.”30
Cabe destacar que o Diário da Noite e outros periódicos cujo posicionamento era semelhante naquele momento, conseguiam atrair o interesse e a simpatia desses “milhares de operários” locais. Por outro lado, era a comissão de moradores da Rocinha que recorria e confiava a esses jornais o lugar de intermediários do seu apelo ao prefeito.
A matéria publicada naquele periódico trazia ainda uma fotografia de alguns moradores da Rocinha “pousando para a objetiva do DIARIO DA NOITE”:
Fuente: Diário Carioca, Rio de Janeiro, 22 de setembro de 1944
Ao fundo, a fotografia retratava aparentemente casas de alvenaria, cuja imagem se distanciava das construções precárias consolidadas como uma característica associada às favelas. Talvez os moradores da Rocinha tivessem escolhido mostrar tais construções como uma estratégia de legitimar a sua permanência no local. No primeiro plano, a foto mostrava ainda alguns modestos habitantes, dos quais é possível notar a presença marcante de indivíduos negros e mestiços. Representando na sua postura uma cena familiar harmônica e moralizada, esses sujeitos se colocavam como cidadãos que apresentavam uma justa reivindicação à municipalidade.
Ao formar uma comissão que passou a percorrer os periódicos cariocas que apoiavam a sua demanda, estes moradores locais criavam meios de divulgação dos seus discursos e argumentos para justificar a anulação da medida. A partir de um cauteloso diálogo com os redatores daquelas folhas cariocas, eles criavam formas de mobilização próprias por suas demandas e interesses compartilhados ao aturarem por dentro da lógica comercial de tais periódicos31.Desse modo, a sua iniciativa de recorrer aos jornais da cidade que se interessavam pelas causas de trabalhadores como os que estavam instalados na Rocinha, se configurava em uma estratégia perspicaz de conseguir visibilidade e fortes aliados na sua luta.
Havia, porém, outra estratégia utilizada pelos moradores da Rocinha afetados pelo decreto municipal que, junto à captação do apoio de diversos jornais da capital federal, contribuía para tentar legitimar a sua demanda. Cinco meses após a comissão de moradores da Rocinha iniciar a sua campanha em abril de 1944, percorrendo às redações dos periódicos da cidade, o Diário Carioca publicou uma extensa matéria sobre o caso na qual o desconhecido jornalista encarregado de escrever a reportagem esteve na localidade para ouvir os seus moradores. De início, o articulista fazia a seguinte ressalva: “Quando lá estivemos a maioria dos homens se encontrava trabalhando nas fábricas. E nos aconselharam que ouvíssemos três homens interessados na vida do bairro: o sr. Amoacy de Niemeyer, o dr. Mauricéia Filho e frei Oscar Dickr, frade franciscano”.32
Cabe notar que é improvável que não houvesse nenhum habitante no local para fornecer uma entrevista ao repórter da folha. O caso deixa entrever, no entanto, que talvez as lideranças locais não estivessem presentes naquele momento ou que os próprios moradores da Rocinha quisessem que “os três homens interessados na vida do bairro” se pronunciassem em favor de sua causa. Por esse motivo, ao aconselharem o repórter para que ele ouvisse os tais indivíduos, eles poderiam forjar mais uma importante estratégia de pressionar o prefeito a revogar o decreto municipal.
O primeiro entrevistado pelo repórter do Diário Carioca era Amoacy Niemeyer, membro de uma abastada família da capital federal, que inclusive foi proprietária de extensas porções de terras no então arrabalde da Gávea desde o início do século XX. Àquela altura, Niemeyer era uma figura de influência na política local atuando junto aos trabalhadores da região. Destacou-se, por exemplo, como um dos fundadores do Centro Cívico da Gávea e outros núcleos políticos de âmbito nacional, como a Legião Cívica 5 de Julho.33 Além disso, ele participava ativamente da vida cotidiana dos operários da Rocinha e dos bairros vizinhos, fosse através dos espaços associativos voltados para o lazer desses sujeitos ou atuando junto aos trabalhadores na reivindicação por melhores serviços básicos.34 Não era assim de se estranhar que Niemeyer fosse apresentado como um dos “homens interessados na vida do bairro”, se colocando em defesa dos interesses dos moradores da Rocinha. Mobilizando influentes redes de apoio e proteção construídas nos seu dia a dia, tais indivíduos conseguiam assim que ele se pronunciasse publicamente a favor da sua causa, conquistando um importante apoio político.
Descrito pelo repórter do Diário Carioca como um “homem fluente e de temperamento ardoroso”, Niemeyer declarou ao correspondente da folha que “há muito vem lutando contra um decreto municipal que desapropria os antigos terrenos da Fazenda da Rocinha”. De início, ele argumentou que com o valor da indenização que os proprietários dos imóveis atingidos pelo decreto municipal receberiam da prefeitura, não seria possível adquirir uma nova casa nas áreas adjacentes, pois a “Rocinha está situada entre bairros aristocráticos”. Isso porque, segundo Niemeyer, a localidade “foi construída há alguns anos e hoje estamos na época das grandes especulações imobiliárias”, o que resultava nos exorbitantes preços dos terrenos situados nos bairros vizinhos.
Essa era uma das reclamações dos próprios moradores da Rocinha, que chegaram a destacar o baixo valor que a prefeitura pretendia pagar pelos terrenos, caso fosse concretizado o decreto municipal. É o que podemos perceber através de uma matéria publicada no Diário da Noite sobre a desapropriação da própria Rocinha poucos meses antes, na qual um repórter da folha, que esteve na localidade, ouviu um de seus moradores:
Para onde vamos, só Deus sabe. E como vamos, também não, a não ser que entregaremos, digamos, por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil agora e depois irá valer quanto? De que nos valerá a indenização que for paga pelas propriedades com suas benfeitorias se com o seu valor não encontraremos outras pelas (sic) mesmos preços? De nada. Apenas porá em nossos bolsos uma importância que a vida cada vez mais cara consumirá rapidamente em aluguéis exorbitantes. Por isso não cremos que o maguinanimo (sic) Prefeito Henrique Dodsworth não solucione a situação nossa, que é a das nossas famílias. A beleza para o turista pode ser conciliada com a miséria que nos aguarda.35
Em um primeiro plano, é possível notar que ele apontava para a impossibilidade de trabalhadores de baixa renda adquirir suas casas nos bairros próximos à Rocinha com o pagamento da indenização concedida pelo governo municipal. De fato, o valor de tais indenizações era um ponto sensível na discussão da legislação que regulamentava as desapropriações por utilidade pública no país. Àquela altura, a Lei de Desapropriações aprovada em 1941 era criticada exatamente por não levar em consideração a valorização desses imóveis no solo urbano.36 Em sentido semelhante, o próprio morador da localidade entrevisto pelo jornalista do Diário da Noite tentava evidenciar a disparidade da quantia anunciada pelo órgão municipal, de apenas Cr$ 10.000, 00, à quantia estimada por ele de quanto valeria naquele momento os terrenos, de Cr$ 50.000, 00. Não é de se estranhar que a especulação imobiliária que resultava na valorização dos terrenos localizados no bairro da Gávea e áreas vizinhas começasse, portanto, afetar a oferta de moradia para a população pobre da região.
