Chamada para propostas para a edição A tradução e a interpretação como engajamento social
O advento da crise climática e migratória, os conflitos internos e externos no mundo todo e as consequências de regimes ditatoriais ou autoritários em contextos pós-coloniais e neocoloniais impõem desafios e demandas cada vez mais inovadores e urgentes para os serviços de tradução e interpretação, especialmente no Sul Global. Tanto a prática quanto a pesquisa dessas áreas buscam responder a essas situações por meio de suas práticas, pesquisas e reflexões. Em particular, as publicações acadêmicas que estudam o papel da tradução e da interpretação como contribuintes para a justiça social aumentaram significativamente na última década. Está se tornando cada vez mais evidente que essas práticas transcendem as abordagens comparatistas baseadas na equivalência que caracterizaram os estudos de tradução por muitos anos. Como participantes de práticas sociais (uma concepção que ganhou relevância desde o chamado “giro social”; ver, por exemplo, Wolf, 2006), tornou-se um tema particularmente importante de estudo o papel de tradutores/as e intérpretes na busca por justiça social e equidade como respostas a essas múltiplas crises enfrentadas pela humanidade e pelo planeta.
Após anos de contribuições que destacavam a instrumentalização da tradução e da interpretação na construção de relações de poder desiguais em contextos coloniais e pós-coloniais, também foi enfatizado o potencial de resistência incorporado por ambas. No entanto, como Maria Tymoczko afirma no prólogo de Translation, Resistance, Activism, obra que se erige como um precedente essencial neste campo, o ativismo não pode se limitar a se opor ou resistir a situações de injustiça social: "eles também devem ser capazes de iniciar ações, mudar o curso, construir novos objetivos, articular novos valores, buscar novos caminhos" (p. viii, nossa tradução). Essas linhas sugerem uma mudança de ênfase que possibilita discutir uma transição da denúncia da injustiça e da resistência para a construção de novos paradigmas de justiça social.
Em linha com essa mudança, aumentaram as publicações acadêmicas que se concentram na interpretação em serviços sociais ou na interpretação comunitária como uma garantidora de direitos linguísticos em todo o mundo. Como Nathan Garber observou:
Em muitos países, a tradição da qual surgiu a interpretação comunitária a vincula à justiça social e à equidade. O desenvolvimento da interpretação comunitária baseia-se no reconhecimento de que muitos indivíduos são privados de acesso a serviços aos quais têm direito porque não falam a língua da instituição ou do provedor de serviços. (2018, p. 13)
Nesse contexto, surgiram redes que buscam fornecer serviços de tradução e interpretação para setores desfavorecidos, como a ECOS, Tradutores e Intérpretes pela Solidariedade. No âmbito do I Fórum Internacional de Tradução, Interpretação e Compromisso Social, foi publicada a Declaração de Granada, de 2007, apresentada como um "Manifesto por uma tradução e interpretação a serviço de toda a sociedade e de todas as sociedades", incluída no volume editado por Boéri e Maier (2010).
Seguindo o precedente estabelecido pelo volume editado por Tymoczko (2010), numerosos volumes editados, edições especiais e artigos de revistas exploraram o papel da tradução e da interpretação na construção de sociedades mais justas. Em uma exploração preliminar, podemos agrupar essa produção nas publicações que examinam o papel da interpretação em contextos de provisão de serviços públicos, como a série pioneira The Critical Link (1997, 2000, 2003, 2007, 2009, 2013) e o volume editado por Valero-Garcés e Rebecca Tipton (2017). Este último faz parte da série Translation, Interpreting, and Social Justice in a Globalized World, que também inclui os livros editados por Taibi (2017) e Baumgarten e Cornellà-Detrell (2018). Em relação ao papel da tradução no contexto de organizações não-governamentais, destaca-se o monográfico de Tesseur (2023). No contexto da tradução e da interpretação institucionais, o volume editado por Monzó-Nebot e Lomeña-Galiano (2024) é uma referência importante; também coeditado por Monzó-Nebot, desta vez com Mellinger, foi publicada em 2022 uma edição especial da revista Just: Journal of Language Rights & Minorities, focada em políticas linguísticas para a justiça social.
Outra edição especial de revista dedicada ao tema da justiça social, desta vez relacionada à tradução especializada, foi editada em dois números, coordenados por Savage e Dura (2023) e Gonzales e Cooley (2024). O impacto da atividade humana no meio ambiente e na diversidade biológica e cultural também foi articulado a essas preocupações, com publicações como as de Cronin (2017) e Price (2023); da mesma forma, o volume editado por Baer e Kaindl (2018) explora o potencial ativista dos estudos queer em tradução. Finalmente, no contexto do conflito e das diversas crises que ocorreram nos últimos anos, mencionamos o volume editado por Declercq e Kerremans (2024).
Como se pode ver, o tema do compromisso social de tradutores/as e intérpretes não passou desapercebido por pesquisadores/as e ativistas da área. Um fator comum entre essas publicações que revisamos é que foram publicadas majoritariamente em inglês, embora muitos/as autores/as estejam afiliados/as a instituições do mundo hispanofalante. Motivada por esses precedentes e com o objetivo de promover a discussão e a difusão de pesquisas em contextos menos explorados, esta edição da Mutatis Mutandis. Revista Latinoamericana de Traducción convida ativistas, pesquisadores/as, tradutores/as e intérpretes a enviarem seus artigos inéditos resultantes da pesquisa e reflexão sobre a articulação da tradução e da interpretação para a justiça social no contexto do Sul Global.