Em sentido complementar, Niemeyer destacava em sua entrevista ao jornalista do Diário Carioca, em setembro daquele mesmo ano, que essa situação levaria muitos moradores da localidade a habitar os “confins suburbanos”, dificultando o deslocamento de parte expressiva desses sujeitos que trabalhavam nas fábricas localizadas na Gávea37. Interessa destacar que a declaração de Niemeyer se somava à reclamação dos moradores da Rocinha divulgadas nas páginas de outros jornais alguns meses antes, cujo sentido se definia com mais clareza. O baixo valor da indenização não só inviabilizaria a aquisição de um terreno nas proximidades da Rocinha, mas também se desdobraria em outros problemas cotidianos. Era o caso, particularmente, do deslocamento para os seus locais de trabalho, já que muitos daqueles que estavam empregados na região provavelmente acabariam residindo em áreas longínquas da cidade. Dessa forma, a revogação do decreto municipal significava para muitos moradores da Rocinha continuar residindo próximos aos seus locais de trabalho, como no caso, em particular, dos “operários da Fábrica Carioca” que se colocaram em defesa da anulação do decreto municipal em outra nota veiculada no Diário da Noite em 1944.38
Outro argumento levantado dizia respeito aos materiais de construção de tais habitações na Rocinha. Em sua entrevista ao Diário Carioca, Niemeyer reconhecia que: “Estão todos dispostos a fazer o arruamento e a contribuir para outras obras de embelezamento do bairro, obrigando-se a construir as futuras residências de acordo com as modernas exigências municipais”.39 Ao tentar conciliar a permanência dos moradores às obras que o prefeito pretendia realizar, ele deixava entrever que as construções ali estabelecidas não estavam de acordo com as normas municipais vigentes. Em contrapartida, comprometia-se em nome do conjunto de moradores, que as “futuras” construções passariam a respeitar esses parâmetros - em uma clara tentativa de negociar com o poder público a permanência do núcleo de habitações na área. Niemeyer complementava ainda sua declaração afirmando que:
Dirão alguns interessados nas desapropriações: ‘Como poderão operários tão pobres construir residências de acordo com as atuais exigências de urbanismo? ’ Eu repondo repetindo uma declaração do sr. Getúlio Vargas, feita de quando a sua última visita a Belo Horizonte: ‘Os Institutos e Caixas existentes não devem construir arranha-céus e sim arranha- chãos’. Assim, o proprietário prefeito, que sempre orienta seus atos visando os aspectos humanos das questões e o interesse da coletividade, bem poderia, usando seu prestígio, conseguir, das Caixas e Instituições, de acordo com a polícia proclamada pelo sr. Getúlio Vargas, uma solução rápida para o caso das novas construções.
Refutando às críticas quanto a impossibilidade dos trabalhadores de baixa renda de a Rocinha conseguirem atender as normas urbanísticas vigentes, Niemeyer citou a frase atribuída ao presidente Getúlio Vargas. Com isso, ele cobrava das autoridades públicas uma política mais eficaz de estímulo de crédito às construções de “arranha- chãos”, ou seja, moradias para população pobre, e não somente de “arranha-céus”, edifícios residências voltados para as camadas médias e a elite carioca.
Nos meses anteriores, argumentos semelhantes eram sustentados pela comissão de habitantes da Rocinha em diversas notas publicadas nos jornais, por meio das quais eles se comprometiam a construir suas residências de acordo com as normas do código de obras do Distrito Federal. Era o caso, por exemplo, da matéria circulada nas páginas do Diário da Noite na qual um morador local declarava em entrevista ao repórter da folha vespertina que, em posse dos terrenos, “conseguiremos nos institutos de governo e bancos o crédito para fazermos novas construções e melhorar as existentes”.40 Em outra nota publicada no Correio da Manhã, o articulista dessa folha apelava para que: “Mantenha-os o prefeito na posse do seu terreno, e, o que é possível, faça com que sejam construídas ruas, naquele local, onde habita numerosa população”.41 Ao mesmo tempo em que buscavam garantir seu espaço de moradia, eles aproveitavam para solicitar que a prefeitura também voltasse seus investimentos para o local, transformando a ameaça à sua moradia em uma reivindicação por direitos.
Interessa destacar que os prejudicados moradores da Rocinha articulavam importantes argumentos em favor da anulação do decreto municipal, que eram endossados por Niemeyer poucos meses depois. Isso porque a localidade vinha sendo alvo de denúncias de construções irregulares desde meados da década anterior, sendo inclusive tema de debate legislativo. Era o que fazia o vereador Tito Lívio na Câmara Municipal do Distrito Federal, em 1936, ao afirmar que o loteamento da Castro Guidão & Cia. se encontrava irregular devido à falta de aprovação prévia dos órgãos competentes da Prefeitura, colocando em questão, com essas palavras, a legitimidade da própria ocupação proporcionada pelo loteamento da empresa.42 Desse modo, o fato de que os moradores da Rocinha se pronunciassem quanto ao assunto em 1944 parecia se constituir num elemento que reforçava a intenção do prefeito de desapropriar a área, fazendo com que eles tivessem que se comprometer a realizar “novas construções e melhorar as existentes” naquele momento.
Em sua entrevista ao correspondente do Diário Carioca, Niemeyer lembrava ainda que alguns moradores da Rocinha estiveram em combate junto ao Corpo Expedicionário brasileiro que, em 1942, enviou soldados para o front de guerra na Itália. Segundo o articulista, a “Rocinha, como tantos outros recantos do Brasil, também mandou alguns de seus filhos para a Itália, em nosso valente Corpo Expedicionário. Então será justo que os moradores daquele bairro, cujos os filhos estão no estrangeiro lutando pelos mais sagrados interesses de nossa pátria, se vejam privados da casa própria, conquistada com tantos sacrifícios e privações? (...).”43 Ao associar a participação de moradores da Rocinha na Segunda Grande Guerra à privação que tais indivíduos e suas famílias sofreriam de sua moradia, Amoacy Niemeyer articulava um inusitado argumento contra o decreto municipal. Ele apelava, dessa maneira, para o sentimento patriótico representando no ato daqueles que foram lutar na guerra. Através de uma postura inclusiva, Niemeyer identificava o conjunto de habitantes da localidade como parte da Nação - em uma clara tentativa de afirmar esses indivíduos como cidadãos brasileiros.
O segundo homem entrevistado pelo repórter do Diário Carioca, em setembro de 1944, era o vigário da capela de Nossa Senhora da Boa Viagem, localizada na Estrada da Gávea, chamado Frei Osmar Dickr. Segundo o articulista da folha, os “franciscanos há tempos trabalham em benefício do povo da Rocinha”. O jornalista da folha ressaltou que esse “religioso já teve oportunidade de se manifestar, bastante apreensivo, a respeito da situação dos moradores daquele bairro”. Desse modo, outro importante aliado à causa dos habitantes da Rocinha se pronunciava publicamente pela revogação da medida.
A obra social dos franciscanos na Rocinha, que se iniciou na segunda metade da década de 1930, se ligava ao interesse que a própria Igreja Católica demonstrava em relação aos trabalhadores da cidade. Em meados da década de 1940, essa atuação começou a ganhar novas dimensões diante das disputas políticas, especialmente contra o Partido Comunista Brasileiro.44 Ainda assim, alguns serviços mantidos pelos religiosos na Rocinha se constituíam em iniciativas importantes para os seus próprios moradores, cujo acesso a saúde e a educação era reivindicado por eles às autoridades públicas nos anos anteriores.45
Não por caso, a matéria do Diário Carioca de 1944 trazia ainda uma fotografia das crianças que seriam priadas da instrução escolar, caso o decreto fosse concretizado.
Fuente: Diário Carioca (Rio de Janeiro) 22 de setembro de 1944.
A imagem mostrava algumas crianças da Rocinha que frequentavam a instituição de ensino primário junto às suas professoras. A foto retratava o grupo de crianças aparentemente uniformizadas, como indica a sua vestimenta padronizada com a cor branca, e ainda representava na sua postura disciplinada os benefícios de manter a obra social na localidade. Tratava-se, portanto, de mais uma estratégia mobilizada naquela ocasião para tentar chamar a atenção do prefeito sobre os efeitos da determinação que desapropriava os terrenos no local.
O terceiro indivíduo que se pronunciou em defesa dos moradores da Rocinha era o médico Dr. Mauricéia Filho, que também chegou a ser entrevistado pelo repórter do Diário Carioca. Ele esclareceu, em um primeiro momento, que após o “convite de alguns amigos” começou a prestar “seus serviços profissionais ao posto de saúde mantido na Rocinha por aqueles religiosos”. Em seguida, o médico declarou ao jornalista da folha que aquele era “um povo que não posso acusar de nenhum deslize”. Ao concluir a sua declaração, ele afirmava ainda que (...) os moradores, gente do trabalho, são disciplinados, ordeiros, respeitadores das autoridades e dedicados aos misteres domésticos, sempre dedicando, em suas raras horas de folga, alguma atenção aos arranjos de suas moradias.46 Em sua entrevista, Mauricéia Filho deixava entrever para o jornalista que aqueles sujeitos não eram causadores de confusões ou atos imorais, afastando assim o conjunto de seus habitantes da ideia de “classes perigosas” usualmente associada aos trabalhadores de baixa renda. Sendo assim, o médico legitimava também a convivência dos moradores da Rocinha com os novos habitantes mais abastados que passavam a se instalar com maior frequência nos bairros vizinhos, ou mesmo aqueles que frequentavam a área procurando apenas alguns momentos de lazer. Além disso, ele reforçava o compromisso dos habitantes da Rocinha em relação ao melhoramento das construções de suas residenciais.
A partir de uma cuidadosa negociação com indivíduos e grupos sociais diversos, os moradores da Rocinha conquistavam o apoio de figuras importantes, como no caso em particular de parte da imprensa, Amoacy Niemeyer, o frei Osmar Dickr e o médico Dr. Mauricéia Filho. Ao construir discursos que buscavam legitimar o espaço de moradia dos trabalhadores da Rocinha e ainda reforçar muitos dos argumentos divulgados por eles, àqueles indivíduos se tornavam fortes aliados na sua luta por direitos, cujo objetivo final era pressionar o prefeito a revogar o decreto municipal. Cabe investigar, por fim, os sentidos compartilhados e as lógicas que alimentaram a atuação coletiva dos moradores da Rocinha que buscavam conquistar o direito de permanecer em suas casas diante da determinação que desapropriava os terrenos situados na localidade.