Linhas temáticas
São bem-vindos artigos inéditos que investiguem explicitamente a conexão entre tradução/interpretação e as seguintes áreas de interesse:
- Tradução/interpretação, ativismo e memória (transnacional)
- Ecotradução
- Tradução/interpretação, movimentos e organizações sociais
- Solidariedade e resistência
- Comunidades e redes de ativistas; ativistas pioneiros; ativismo digital; ativismo literário; ativismo linguístico; ativismo de gênero
- Pedagogias críticas; competência ativista; educação decolonial; pesquisa-ação-participativa
- Planejamento linguístico; violência linguística; discriminação linguística; tradução/interpretação como justiça social
- Direitos de pessoas com deficiência; acessibilidade e tradução
- Tradução de línguas minoritárias/minoritarizadas
- Tradução/interpretação e direitos humanos
- Interpretação comunitária
- Tradução/interpretação e crise migratória
Agenda
- Lançamento da chamada: 25 de outubro, 2024
- Submissão de propostas: 13 de dezembro, 2024
- Notificação de aceitação das propostas: 20 de dezembro, 2024
- Submissão dos manuscritos por parte dos pesquisadores: 14 de abril, 2025
- Publicação do número: julho – agosto, 2025
Diretrizes para envio
Envie o resumo de sua proposta de artigo antes do 13 de dezembro para o seguinte e-mail: revistamutatismutandis@udea.edu.co
O resumo deve conter as seguintes especificações:
- Título do artigo
- Nome(s) do(s) autor(es), afiliação institucional, e-mail e breve nota biográfica. A revista solicitará uma declaração de autoria, se necessário.
- Uma proposta de 250 palavras, incluindo uma descrição do artigo proposto, sua estrutura teórica e metodológica, justificativa e relevância para o campo.
- Seção da revista em que o artigo será enviado (artigo de pesquisa, artigo de reflexão, artigo de revisão, etc.). Confira as "Políticas de Seção".
- Linha temática da chamada na qual o artigo se enquadra.
- 5 palavras-chave
- Bibliografia preliminar
Lembre-se de que a versão final do seu artigo deve ter entre 7.000 e 12.000 palavras, incluindo notas e referências. Você pode escrever seu artigo em inglês, francês, português ou espanhol. É importante que você leia cuidadosamente e siga as seções "Diretrizes para autores" e "Considerações éticas". Se o artigo não estiver em conformidade com qualquer uma das políticas editoriais, ele será rejeitado.
Endereço eletrônico para a submissão de propostas: rvmutatismutandis.id@udea.edu.co
Referências
Baer, B. J. e Kaindl, K. (Eds.; 2018). Queering translation. Translating the queer. Theory, practice, and activism. Routledge.
Baker, M. (2016) Translating dissent: voices from and with the Egyptian revolution. Routledge.
Baumgarten, S. e Cornellà-Detrell, J. (2019). Translation and global spaces of power. Multilingual Matters.
Boéri, J. e Maier, C. (Dir.; 2010). Compromiso social y tradução/interpretação-Translation/Interpreting and social activism. ECOS: Traductores e intérpretes por la solidaridad.
Brunette, L., Bastin, G., Hemlin, I., e Clarke, H. (Eds.; 2003). The critical link 3: Interpreters in the community. John Benjamins.
Carr, S. E., Roberts, R. P., Dufour, A., e Steyn, D. (Eds.; 1997). The critical link: Interpreters in the community. John Benjamins.
Chambers, C. e Demir, I. (2024). Translation and Decolonisation: Interdisciplinary Approaches. Routledge.
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Gould, R. R. e Tahmasebian, K. (2020). The Routledge handbook of translation and activism. Routledge.
Hale, S., Ozolins, U., e Stern, L. (Eds.; 2009). The critical link 5: Quality in interpreting – A shared responsibility. John Benjamins. https://doi.org/10.1075/btl.87
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Monzó-Nebot, E. e Lomeña-Galiano, M. (Eds.; 2024). Toward inclusion and social justice in institutional translation and interpreting. Revealing hidden practices of exclusion. Routledge.
Price, J. M. (2023). Translation and epistemicide. Racialization of languages in the Americas. The University of Arizona Press.
Roberts, R. P. Carr, S. E., Abraham, D. y Dufour, A. (Eds.; 2000). The critical link 2: Interpreters in the community. John Benjamins.
Savage, J. e Dura, L. (Eds.; 2023). Special issue on Social justice and translation. Technical Communication and Social Justice, 1(1). https://techcommsocialjustice.org/index.php/tcsj/issue/view/1
Schäffner, C., Kredens, K., e Fowler, Y. (Eds.; 2013). Interpreting in a changing landscape. Selected papers from Critical Link 6. John Benjamins.
Taibi, M. (Ed.; 2018). Translating for the community. Multilingual Matters.
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Tymoczko, M. (2010). Foreword. Em Translation, resistance, activism (pp. vii-ix). University of Massachusetts Press.
Tymoczko, M. (Ed.; 2010). Translation, resistance, activism. University of Massachusetts Press.
Valero-Garcés, C. e Tipton, R. (Eds.; 2017). Ideology, ethics and policy development in public service interpreting and translation. Multilingual Matters.
Wadensjö, C., Dimitrova, B. E., e Nilsson, A. L. (Eds.; 2007). The critical link 4: Professionalisation of interpreting in the community. John Benjamins.
Wolf, M. (Ed.; 2006). Übersetzen – Translating – Traduire: Towards a “social turn”? Lit Verlag.