No dia 29 de abril de 1944, o Jornal do Brasil publicou uma matéria na qual o articulista da folha reproduzia integralmente a nota elaborada pela comissão: “‘Os operários e pequenos proprietários, residentes na Rocinha- Gávea, vem pedir por intermédio desse brilhante órgão, que o ilustre Prefeito revogue o Decreto Municipal que desapropria os terrenos da antiga fazenda da Rocinha, vendidos há mais de dez anos em prestações por companhias [particulares], quando não existia luz, escola e telefone’ (...).”47 O Correio da Manhã também divulgou uma pequena matéria, naquele mesmo dia, atendendo ao apelo da comissão de moradores da Rocinha que recorreu a folha: “Ora, a maioria dos residentes nesse local são operários e pequenos proprietários - hoje em número perto de três milhares- que, com sacrifício sem conta, adquiriram a prestações os seus terrenos a companhias particulares. Pela época - há uns dez anos -tudo ali era desconfortável: não havia luz, nem escola, nem instalações telefônicas. Além disso, estavam sujeitos a assaltos a mão armada como a crônica policial lá registrou”.48
De início, chama a atenção à semelhança das matérias publicadas em tais periódicos cuja comissão de habitantes da Rocinha reiterava incansavelmente os mesmos argumentos - indicando, no entanto, que se tratava de mais do que uma simples repetição.49
Por um lado, a nota elaborada pela comissão informava que o grupo era constituído por “operários” e “pequenos proprietários”, sugerindo que se tratava de um objetivo capaz de englobar diferentes tipos de habitantes da Rocinha. Por outro lado, é possível notar a ênfase na ideia de que tais indivíduos “adquiriram a prestações os seus terrenos a companhias particulares”, destacando assim a legalidade da propriedade de seus imóveis. Sustentavam ainda a ideia de antiguidade de suas moradias, ao destacarem que havia mais de dez anos que eles obtiveram esses terrenos, através de sua compra em prestações mediante transações comerciais com aquelas empresas. Ao afastar a ideia de que a ocupação havia sido feita por invasores, como teria acontecido em outros morros da cidade, a comissão buscava legitimar a presença de seus habitantes naquele espaço. Sem chegar a confrontar as bases que sustentavam o investimento do poder público sobre comunidades do gênero, tratavam com isso de afirmar, a partir da lógica habitual dessas mesmas autoridades, seu direito legal à ocupação daquele território, que os levava a cobrar da prefeitura a anulação do decreto municipal.
Chama a atenção ainda o fato de que a comissão tivesse reconhecido que os moradores da localidade desfrutavam de alguns serviços básicos, ainda que de forma precária. É o que podemos perceber através da nota elaborada pela própria comissão que destacava os temas, em particular, de iluminação, segurança, serviço telefônico e ensino escolar. De fato, os trabalhadores instalados na Rocinha se mobilizaram com frequência na luta por melhores serviços para a localidade nos anos anteriores. E, não por acaso, aqueles tópicos foram alvo de sua reivindicação junto a outros temas, notadamente, transporte e saúde50. Interessa notar que, como parte da experiência comum aos diversos moradores da Rocinha, a nota elaborada pela comissão em 1944 e divulgada nos jornais do período ressaltava a carência de tais serviços e a importância da luta daqueles indivíduos por melhores condições de vida. Para esses sujeitos, desfrutar de alguns serviços básicos convertia-se em uma conquista importante cujos benefícios eles não estavam dispostos a abrir mão tão facilmente.
Seguindo a mesma lógica de argumentação que estava presente na nota entregue aos jornais pela comissão, Amoacy Niemeyer declarou para o repórter do Diário Carioca poucos meses depois:
Acho que os moradores da Rocinha têm o direito liquido de viver em suas pequenas propriedades, adquiridas em prestações numa época em que não existia luz, escola, comércio e transportes. Nessa época os fidalgos turistas, em cujo benefício pretendem fazer a desapropriação, nem de longe se aventuravam a um passeio pela Rocinha, temendo assaltos a mão armada. Os primeiros moradores do local foram seus desbravadores [...] A pretensão dos moradores da Rocinha refere-se apenas aos que já têm escrituras definitivas e contratos de final de pagamento à firma vendedora.51
É possível observar que Niemeyer reproduzia o discurso elaborado pela comissão de moradores locais que foi divulgado alguns meses antes em diversos jornais da cidade. Junto aos argumentos sobre a obtenção legal e antiguidade dos terrenos, enfatizava a conquista de fato daquele território como parte de um mesmo repertório comum ao conjunto de seus habitantes, que se expressava de forma singular na ideia de “desbravamento” do lugar. Através desse recurso retórico, ele apontava a marca de origem da própria comunidade que fazia clara referência a conquista daquele espaço por seus “primeiros” habitantes. Tratava-se, na prática, do enfrentamento aos assaltantes à mão armada, e do acesso à serviços básicos como escola, luz e telefone. Era, portanto, a partir da efetiva ocupação daquele território que se legitimava para os seus próprios moradores a possibilidade de permanência de suas habitações naquele local e, por consequência, a anulação do decreto municipal. Desse modo, a comissão de moradores da Rocinha reunia elementos da experiência compartilhada por aqueles trabalhadores locais no processo de ocupação efetiva do seu território nos anos anteriores, que iam da compra dos terrenos há mais de dez anos em transações comerciais com companhias particulares à conquista de melhores condições de vida, representadas no acesso a alguns serviços básicos. Tal discurso era, pouco tempo depois, reproduzido e reiterado pelos seus “benfeitores” e pela imprensa carioca como argumentos legítimos de permanência dos trabalhadores da Rocinha naquele espaço. A partir de tal lógica, o repórter do Diário Carioca cristalizava a ideia de que a Rocinha é um “novo pedaço da Cidade Maravilhosa desbravado graças a seus esforços”, onde seus moradores estão “criando um bairro à custa de seu próprio trabalho e do auxílio de algumas pessoas de sentimentos humanitários”.52
Junto a campanha que a comissão de moradores da Rocinha realizava através da imprensa carioca, sustentando diferentes argumentos para justificar a anulação do decreto municipal que desapropriava os seus terrenos, tais indivíduos também se mobilizaram naquela ocasião de uma forma peculiar. É o que notava o repórter do Diário da Noite, que, ao se referir a outra reportagem divulgada na própria folha poucos dias antes, afirmou que essa matéria “repercutiu profundamente não só entre os milhares de operários residentes em Rocinha, como também em outros meios, constituindo os telegramas que transcrevemos abaixo”:
Cooperativa dos Operários residentes na Gávea faz eco do apelo que a população do Distrito de Rocinha faz por intermédio do valoroso DIARIO DA NOITE ao digno prefeito do Distrito Federal. - Ismael Antonio Coelho.
O Centro Cívico da Gávea felicita brilhante reportagem referente ao decreto de desapropriação da antiga fazenda da Rocinha. Que Deus abençoe a todos que trabalham nessa tenda. SDS Walter Gonçalves, secretário.
Centro 18 de Setembro compartilha com a população da Rocinha na ansiedade de uma solução satisfatória que o ilustre prefeito dará com certeza ao apelo publicado pelo paladino da imprensa carioca. Viva o DIARIO DA NOITE. -Americo Luiz Pereira.
Operários da Fábrica Carioca, residentes em Rocinha agradecem ao brilhante defensor a reportagem sobre a desapropriação dos nossos pequenos terrenos. Saudações respeitosas Lorival Menas, João de Freitas, Sebastião Menas, João Gabriel Perciliano e Gomes Peçanha.
As melhores felicitações de todos os sócios do Liberdade F. C. pelo amparo que esse grande jornal acaba de conceder aos operários que moram em Rocinha traduzindo nosso desespero diante do decreto de desapropriação. - Antonio Moreira, diretor.
Santa Cruz Football Clube, organização esportiva com sede em Rocinha, grita pela sua diretoria e quadro social a sua profunda gratidão pela notícia publicada em defesa do lar de humildes operários.
A brilhante publicação feita referente às pequenas propriedades humildes operários moradores na Gávea bem merece a atenção do humano e ilustre prefeito. Receba as melhores felicitações da União Espírita São Sebastião, Alfredo Rabello, diretor.53
Com exceção dos “Operários da Fábrica Carioca” que apareciam representados por alguns indivíduos nominalmente, a nota era assinada por seis associações que se colocavam em defesa dos moradores da Rocinha. Destes espaços associativos, três mantinham sua sede na localidade, o que nos deixa entrever que eram agremiações ligadas ao cotidiano de alguns dos moradores locais. Era o caso, em particular, do centro religioso chamado União Espírita São Sebastião, e dos clubes de futebol denominados Liberdade F. C. e Santa Cruz F. C.
A primeira associação foi criada no dia 15 de março de 1936, com sede à Estrada da Gávea n. 454, e era formada por trabalhadores e pequenos proprietários, dos quais alguns já residiam na região há algumas décadas. Integrava o quadro social da entidade religiosa, por exemplo, o lavrador Alfredo Jose Rabello, instalado no local desde pelo menos a década de 1920, que morava numa pequena casa à Estrada da Gávea. Rabello integrou pequenas comissões de moradores da localidade, participando ativamente de reivindicações por diversas melhorias para os seus habitantes54. Ele era também um dos habitantes da Rocinha que, em 1943, acionou a justiça contra a Castro Guidão & Cia. Seu nome aparecia na própria nota publicada no Diário da Noite em 1944 em nome da instituição religiosa.55A União Espírita São Sebastião era, no entanto, formada a partir de uma lógica especifica ligada ao apego de seus sócios às crenças e práticas religiosas do espiritismo. Interessa notar que tal experiência associativa se constituiu numa dimensão importante da lógica pela qual aqueles sujeitos se articularam no enfrentando pela moradia de seus sócios e outros habitantes da Rocinha em 1944.56
Não era apenas a entidade religiosa que havia se mobilizado em prol dos interesses dos moradores da Rocinha na matéria publicada pelo Diário da Noite em 1944. O Liberdade F. C. e Santa Cruz F. C. também estiveram representados no mesmo documento. A primeira associação mantinha sua sede social à rua Cinco, n. 229, situada na localidade da Rocinha, e estava em atividade desde 1930, - momento em que a localidade era ainda recentemente formada. Nos anos anteriores o clube participou de diversas mobilizações que reivindicavam serviços básicos para a Rocinha.57 O clube esportivo era integrado por trabalhadores de baixa renda que habitavam o local, como eles próprios buscavam evidenciar na matéria publicada em 1944 ao se auto identificar como “operários”.
Criado algumas décadas depois, o Santa Cruz F. C. era formado em 1938 por moradores locais que residiam, em sua maioria, na Estrada da Gávea, sendo formado assim a partir de laços de vizinhança.58 Seguindo a mesma lógica de afirmação do perfil social do seu congênere, o Santa Cruz F. C., que também assinava a nota do Diário da Noite em 1944, reiterava que a associação era formada por ”humildes operários”. Não por acaso, integrava o seu quadro social o operário em obras municipais Gildo Gianini, cuja família de imigrantes italianos se encontrava desde o início do século XX na Estrada da Gávea, tendo feito parte do processo de ocupação daquele espaço desde o início do loteamento da fazenda, ainda nos primeiros anos da década de 1920.59
Já a Cooperativa dos Operários residentes na Gávea, que também esteve representada na nota publicada pelo Diário da Noite em 1944, foi inaugurada em 1916. A associação era criada com o objetivo de manter “a sua dispensa provida de gêneros de primeira qualidade, que são fornecidos aos cooperadores em condições sempre vantajosas”. Para fazer parte da Cooperativa não era preciso pagar mensalidade ou joia, porém a associação condicionava a entrada dos operários da Gávea no seu quadro social à filiação desses sujeitos ao Sindicato de Operários da Gávea, que concorreu com o capital necessário para a aquisição dos recursos necessários para inaugurar e manter a agremiação.60 Não é de se estranhar que a associação tivesse se mobilizado na ocasião, já que muitos dos operários que trabalhavam nas fábricas têxteis situadas na região residiam na Rocinha.61
Outra associação que assinava a nota publicada no Diário da Noite em 1944, foi o Centro Cívico da Gávea. A entidade política foi fundada em apoio ao Governo Provisório chefiado por Getúlio Vargas ainda no início da década de 1930, junto a outros núcleos políticos de lideranças do movimento tenentista e seus aliados civis criados em diversos estados da federação62. Não por acaso, um de seus fundadores era o próprio Amoacy Niemeyer, que apoiou as revoltas tenentistas da década de 1920 e o próprio movimento de outubro de 1930.63 Destacando-se na política local do Distrito Federal, o Centro realizava diversos eventos que contavam com a participação de diferentes espaços associativos formados por trabalhadores da Rocinha e da região, cujo objetivo era apoiar Governo Provisório e garantir a implementação de suas propostas, em face da situação de instabilidade política.64
Embora as informações sobre o Centro 18 de setembro sejam escassas, outra associação representada no jornal vespertino em 1944, é possível identificar que a instituição estava também ligada à Niemeyer e aos operários da Gávea. Isso porque o mesmo indivíduo que assinava a nota em nome do Centro, de nome Americo Luiz Pereira, se declarou membro de uma certa “Organização Amoacy Niemeyer” em 1942, que tinha como dirigente o próprio homenageado. Faziam parte da Organização também a Walter Gonçalves e João Peçanha, cujos nomes aparecem na matéria em apoio aos moradores da Rocinha em 1944 representando, respectivamente, o Centro Cívico da Gávea e os operários da fábrica Carioca.65
Ainda que os “operários da Fábrica Carioca” não tivessem sido representados por nenhuma associação formada por eles exclusivamente, chama a atenção que a nota divulgada no Diário da Noite em 1944 fosse assinada por Sebastião e Lorival Mennas, ambos descendentes de uma família de operários da própria fábrica Carioca que estava instalada no local desde o final do século XIX. Eles eram ainda membros do Clube Musical Recreativo Carioca e do Carioca Sport Clube, sendo que Sebastião Mennas era presidente daquela associação recreativa nesse mesmo ano, e também um destacado jogador de basquete do clube esportivo. Diferente do Liberdade F. C. e do Santa Cruz F. C. que foram criados a partir da experiência dos moradores da Rocinha naquele território cuja lógica de vizinhança se constituiu num elemento importante desse processo, os dois clubes formados por operários da fábrica Carioca foram criados a partir de uma lógica que se amparava na experiência de trabalho nas fábricas têxteis da região.66Ao criar este vínculo entre moradia e trabalho como um argumento legítimo que justificava a revogação do decreto municipal, afirmava-se, para aqueles operários têxteis residentes na Rocinha, a ideia de que estes deveriam permanecer naquele espaço, constituindo assim outra dimensão de sua articulação coletiva naquele território.
A singularidade da atuação dos moradores da Rocinha que lutavam pela anulação do decreto municipal se amparava, portanto, na sua própria experiência cotidiana. Em 1944, quando foi aprovado o decreto municipal a experiência associativa e as redes de solidariedade construídas no seu dia a dia serviram de base para a articulação mais ampla de um movimento que lutava para garantir os direitos do conjunto de habitantes locais.
Ao divulgar o desfecho do caso, o jornalista do periódico A Manhã afirmou que o prefeito “resolveu tornar sem efeito o citado decreto de desapropriação”, revogando a medida cerca de um ano após a sua aprovação. De fato, a anulação do decreto municipal se associava ao contexto político de enfraquecimento do Estado Novo, que inclusive culminou no colapso do regime ditatorial no ano seguinte. Ao mesmo tempo, o governo de Dodsworth perdia força para realizar grandes empreendimentos como esse, que se expressava na dificuldade de captar recursos financeiros e o apoio político necessário à sua execução. Ainda assim, o jornalista da folha não deixava de reconhecer que o fato se deu “tendo em vista a reclamação dos moradores daquele local”67- indicando, com essas palavras, que tanto o amplo conjunto de estratégias e discursos mobilizados pelos habitantes da Rocinha quanto às suas formas próprias de organização e luta se mostraram eficazes naquela ocasião.
Ainda assim, a luta protagonizada por tais indivíduos não se limitava à defesa da permanência de suas moradias na localidade. Na perspectiva daqueles que se mobilizaram em defesa da anulação do decreto municipal, a sua atuação coletiva estava associada à luta dos seus habitantes por direitos e cidadania, que se inseria na própria problemática de ordenação do espaço urbano, assim como seus usos e sentidos. Mais do que criar estratégias e discursos em defesa de seus interesses e objetivos comuns, ao se mobilizarem em defesa de seus direitos, os moradores da Rocinha forjavam sua memória coletiva de ocupação do território através de diversos elementos que atribuíam sentido à sua história e experiências compartilhadas no seu espaço de moradia. O episódio se constituiu assim num momento importante do longo processo de construção dos laços identitários que identificavam aqueles sujeitos, em sua maioria trabalhadores de baixa renda, como parte de uma mesma localidade.
Bittencourt, Danielle Lopes. “‘O morro é do povo’: memórias e experiências de mobilização em favelas cariocas”. (Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2012).
Danielle Lopes Bittencourt ‘O morro é do povo’: memórias e experiências de mobilização em favelas cariocasDissertação de mestradoUniversidade Federal Fluminense2012
Fischer, Brodwyn. A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro. Stanford, California: Stanford University Press, 2008.
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Vera Rezende A Comissão do Plano da Cidade, um modelo de gestão e um plano de obras para a cidade do Rio de JaneiroXIEncontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação em Planejamento Urbano e RegionalSalvador2005
Silva, Pedro Sousa da. Construindo um novo espaço urbano no Estado Novo: a participação das empreiteiras cariocas nas obras da gestão de Henrique Dodsworth (1937-1945). Revista Faces do Clio 3.6 (2017): 51-173.
Pedro Sousa da Silva Construindo um novo espaço urbano no Estado Novo: a participação das empreiteiras cariocas nas obras da gestão de Henrique Dodsworth (1937-1945)Revista Faces do Clio36201751173
Souza, Rafael Lima de. ‘Não havia grita...’: política e reformas urbanas no Rio de Janeiro de Henrique Dodsworth (1937-1945). Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro 8 (2014): 361-378.
Rafael Lima de. Souza ‘Não havia grita...’: política e reformas urbanas no Rio de Janeiro de Henrique Dodsworth (1937-1945).Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro8201361378
[1]“Decreto 7.711, 24 de janeiro de 1944, Ano XXXI, janeiro-junho”, Boletim da Prefeitura do Distrito Federal (Rio de Janeiro) 24 de janeiro de 1944: 35.
[2]A comunidade está situada nos morros acima do túnel Zuzu Angel, que atravessa o chamado morro Dois Irmãos, na altura do bairro São Conrado, localizado na zona sul do Rio de Janeiro. Contando com uma ocupação de grandes proporções, a favela da Rocinha é a mais populosa do país e uma das mais conhecidas do Brasil na atualidade. Margeando a Estrada da Gávea, sua extensão é limitada, na parte mais baixa, pela autoestrada Lagoa-Barra, seguindo dali até os pontos mais altos das colinas na encosta dos morros Dois Irmãos e Laboriaux. A comunidade ocupa assim uma área de cerca de 453.440 metros quadrados, que tem como vizinhos os bairros residências da Gávea e de São Conrado, ocupados pelas elites cariocas. Censo Demográfico do Município do Rio de Janeiro de 2010.
[4]Em trabalho recente, Costa analisou o processo de afirmação da favela da Rocinha no espaço urbano do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX. Em um primeiro momento, o território apresentava caraterísticas rurais, tornando-se uma particularidade da região até o momento em que a Castro Guidão & Cia., proprietária da fazenda da Rocinha que se localizava na Estrada da Gávea, passou a lotear e vender os terrenos em meados da década de 1920. O empreendimento da companhia proporcionou uma acelerada ocupação naquela área por trabalhadores, emergindo uma nova configuração espacial de sua ocupação, cuja aglomeração de habitações modestas passou a se destacar no cenário. A partir do final da década de 1920 a localidade começou a ser conhecida como Rocinha, consolidando o seu processo de invenção social e histórica como um bairro operário no início de 1930. Em meados da década de 1930, no entanto, a Rocinha foi identificada de forma pioneira pelo vereador Tito Lívio como uma “favela”. Ao enfatizar o seu caráter pejorativo, ele sugeria que o núcleo de moradias passava a chamar a atenção das autoridades públicas, disputando assim os seus sentidos físicos e simbólicos. Contudo, o núcleo de moradias ainda não havia se consolidado como a favela da Rocinha no espaço urbano - em processo que só ocorreria nos anos finais da década de 1940 e ao longo da década de 1950. Mariana Costa, “A Rocinha em Construção” (Tese de doutorado, PUC-Rio, 2019).
[5]“A desapropriação dos terrenos da antiga fazenda da Rocinha”, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 29 de abril de 1944: 6; “Tablelaxo: Apelam paar (sic) o prefeito moradores de Rocinh (sic)”, A Manhã (Rio de Janeiro) 29 de abril de 1944: 6; “Os terrenos da Rocinha”, Correio da Manhã (Rio de Janeiro) 29 de abril de 1944: 12; “Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil?”, Diário da Noite (Río de Janeiro) 3 e 5 de maio de 1944: 3, 5; “Aflitos os moradores da ‘Rocinha”, Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro) 5 de maio de 1944: 5; “Do que o seu bairro necessita?”, Diário Carioca (Rio de Janeiro) 22 de setembro de 1944: 3.
[6]Maria L. P. da Silva, Favelas Cariocas (1930-1964) (Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2005) 11-98; Danielle L. Bittencourt, “‘O morro é do povo’: memórias e experiências de mobilização em favelas cariocas” (Dissertação de mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2012) 76-80.
[7]Brodwyn Fischer, A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro.(Stanford, California: Stanford University Press, 2008); Rafael Gonçalves, Favelas do Rio de Janeiro: História e Direito (Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2013).
[8]Embora sejam entendidas muitas vezes como simples veículos de expressão das aspirações e propostas de seus redatores e proprietários, ainda que sem abrir mão da proposta de formá-lo ao estabelecer sobre eles certa perspectiva pedagógica e disciplinar, as folhas do período se viam na necessidade de trazer para suas páginas as questões, perspectivas e problemas caros aos seus possíveis leitores. Como resultado desse processo, os periódicos são aqui pensados como campos de disputa e negociação entre diferentes atores sociais. Tensionados entre os projetos dos seus idealizadores e expectativas e interesses dos trabalhadores da cidade, eles se apresentam como testemunhos polissêmicos e polifônicos, constituindo assim meio fundamental de compreensão das disputas e negociações que marcaram a experiência dos moradores da Rocinha naquela ocasião. Leonardo Affonso de Miranda Pereira. “Negociações impressas: a imprensa comercial e o lazer dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Primeira República”. Revista História 35.99 (2016): 1-21.
[9]“Direito e o Foro”, O Jornal (Rio de Janeiro) 28 de abril de 1943: 8; “Panorama Jurídico”, A Manhã (Rio de Janeiro) 5 de maio de 1943: 8.
[10]“Os moradores da ‘Rocinha’, na Gávea, terão seus direitos assegurados”, Diário de Notícias (Rio de Janeiro) 27 de maio de 1943: 7.
[11]Tratava-se do Decreto-lei 2.722, de 30 de outubro de 1940, assinado por Getúlio Vargas, e regulamentado por Dodsworth através do Decreto-lei 6.896, de 28 de dezembro de 1940. Formada por técnicos municipais, a Comissão Especial de Desapropriação era responsável por efetuar “As desapropriações necessárias à execução dos planos de urbanização” que seriam “consideradas de urgência e processados justamente com as indenizações”. Posteriormente, o Decreto-lei n°. 3532, de 21 de agosto de 1941 sancionado por Vargas e regulamentado pelo prefeito através do Decreto - lei 7.101, 15 de setembro de 1941, alterou dispositivos de ambos os decretos respectivamente. Ainda assim, a Comissão manteve em essência a sua função. Souza, Rafael L. de. “‘Não havia grita...’: política e reformas urbanas no Rio de Janeiro de Henrique Dodsworth (1937-1945) ”, Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro 8 (2014): 361-378; Silva, Pedro Sousa da. Construindo um novo espaço urbano no Estado Novo: a participação das empreiteiras cariocas nas obras da gestão de Henrique Dodsworth (1937-1945). Revista Faces do Clio 3.6 (2017): 151-173.
[12]Vera Rezende, “A Comissão do Plano da Cidade, um modelo de gestão e um plano de obras para a cidade do Rio de Janeiro”, XI Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (Salvador, 2005) 1 -20.
[13]“Decreto 7.711, 24 de janeiro de 1944, Ano XXXI, janeiro-junho”, Boletim da Prefeitura do Distrito Federal (Rio de Janeiro) 24 de janeiro de 1944: 35.
[14]Raoni Rajão, Ely Bergo de Carvalho e Roberta del Giudice, Uma breve história da legislação florestal brasileira (Observatório do Código Florestal, 2018) 1-168.
[15]Coleção de Leis do Brasil - 1934, V. 1 (Publicação Original) - Decreto nº 23.793, de 23 de janeiro de 1934, 519.
[16]Coleção de Leis do Brasil - 1937, V. 3 (Publicação Original) - Decreto-Lei nº 96, 22 de dezembro de 1937, 427.
[17]Diário Oficial da União - Seção 1 - 18/7/1941, (Publicação Original) - Decreto-Lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, 14427.
[18]“Publicações a pedido”, Jornal do Comércio, 21 de agosto de 1940, pág. 8; “Nova Lei de Desapropriações”, A Noite, 24 de junho de 1941, 2.
[22]“Companhia de Fiação e Tecidos Corcovado”, Jornal do Comércio (Rio de Janeiro) 27 de fevereiro de 1935: 13; “Bancos e Companhias”, Diário de Notícias (Rio de Janeiro) 26 de março de 1933: 13.
[23]Correio da Manhã (Rio de Janeiro) 22 de fevereiro de 1942: 14. Foram publicados anúncios semelhantes no Diário de Notícias (Rio de Janeiro) 28 de janeiro de 1941: 10; Correio da Manhã (Rio de Janeiro) 19 de outubro de 1944: 10.
[24]“Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil? ”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 3 de maio de 1944: 3.
[25]Diário Oficial da União - Seção 1-18/7/1941, 14427 (Publicação Original) -Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
[29]“Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil?”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 3 de maio de 1944: 3.
[30]“Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil? ”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 5 de maio de 1944: 5.
[33]O Centro Cívico da Gávea e a Legião Cívica 5 de Julho foram criadas em apoio ao movimento de outubro de 1930 e o Governo Provisório no Distrito Federal. A segunda associação manteve núcleos políticos em toda cidade, tendo, em outubro de 1932, inaugurado um diretório de legionários na Gávea. A Batalha (Rio de Janeiro) 22 de março de 1931: 8; Do que o seu bairro necessita?”, Diário Carioca (Rio de Janeiro) 22 de setembro de 1944: 3; “Manifestação ao Ministro do Trabalho”, 28 de fevereiro de 1931. 12.
[34]Costa 121-125; Talvez Amoacy Niemeyer começasse a atuar mais intensamente junto aos trabalhadores da região naquele momento devido a sua pretensão eleitoral, que se concretizou em 1945 com a sua candidatura a deputado federal. Diário de Notícias (Rio de Janeiro) 23 de novembro de 1945: 3.
[35]“Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil? ”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 3 de maio de 1944: 3.
[38]“Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil? ”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 5 de maio de 1944: 5.
[40]“Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil? ”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 3 de maio de 1944: 3
[42]“Câmara Municipal do Distrito Federal”,Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 4 de novembro de 1936: 23.
[47]“A desapropriação dos terrenos da antiga fazenda da Rocinha”, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 29 de abril de 1944: 6.
[49]Foram publicadas matérias semelhantes nos seguintes jornais: A Manhã (Rio de Janeiro) 29 de abril de 1944; “Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil? ”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 5 de maio de 1944: 5; “Aflitos os moradores da ‘Rocinha”, Gazeta de Notícias (Rio de Janeiro) 5 de maio de 1944: 5.
[53]“Entregarão por dez mil cruzeiros o que vale cinquenta mil? ”, Diário da Noite (Rio de Janeiro) 5 de maio de 1944: 5.
[54]Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 12 de janeiro de 1927, 23 de junho de 1929 e 7 de dezembro 1929; Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (AGCRJ). Licença de Obras (L.O.). Ano 1929. Estrada da Gávea, caixa 51, planta de casa.
[55]“Os moradores da ‘Rocinha’, na Gávea, terão seus direitos assegurados”, Diário de Notícias (Rio de Janeiro) 27 de maio de 1943: 7.
[57]Diário Carioca (Rio de Janeiro) 8 de abril de 1934: 11; “A ação da polícia”, Diário de Notícias (Rio de Janeiro) 2 de outubro de 1935; “ A retirada dos peixes mortos da lagoa Rodrigo de Freitas”, Correio da Manhã (Rio de Janeiro) 30 de janeiro de 1935: 9.
[59]Costa 55, 71; “O Circuito da Gávea e os cabotinos”, O Imparcial (Rio de Janeiro) 3 de maio de 1936: 1; Arquivo do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (AERJ). Fundo POL POL, setor comunismo, notação 2J, Gildo Gianini (n.2134).
[60]“Na Cooperativa de Operários da Gávea”, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 1 de abril de 1917: 10.
[62]Angela de Castro Gomes e Verena Alberti, A República no Brasil (Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira/CPDOC, 2012).
[63]“A Situação Política”, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 22 de junho de 1933: 7; “Publicações especiais”, Correio da Manhã (Rio de Janeiro) 16 de novembro de 1945: 6.
[64]“Manifestação ao Ministro do Trabalho”, Diário Carioca (Rio de Janeiro) 28 de fevereiro de 1931: 12; “Natal na Gávea”, Beira-Mar (Rio de Janeiro) 22 de dezembro de 1934: 11; “Ano Novo na Gávea”, Correio da Manhã, (Rio de Janeiro) 30 de dezembro de 1934: 6; “Centro Cívico da Gávea”, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 29 de março de 1935: 8; “A situação política”, Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 24 de janeiro de 1935: 8; “Centro Cívico Da Gávea”, Correio da Manhã (Rio de Janeiro) 24 de janeiro de 1935: 10.
[66]O pai de Sebastião Mennas, chamado Antonio Mennas Soares, foi um dos fundadores do Clube Musical Recreativo Carioca em 1895, cuja sede estava estabelecida à Estrada D. Castorina n. 100 - atual rua Pacheco Leão. Costa 192.
[67]“Tornada sem efeito a desapropriação do sítio Rocinha, na estrada da Gávea”, A Manhã (Rio de Janeiro) 8 de maio de 1945: 9.
[68]Cómo citar este artículo: Mariana Barbosa Carvalho da Costa, “A desapropriação da Rocinha em 1944: embate pelo solo urbano e disputa por direitos em um bairro operário situado no Rio de Janeiro, Brasil”, Trashumante. Revista Americana de Historia Social 22 (2023): 74-100.DOI: https://doi.org/10.17533/udea.trahs.n22a04